Divisão interna do PSOL e programa democrático-popular inviabilizam acordo em torno das eleiçõesExiste um debate hoje sobre a razão pela qual não haverá uma frente eleitoral entre o PSOL, PSTU e PCB como ocorreu em 2006. Algumas declarações de dirigentes do PSOL sobre o tema demonstram pouquíssima disposição de encarar a crise desse partido e suas responsabilidades pela não-existência da frente.

Existe ou não a divisão do PSOL?
O PSTU vem propondo uma frente socialista e classista desde o ano passado. Defendemos uma frente sem nenhum acordo com partidos burgueses ou financiamento de empresas privadas. Essa frente deveria também ter um programa socialista, uma alternativa dos trabalhadores aos dois campos burgueses de Dilma e Serra.
O PSOL não havia respondido até esse momento. Ao contrário, tentou um acordo com Marina Silva que só fracassou porque o PV fechou um acordo com o PSDB e o DEM no Rio de Janeiro. Depois desse fiasco, se envolveram nessa luta fratricida que dividiu o partido. Um acordo de última hora entre as duas partes permite que não exista questionamento jurídico ao candidato Plínio de Arruda Sampaio, que foi definido só por uma de suas alas.

Mas a crise continua: o setor encabeçado pela presidenta do partido, Heloísa Helena, segue atacando a candidatura de Plínio e não manifesta qualquer disposição de se engajar em sua campanha. Apesar dessa divisão ser pública, porém, muitos dirigentes ainda buscam escondê-la.

Esse é o conteúdo do texto “A importância da Frente de Esquerda em 2010: um chamado às(aos) camaradas do PCB e do PSTU”, divulgado por Marcelo Badaró, em que ele contesta de forma raivosa o que falamos sobre a crise do PSOL afirmando: “De fato o PSOL não tem ‘dois lados’ na disputa presidencial, pois todo o partido referendou publicamente a candidatura de Plínio”.

No mesmo sentido, vai a nota de Luciana Genro “Companheiros do PSTU, façamos o debate programático”, em que afirma que nossa avaliação que o PSOL vai se comportar como dois partidos nas eleições “é absolutamente falsa.” Na verdade, se trata de uma postura pouco séria de negar a crise para justificar uma pressão sobre o PSTU e PCB para apoiar o candidato do PSOL. No entanto, essas avaliações se chocam com os fatos.

A Folha de S.Paulo publicou uma reportagem bem ilustrativa dessa situação em 18 abril. Na matéria, Martiniano Cavalcante declarou o seguinte sobre a conferência que indicou Plínio: “Houve um acordo espúrio e oportunista. (…) A luta está aberta. Se for preciso, vamos à Justiça para afastar os burocratas que se apossaram do nosso partido”. Mais adiante, diz acreditar que Heloísa Helena boicotará a candidatura de Plínio, e acrescenta: “Heloísa não é cínica nem dissimulada. Não costuma manifestar afeto por quem a trata como inimiga”.

Heloísa Helena foi uma das grandes defensoras do apoio desse partido a Marina Silva (PV) nas eleições. Segundo a Folha, “Na noite de sexta, enviou torpedo de celular dizendo não haver ‘força humana nem ameaça partidária’ que a obrigue a falar mal de Marina”. Ou seja, ela vai continuar defendendo Marina e boicotando Plínio.
Ao que parece, Badaró deveria dirigir um chamado primeiro aos companheiros do PSOL para apoiar a candidatura do próprio PSOL.

A ausência de um acordo programático
Não é por acaso que até agora nenhum destes textos do PSOL encarou com seriedade as discussões sobre programa. Agora, tentam substituir essa discussão pela valorização da figura política de Plínio de Arruda Sampaio. Como se trata de um nome da ala esquerda do PSOL, bastaria indicá-lo candidato para assegurar um programa de esquerda.
Isso é equivocado. Respeitamos a figura de Plínio por toda sua trajetória, mas ele já declarou que vai defender o programa do partido, e não o seu. E o programa da APS, corrente majoritária no bloco de Plínio, é reformista, democrático-popular, oposto ao programa socialista que defendemos.

Duas linhas opostas de programa se apresentam entre os setores de oposição à esquerda do governo Lula: uma chamada democrático-popular e outra socialista. Trata-se de duas compreensões opostas dos acontecimentos e das tarefas.

A democrático-popular parte de uma visão originada da socialdemocracia, depois transformada pelo stalinismo numa estratégia de revolução por etapas. Não estaria colocada em perspectiva uma revolução socialista, mas uma etapa democrático-popular em que, junto com setores progressivos da burguesia, se poderia avançar em reformas democráticas no capitalismo. Para isso, seria necessário formar as frentes populares, ou seja, a colaboração de classes entre o movimento operário e setores progressistas da burguesia.

Aposta-se então num programa essencialmente de palavras-de-ordem mínimas ou democráticas para desenvolver reformas no capitalismo. A isso se acrescentam declarações propagandísticas pelo socialismo sem nenhuma relação com o programa real, pois a tarefa da revolução socialista não estaria colocada na realidade.
Um programa socialista deve se apoiar no Programa de Transição, que se contrapõe à separação estalinista e social-democrata do programa mínimo e programa máximo. Parte-se da ideia de que a mobilização por questões mínimas, que estão no nível de consciência das massas, possa e deve levar ao enfrentamento com o governo, o regime e o Estado burgueses. Devem estar associadas, no curso da mobilização, a outras palavras-de-ordem transitórias que se choquem com a dominação capitalista, para levar à conclusão da necessidade do poder para os trabalhadores.

Por exemplo, a luta por salários pode levar ao questionamento do plano econômico neoliberal e do governo e à necessidade da ruptura com o imperialismo. Ou a luta democrática contra a corrupção deve levar à necessidade de expropriar os bancos corruptores.

A história do movimento operário brasileiro já inclui uma experiência trágica com o programa democrático-popular: o PT. Ele foi o programa desse partido em toda sua fase de crescimento e adaptação ao regime democrático-burguês.

O PT só abandonou o programa democrático-popular na véspera das eleições de 2002, com a “Carta aos brasileiros”, um compromisso com as metas do FMI para tranquilizar a burguesia. Foi quando assumiu de vez o programa neoliberal.

A APS, a corrente majoritária da direção do PSOL, assume com clareza a defesa do programa democrático-popular. Diz em sua tese para a conferência do PSOL:
“Em nosso entender, foi exatamente o abandono do programa Democrático e Popular (PDP) por parte de Lula e do PT que os levou a abandonar a estratégia numa perspectiva socialista e a rebaixar o projeto político geral.

Lula e o PT abandonaram o projeto de transformação da sociedade, e descartaram a perspectiva socialista e em troca focaram na conquista do aparelho de Estado e na gerência do Estado burguês, sendo que o Programa Democrático e Popular foi para a ‘lata do lixo’.

Ora, isto não invalida a proposta justa e correta de o PSOL manter como sua formulação a aplicação do Programa Democrático Popular que é decorrência do debate sobre a formação social brasileira e a correlação de forças atual” (Tese APS, p. 7).
Ou seja, a APS reivindica o PT do programa democrático-popular (em seu programa e em suas alianças), logo antes de assumir o poder federal. Reivindica o PT que já estava na gestão de estados e municípios, completamente integrado ao Estado burguês e aliado a todo tipo de partido burguês. Esse é o caminho reivindicado pela APS.
O MES-MTL-Heloísa Helena, a corrente que sustentou Martiniano Cavalcante, defende também um programa reformista, em geral mais à direita que a APS. Não é por acaso que tanto o MES-MTL quanto a maioria da direção da APS concordaram com a tentativa de aliança com Marina. Além disso, o MES se aliou ao PV em Porto Alegre, e a APS promove a aliança com o PSB da família Capiberibe no Amapá.

A opção entre um programa socialista ou democrático-popular não se resolve com jeitinhos do tipo “apresentamos as propostas dos socialistas” ou ainda “juntemos o programa democrático-popular com o socialista”. É preciso definir com clareza quais são as propostas programáticas socialistas para as eleições e optar por um desses caminhos.

Nossa crítica a esse tipo de postura se comprova no programa definido pela conferência eleitoral do PSOL para a candidatura de Plínio. Está à disposição de todos no site desse partido. Trata-se de um programa que une somente reivindicações mínimas e democráticas. Não por acaso, não defende sequer a estatização do sistema financeiro, tampouco a expropriação das grandes empresas multinacionais que controlam o Brasil, ou do agronegócio.

O programa votado como base para a campanha de Plínio seria um retrocesso até mesmo em relação ao programa da Frente de Esquerda de 2006, por não propor sequer uma ruptura com o imperialismo.

Naquele momento, o manifesto da Frente de Esquerda dizia: “A proposta de um novo projeto alternativo econômico e social exige mudanças estruturais que o capitalismo brasileiro nunca realizou e, nos marcos da globalização neoliberal, estão mais distantes do que nunca porque não poderão ser realizadas sem uma ruptura com a dominação imperialista”.

A responsabilidade do PSOL pela impossibilidade da frente
Não vai existir, infelizmente, uma nova frente eleitoral de esquerda nestas eleições. É preciso que se diga que o PSOL tem uma responsabilidade central nisso.
A frente de 2006 foi uma vitória, apesar de seus problemas. Permitiu apresentar uma alternativa da oposição de esquerda contra a falsa polarização entre Lula e Geraldo Alckmin. Mas, já naquele momento, o PSOL teve atitudes que deixaram graves cicatrizes.

Primeiro impôs, com arrogância, não só a candidatura à Presidência como também à vice, com Cesar Benjamin. Em segundo lugar, Heloísa Helena não pautou sua campanha pelo programa acertado em comum, mas por um discurso rebaixado, centrado na redução da taxa de juros.

Em 2008, se concretizou a frente eleitoral em várias capitais, mas não em todas. Ocorreram novas crises e poucas vitórias. O PSOL compôs frentes eleitorais com partidos burgueses, tanto em Porto Alegre (PV) quanto no Amapá (PSB), o que inviabilizou as frentes em vários locais do país. Além disso, aceitou dinheiro da siderúrgica Gerdau em Porto Alegre.

Para as eleições de 2010, o PSOL começou por aceitar a renúncia de Heloísa Helena à candidatura à Presidência para disputar o Senado.

Isso ocorreu mesmo contra a vontade da militância do próprio PSOL, e só foi possível porque nesse partido os parlamentares fazem o que querem.

No final do ano passado, o PSOL se meteu na tentativa de acordo com o PV, um desastre monumental, que distanciou ainda mais nossos partidos. E, nos últimos meses, se meteu na crise que o partiu ao meio.

Agora, para tentar sair de sua situação atual, trazem esse chamado à Frente de Esquerda que significa o seguinte: venham apoiar o candidato a presidente do PSOL. Ou seja, querem que PSTU e PCB apoiem uma candidatura que nem o PSOL inteiro, a começar por sua presidente, vai apoiar.

Essa é uma compreensão equivocada, que lida com o PSTU e o PCB como se fôssemos sublegendas do PSOL, que deveríamos aguardar e aceitar suas definições. Não compreenderam ainda as lições da Frente de Esquerda de 2006. Não entenderam nem os reflexos da própria crise do PSOL. Em suma, o PSOL agora se comporta com a mesma arrogância de 2006 sem ter o peso de 2006.

Mas, infelizmente, em 2010, não haverá uma nova frente, e a responsabilidade é do PSOL. O PSTU vai lançar a candidatura classista e socialista de Zé Maria à Presidência da República.

Para nós, evidentemente, o centro do enfrentamento será com a falsa polarização entre Dilma e Serra, e não na polêmica com o PSOL.

Vamos buscar construir a candidatura de Zé Maria de forma mais ampla que o próprio PSTU.

Vamos debater o programa num grande seminário programático, aberto a todos os ativistas e grupos de esquerda que estejam de acordo com essa formulação.
Chamamos todos os que queiram construir essa candidatura a se juntar a nós nesse desafio.

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