Só se fala da operação pirotécnica da polícia federal na butique Daslu. Seria uma contra-ofensiva do governo Lula às elites? Mas, como confessou o senador petista Delcídio Amaral, “nós somos a elite”Foi com comoção que os políticos do Congresso receberam a notícia da prisão da empresária Eliana Tranchesi, dona da loja de muambas de luxo Daslu, no madrugada do dia 13 de julho. A operação, apelidada pela cada vez mais criativa Polícia Federal de “Operação Narciso”, contou com a participação do Ministério Público e da Receita Federal. Além da empresária, foram ainda detidos seu irmão e um executivo da butique.

Um luxo de operação

A investigação do Ministério Público dá conta de um grande e complexo esquema de sonegação fiscal operado pela Daslu. A loja utilizaria importadoras laranjas e documentos falsificados para driblar o fisco e deixar de pagar impostos. Para isso, a importadora fantasma venderia para a butique os artigos com um preço bem abaixo do mercado. Vestidos vendidos pela loja por R$ 5.000,00 tinham valor declarado de apenas US$ 10. Caixas de documentos apreendidos pela polícia tinham inscrita a ordem: “queimar”.

A Daslu experimentou um rápido crescimento no começo dos anos 90, justamente quando Collor abriu a economia brasileira às importações. Conhecido como o centro da tucanagem paulista, a loja inaugurou um mega-complexo de luxo na capital do estado, com cerca de 20 mil metros quadrados. A inauguração da nova loja contou com a presença ilustre do governador Geraldo Alckmin, cuja filha é “dasluzete” e o prefeito José Serra. A nova Daslu ficou então conhecida como o símbolo de ostentação da decadente burguesia nacional e da desigualdade social no país.

Sonegar é preciso?

Mercadorias importadas que não pagam impostos ao entrar no país têm um nome: muamba. A diferença das muambas vendidas na Daslu e as comercializadas pelos camelôs nas ruas de São Paulo é que as “dasluzetes”, como são chamadas as vendedoras da loja, não são perseguidas e espancadas pela polícia. Pelo contrário, servem à mais “fina” elite do país. Daí a indignação dos políticos em Brasília ao tomarem conhecimento da detenção da proprietária da Daslu.

O senador e presidente do PFL, Jorge Bonhrausen, reagiu com extrema indignação. O “coronel” e também cliente Antônio Carlos Magalhães foi mais longe e chegou a chorar ao falar por telefone com a contraventora presa. Diversos telejornais chegaram a criticar no ar o que chamaram de “abuso” da polícia federal. A OAB e o presidente da Fiesp, o petista Paulo Skaf, também criticaram a ação da polícia, como se o crime fosse prender os bandidos, e não propriamente praticar o crime.

Essa tremenda intranqüilidade da mídia, políticos e empresários encontra explicação na seguinte fala do presidente do PSDB, o senador Alberto Goldman: “Essa prisão pode gerar uma crise econômica. O empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?”. Ou seja, empresário sonegar imposto é a regra. Impedir isso levaria, segundo essa lógica, o país a uma crise econômica. Esse escândalo explicitou de forma ainda mais aguda a institucionalização da corrupção não só entre os políticos, mas entre a burguesia brasileira.

Paradoxo Daslu

A impressão que ficou em boa parte da população dessa operação cinematográfica da polícia federal, é que se trata de um estratagema para desviar o foco da corrupção do governo Lula. Evidências não faltam para isso. Justo num momento em que o governo e o PT se vêem em sua maior crise política, a polícia federal desata a prender todo o mundo e a encontrar malas de dinheiro em aeroportos. O governo, desta forma, tenta passar a falsa imagem de imparcialidade com a corrupção. Ao mesmo tempo, ao atingir o ícone da burguesia paulistana, tenta reconquistar a simpatia da maioria da opinião pública.

No entanto, o próprio Ministério Público anunciou que há anos investiga as operações da Daslu, o que se depreende que essa ação da polícia federal já poderia ter se dado há muito tempo. Por algum motivo, não foi. Assim como o PT ameaça investigar a corrupção nas privatizações de FHC e na compra de votos para a aprovação da reeleição, caso a oposição avance na CPI, fica cada vez mais claro que o governo tem conhecimento de todas as falcatruas da elite, tanto política quanto empresarial, quando não participa diretamente delas, é claro.

Marta também compra na Daslu

De maneira totalmente hipócrita, o governo que tenta se passar como paladino dos pobres e da moralidade mantém as mais altas taxas de juros, fazendo com que os banqueiros tenham lucros recordes. É o mesmo governo que se alia a Delfim Neto, ministro da ditadura, para impor um arrocho ainda mais brutal nas contas públicas para aumentar o superávit primário. E, finalmente, é o governo que se afunda cada vez mais num mar de lama da corrupção, comprando deputados para aprovar as reformas neoliberais que seu antecessor FHC não foi capaz de promover.

Como afirmou o articulista Jânio de Freitas, na Folha de S. Paulo desta quinta-feira, dia 14 de julho, “a Daslu tem tanto a ver com o novo-riquismo da tucanagem como tem com a obra banqueira, os juros e a anti-justiça social do Lula lá. Se, de repente, se vêem sob o mesmo destino, aí está uma solidariedade de classe admirável. Faz sentido a tese da tão falada fusão PT-PSDB. A ser selada com uma festa na Daslu. Sem preocupação com a autenticidade da nota fiscal”.