Da esquerda para a direita: José Arbex, Salem Nasser e Waldo Mermelstein
Diego Cruz

As imagens dos corpos de mulheres e crianças estraçalhados no chão chocam. Estamos falando do Líbano, mas não do ataque perpetrado por Israel em 2006. A terra é a mesma, tal como o agressor, mas 24 anos separam o genocídio dos campos de refugiados de Sabra e Chatila do recente massacre ocorrido no país berço da civilização ocidental.

Foi para relembrar o ato bárbaro comandado pelo exército sionista, traçando um paralelo com a situação atual do Oriente Médio, que o Comitê de Solidariedade aos Povos Árabes de São Paulo promoveu, junto com a Livraria Arsenal, o debate “A questão árabe e a política imperialista para o Oriente Médio”, no dia 21 de setembro na Câmara Municipal da capital. O debate também teve os apoios das editoras Xamã e José Luís e Rosa Sandermann.

O evento contou com a participação de Waldo Mermelstein, militante socialista de origem judaica, tradutor e um dos fundadores da Liga Operária no Brasil; do professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas, Salem Nasser e do editor da revista Caros Amigos e professor da PUC, José Arbex Jr. O debate reuniu também ativistas árabes e diversos militantes de movimentos sociais, num clima descontraído, apesar da seriedade e importância do tema.

“Faz parte da resistência manter a memória”, afirmou Waldo que, apesar de ter vivido em Israel e trabalhado num Kibutz durante a juventude, hoje é expressão de que os crimes do Estado judeu não contam com a conivência de toda a comunidade judaica. No momento em que milhares de libaneses comemoram em seu país a expulsão das tropas sionistas, Waldo assegura que a derrota parcial de Israel provocará profunda repercussão em todo o Oriente Médio. “Pela primeira vez em sua história, Israel não conseguiu atingir seus objetivos, pois encontrou uma aguerrida resistência”, afirmou.

Mermelstein lembrou ainda que o massacre de Sabra e Chatila teve sua origem na expulsão dos palestinos de sua terra. “Apareceram documentos que comprovam hoje que Israel preparou cuidadosamente um plano de limpeza étnica”, atesta. Tal plano seria seguido até hoje, não só com os ataques militares, mas também com a construção do muro separando Israel dos territórios palestinos. Para Waldo, a verdadeira paz só existirá se for atacada a raiz do problema. “Não há solução se a injustiça de 48 não for resolvida”, afirmou, defendendo que “a única estratégia para solucionar esta questão é através de um Estado laico, com a garantia do direito de retorno para os refugiados palestinos, inclusive com compensação”.

Já o professor Salem Nasser focou sua análise na complexa política interna do Líbano e no papel cumprido pelo Hizbolah na resistência contra a ocupação israelense. “O Hizbolah tornou a ocupação tão custosa que forçou Israel a deixar o país”, afirmou. Salem citou ainda a pressão exercida no Líbano para que o grupo se desarmasse após a saída de Israel, em 2001. “Mas se pensarmos bem, se o Hizbolah tivesse se desarmado naquele momento, não haveria como o Líbano se defender desses ataques israelenses”, argumenta. O professor lembrou ainda a evolução experimentada pelo grupo libanês nos últimos anos. “O Hizbolah melhorou seu discurso e evoluiu até militarmente, abandonando os ataques suicidas após perceber que eles pegavam mal na comunidade internacional”, afirmou.

O jornalista José Arbex, autor de vários livros como “Terror e Esperança na Palestina”, concentrou sua análise na crise vivida pelo imperialismo. “O que estamos assistindo agora é a crise da estratégia do terror do governo Bush”, afirmou Arbex, citando a falta de confiança da população norte-americana e da imprensa com relação ao governo. “Esse discurso não produz mais coalizão”, assegurou. Israel, para o jornalista, repetiria o mesmo discurso utilizado pelo império americano para atacar as populações árabes do Oriente Médio.

José Arbex argumentou ainda que a política militarista e colonizadora dos EUA teria sido desencadeada após o relatório do vice-presidente Dick Cheney ter atestado o iminente fim das chamadas “reservas estratégicas” de petróleo (quantidade de petróleo que os EUA teriam caso, não importassem o produto de nenhum país). Tal política teria o respaldo da mídia, tanto no coração do império quanto em Teerã, difundindo o alarmismo. “Lembram como foi o 18 de maio em São Paulo, quando a imprensa causou uma comoção com a história do PCC? Parecia que a cidade estava cercada por exércitos do crime organizado. Agora, tentem imaginar um 18 de maio diário, que é o que ocorre nos EUA e em Israel”, alertou.

Para Arbex, a agonia do imperialismo arrasta toda a humanidade para uma crise sem precedente. Para se opor a isso, o jornalista reafirmou a necessidade da formação de uma coalizão com todos que se oponham ao imperialismo.

O debate não ficou restrito aos palestrantes e contou com intensa participação do público. Numa delas, Dirceu Travesso, da direção nacional do PSTU e integrante do Comitê de Solidariedade, lembrou de quando estava nos EUA poucos dias após o 11 de setembro. “Estava em Manhattan e uma dominicana que estava sentada do meu lado disse: ‘Dirceu, vamos trazer o 1º de maio de volta para a Manhattan. Era o auge do movimento dos imigrantes”, lembrou, num período de xenofobia sem precedentes. “Temos que ter essa mesma coragem para impulsionar uma luta anti-imperialista em todo o mundo, e isso é possível se articularmos cada comitê, cada movimento, nessa luta”, defendeu.

Entenda: Massacre causou o repúdio de todo o mundo a Israel
Com a expulsão dos palestinos de sua terra, milhares se refugiaram no Líbano em busca de abrigo. Em 1982, Israel invadiu o país em busca da OLP (Organização pela Libertação da Palestina) então presidida por Iasser Arafat, organização palestina que resistia à ocupação sionista. Por trás da invasão, estava o plano de Israel de colocar no poder do Líbano um grupo fascista cristão, aliado incondicional dos sionistas. O que seria uma rápida incursão militar transformou-se logo numa ocupação e Israel tomou a capital Beirute.

Através de um acordo mediado pelos EUA, a OLP aceita deixar o Líbano se exilando na Síria e Tunísia. Em agosto, a organização deixa o país, deixando para trás milhares de refugiados palestinos civis. Os palestinos haviam recebido garantias de Israel e do próprio governo americano de que os civis não seriam atacados. No entanto, na madrugada de 16 de setembro, a Falange, milícia libanesa cristã aliada de Israel, sob o comando direto do então Ministro da Defesa judeu, Ariel Sharon, invadiu os campos de refugiados de Sabra e Chatila, no subúrbio de Beirute, protagonizando um verdadeiro genocídio. Cerca de 3.500 mulheres, crianças e idosos foram cruelmente mortos com tiros e facadas.

O crime gerou uma verdadeira comoção mundial e provocou um forte movimento de resistência em Israel. Um inquérito instalado por Israel comprovou a responsabilidade de Sharon no massacre, mas o assassino, que vegeta hoje numa cama de hospital, nunca enfrentou julgamento.