Plenário do encontro
José Eduardo Braunschweiger

Não foi só o governo neoliberal de Lula ou a ofensiva imperialista que estiveram presentes nas discussões do Fórum Social Mundial. O próprio regime democrático burguês e a capitulação de grande parte da esquerda socialista mundial ao sistema também estiveram entre as preocupações dos ativistas. O debate “A Esquerda e o Conflito com a Democracia Burguesa na América Latina” promovido pelo Instituto Latino-americano de Estudos Sócio-econômicos (ILAESE) e a revista Marxismo Vivo reuniu representantes de vários países da América Latina para debater essa questão.

O debate, realizado na tarde do dia 29, reuniu cerca de quinhentas pessoas no ginásio do Camisa 10 em Porto Alegre e contou com a presença do sociólogo norte-americano James Petras, o ex-dirigente da FLMN, o salvadorenho Fidel Nieto, o ex-dirigente da guerrilha Tupamaro do Uruguai, Jorge Zabalsa e Valério Arcary, da direção nacional do PSTU.

“A democracia burguesa é um sistema político-eleitoral condicionado por um poder econômico que delimita um limite. Se ele escapar deste parâmetro, a burguesia intervém impondo a ditadura e redefine as regras do sistema antes de restabelecer o regime”, explica Petras, derrubando a idéia que democracia burguesa e ditadura são inconciliáveis. Para ele, o governo sempre está submetido ao estado, num instável equilíbrio. “Entre o enfrentamento do Estado com o governo, o Estado sempre vence”, afirma.

Neste contexto, o sistema eleitoral seria uma farsa para sustentar o regime. “Nenhuma decisão de nenhum governo é tomado com base nas eleições”, diz Petras. “Quem elegeu os dirigentes do Banco Mundial, do FMI, do CityBank?”, questiona. Para ele, a transição dos regimes militares para a democracia liberal não representou nenhuma mudança concreta para os trabalhadores: “nunca nos últimos vinte anos houve tantas eleições na América Latina, e a fome e o desemprego só aumentam”.

Um ex-operário no poder serviria para mudar essa situação? De acordo com Petras, “para o Imperialismo, não importa quem o presidente foi, importa sua prática atual. O governo Lula hoje é neoliberal em sua prática, teoria e política”.

Passando para o outro lado

Os três outros debatedores, a despeito das diferentes origens e nacionalidades, dividiam uma mesma experiência: atuavam em organizações de esquerda que capitularam ao regime burguês. Fidel Nieto, atual dirigente da Tendência Revolucionária, relatou sua experiência na Frente Nacional de Libertação Faribundo Martin na guerrilha de El Salvador. “É um pequeno país que teve um movimento revolucionário que durou 12 anos. Enfrentamos um exército de 120 mil pessoas. Porém hoje, a FLMN é apenas um partido para enfeitar a democracia burguesa”, explica Fidel.

Nieto relata que, em 1989, a guerrilha salvadorenha chegou a cercar a capital para tomar o poder. No entanto, em meio a um recuo tático, vários acontecimentos mundiais fizeram a direção da guerrilha revisar seu programa. A queda do stalinismo no Leste Europeu e a derrota eleitoral da guerrilha Sandinista na Nicarágua fizeram a maioria da direção do FLMN abandonar a luta pelo socialismo. Essa decisão deu origem a um acordo de paz com o governo e à capitulação definitiva da guerrilha ao regime. Hoje, o FLMN é o maior partido de El Salvador, governando as principais cidades do país, incluindo a capital.

Experiência similar viveu o uruguaio Jorge Zabalsa, ex-dirigente dos Tupamaro. Zabalsa, que esteve preso por 12 anos, explica que a organização teve um grande crescimento nos movimentos de massa entre os anos 85 e 94. No entanto, a pressão cada vez mais forte da democracia burguesa fez o partido abandonar os trabalhadores para se dedicar exclusivamente ao calendário eleitoral. “Deixamos de ter relação com os trabalhadores e passamos a nos relacionar somente com os dirigentes burgueses dos partidos reformistas”, relata.

Mesmo o Brasil nunca tendo um forte movimento guerrilheiro, não ficou imune às pressões do eleitoralismo. Valério Arcary, que viveu a experiência da capitulação do PT ao regime, argumenta que “nem mesmo os bolcheviques ficaram imunes às tais pressões”. Para ele, uma das formas dos revolucionários sobreviverem a esse processo é “estreitando suas relações com os trabalhadores não respeitando os limites da legalidade burguesa para levar a classe à vitória”. Outra medida para superar essa pressão é o estudo das experiências da esquerda revolucionária em todo o mundo, a defesa do marxismo e o internacionalismo proletário.

A mesma experiência compartilhada pelos três dirigentes revolucionários presentes no debate não se limita à capitalução de suas antigas organizações. Compartilham também o fato de terem rompido com essas organizações para seguirem na luta pelo socialismo.

  • Conheça os debatedores de: “A esquerda e o conflito com a democracia burguesa na América Latina”