Tribunal julga neste dia 19 medida que pode, na prática, descriminalizar a posse de drogas para consumo próprio

Uma parcela importante – e influente – da burguesia norte-americana já descobriu o potencial de altos lucros da Cannabis medicinal e recreativa. O Estado do Colorado, primeiro a legalizar o uso recreativo, só no primeiro mês arrecadou cerca de 14 milhões de dólares. O valor é tão grande que talvez parte do dinheiro seja devolvida à população!

Lojas de sementes, solo, adubos e todo equipamento para o cultivo doméstico também indicam uma nova fonte de lucros. Não à toa que Luciano Huck produziu e financiou o documentário Quebrando o Tabu, com as presenças de Fernando Henrique Cardoso e Jimmy Carter, notórios apoiadores dessa mudança de tática de setores burgueses.

Essas mudanças são a conclusão final de que a Guerra às Drogas fomentada no mundo todo pelos Estados Unidos durante o século XX foi um fracasso monumental. Bilhões de dólares investidos na repressão jamais chegaram perto de eliminar as drogas da sociedade. O que, de fato, é uma ideia absurda: as drogas estiveram presentes em praticamente todas as civilizações com usos sagrados, medicinais, alimentares e recreativos. A Lei Seca que tentou erradicar o álcool dos EUA nos anos 1930 nada mais fez do que anabolizar as máfias e seu consequente rastro de corrupção e violência. O desastre da Lei Seca foi tamanho que durou apenas 13 anos.

Mesmo assim, visando marginalizar, perseguir e oprimir setores específicos da população (os mexicanos em especial) o governo norte-americano lançou mão da mesma tática falida contra a Cannabis. Inclusive o nome Marijuana surge nesse processo, a fim de associá-la aos vizinhos do Sul. O processo foi semelhante na Europa onde os árabes eram o alvo e no Brasil, os negros. Mecanismo conhecido como criminalização da pobreza.

Atualmente, a guerra às drogas é a principal responsável pela existência do tráfico ilegal e a manutenção dessa abordagem interessa apenas à polícia corrupta que lucra com isso e aos grandes traficantes, aqueles que jamais pisaram numa favela para vender no varejo. É preciso acabar com a hipocrisia que torna um helicóptero com 450 kg de cocaínaalgo menor do que os jovens negros mortos diariamente pela PM no “combate ao tráfico”!

A “Lei de Drogas” (11.343 de 2006) foi um avanço na questão ao não mais considerar crime o porte de uma pequena quantidade, que caracterize o uso pessoal. Porém,abriu uma enorme brecha interpretativa, quando não oferece parâmetro objetivo na diferenciação entre usuários e traficantes, escancarando a finalidade de controle social dessa abordagem. A lei deixa ao agente policial ou delegado o poder de decidir, diante das circunstâncias da abordagem.

Conclusão: se for negro e pobre, mesmo que com um pouco de drogas e trocados no bolso, as chances de ser preso ou morto é muito grande. Se for branco em um bairro nobre, mesmo que com maior quantidade de drogas, deverá sofrer sanções bem mais brandas ou resolve-se pela corrupção pura e simples. Desta forma, se concretiza o caráter racista e de classe desta lei.

O movimento antiproibicionista brasileiro, que cresceu e se fortaleceu muito nos últimos anos, ao abordar o consumo de drogas como problema de saúde e não de polícia, se alinha com os de outros países que melhor abordam a questão. Portugal há mais de dez anos descriminalizou o uso e oferece sério apoio a quem precisa se tratar: viu índices de violência e uso diminuir consideravelmente. O Uruguai radicalizou: seu projeto é mais avançado até mesmo que a sempre liberal Holanda. Estão previstas plantações de Cannabis com rígido controle de qualidade em terrenos das Forças Armadas! Além disso, foram regulamentados clubes de cultivo que permitirão total independência do tráfico ilegal aos seus membros.

É por isso que esse dia 19 de agosto tem tudo para ser um dia histórico. Um marco na luta antiproibicionista brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar um Recurso Extraordinário (RE 635659) da Defensoria Pública de São Paulo, com repercussão geral, a um processo que condenou uma pessoa a prestar serviços à comunidade por portar apenas três gramas de maconha, obviamente, para consumo próprio. Se aprovado, será um passo importante para a obtenção de decisões favoráveis aos usuários em casos como esse.

O debate da Legalização das Drogas diz respeito a todos. Especialmente à periferia e a juventude negra brasileira que sofre diariamente com a brutalidade policial. Utilizada como controle social, mantendo essa juventude acuada nas favelas ou internada nas verdadeiras masmorras do sistema prisional, a guerra às drogas é um fracasso e uma farsa. Diminuir o poder de fogo dos traficantes e o da polícia de prender arbitrariamente ou executar sumariamente é o próximo passo para um país onde os trabalhadores possam viver com um pouco mais de tranquilidade.

Deve-se abordar o tema das drogas de forma racional, sem levar em conta preconceitos, religiosos ou não, mitos construídos artificialmente pela máquina de propaganda da guerra às drogas. Considerando a efetiva impossibilidade de um mundo sem essas substâncias, o desafio é como nos relacionarmos com elas. O álcool e o tabaco são drogas legalizadas e ambas causam muitos malefícios aos indivíduos e à sociedade, porém proibí-las seria uma estupidez. O desafio é o mesmo: como reduzir os danos de forma eficiente?

Com a palavra, o STF.