Uma mulher bissexual resolve assumir seu relacionamento lésbico de quatro meses. Através das redes sociais, ela posta uma foto com sua companheira e faz críticas ao pastor homofóbico Marco Feliciano. Uma saída do armário política que poderia passar batida, se essa moça não fosse Daniela Mercury, uma das cantoras mais famosas do Brasil.

A repercussão foi imensa. O casamento de Daniela Mercury com a jornalista Malu Verçosa foi amplamente noticiado em toda a imprensa e mídia televisiva, estampou a capa das duas principais revistas do país na semana passada e ganhou destaque no programa Fantástico da TV Globo.

Na entrevista para o Fantástico, Daniela destaca a importância de sua atitude frente a um momento em que acontecem mobilizações para a saída de Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Mesmo sem ser essa a intenção central, a postura de Daniela Mercury animou a luta contra Feliciano e contra a homofobia.

Poucos dias antes, outra cantora ganhou repercussão pelo motivo contrário: em entrevista à revista Época, Joelma, vocalista da banda Calypso, afirmou que se tivesse um filho gay “lutaria até a morte para fazer a sua conversão”, e como se não bastasse, ainda disse: “Já vi muitos [gays] se regenerarem. Conheço mães que sofrem pelos filhos gays. É como um drogado tentando se recuperar”.

Joelma e Daniela Mercury, dois lados de uma polarização crescente
“Menos Joelma, mais Daniela!”. A frase rapidamente se tornou viral nas redes sociais. Marina Lima, Chico Buarque, Ivete Sangalo, Valesca Popozuda, Adriane Galisteu, Marcelo Tas, Alinne Rosa (vocalista da banda Cheiro de Amor) e Alexandre Herchcovitch, dentre outros famosos declararam apoio à atitude de Daniela. Ângela Ro Ro, em entrevista recente ao jornal online Extra, fez uma saudação à postura de Daniela Mercury e afirmou que já foi espancada por ser lésbica, algo que muitas lésbicas e muitos gays já sentiram na pele. “Foi um depoimento corajoso. Que isso ajude a reverter a agressão contra homossexuais”.

Já as declarações de Joelma tiveram uma repercussão tão negativa que a produção de seu filme biográfico foi suspensa porque os patrocinadores não quiseram ter seus produtos associados a uma pessoa preconceituosa. Também sobre o caso de Joelma, houve várias declarações de famosos. Mas, diferente de Daniela Mercury, a única declaração de apoio de um famoso foi a de Chimbinha, que é marido da cantora e integrante da banda Calypso.

Joelma e Daniela Mercury estão em dois lados opostos de uma luta que vem crescendo. A luta contra a homofobia ganhou visibilidade e começou nos últimos anos a incomodar os setores mais reacionários da sociedade. Já havia um tensionamento provocado por figuras como Anthony Garotinho, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro e Marcelo Crivella. Marco Feliciano acabou sendo a gota d’água para uma reação explosiva contra ele e contra a homofobia.
Se Joelma está sendo achincalhada por sua postura, é porque ela está do lado oposto da trincheira: está do lado de Feliciano, Malafaia e todos os homofóbicos. Na luta contra a homofobia, Joelma está do lado daqueles que expulsam seus filhos e filhas de casa por serem LGBTs, está do lado daqueles que agridem e assassinam gays, lébicas e travestis todos os dias, está do lado daqueles que não querem um Estado Laico.

A importância da manifestação de artistas
É esperado que políticos se posicionem sobre questões que envolvem a vida política do país. É uma vergonha que a presidente Dilma tenha permanecido em silêncio sobre Feliciano até agora. Enquanto Dilma fica nesse silêncio cúmplice (a maioria dos homofóbicos do Congresso é aliada do governo), até mesmo a Xuxa se manifestou contrária a Feliciano, e depois dela veio uma enxurrada de artistas e pessoas públicas que se manifestaram, seja nas redes sociais, seja por participação nos atos de rua em São Paulo e no Rio de Janeiro. Diversos artistas mandaram “beijos para Feliciano”: publicaram fotos de beijos ou beijaram publicamente outros artistas (do mesmo sexo ou não) em manifestação aberta contra Feliciano.

Daniela Mercury se mostrou bastante consciente do papel que sua saída do armário cumpre na luta contra a homofobia no Brasil: “fiquei muito feliz de acontecer essa minha necessidade pessoal num momento em que era necessário para o Brasil”.

É muito importante que os artistas tenham a consciência de Daniela. A exposição midiática expõe todos os detalhes da vida pessoal das celebridades. Através da mídia sensacionalista, é possível saber todas as trivialidades: sabemos o que essas pessoas comeram no almoço, aonde fazem compras, se têm celulite ou não, o que gostam de fazer no fim de semana e por aí vai. Mas, normalmente, não sabemos pelos meios de comunicação, por exemplo, o que essas pessoas acham do Acordo Coletivo Especial ou da nova reforma da previdência, dos altos índices de inflação ou da violência contra a mulher, do racismo ou da homofobia.

Os artistas podem, e devem, aproveitar toda essa exposição midiática para se posicionar, como fez Daniela Mercury e tantas outras celebridades no caso Feliciano. Quando os artistas se manifestam, essa atitude dá grande visibilidade e fortalece o movimento.

Um exemplo recente é a luta dos moradores do Pinheirinho, que contou com o apoio de diversos artistas, como Emicida, Criolo e Lurdes da Luz. A desocupação foi denunciada ainda pelos cineastas Juliana Rojas e Marcos Dutra (diretores do filme “Trabalhar Cansa”, de 2011), que leram, na presença do governador Geraldo Alckmin, em um prêmio promovido pela secretaria estadual de cultura, o manifesto dos trabalhadores da cultura contra a ação criminosa do governo de SP no Pinheirinho.

Chamamos todos os artistas LGBTs a seguirem o exemplo de Daniela Mercury e saírem do armário. Isso não só ajudará a derrubar Feliciano, como dará visibilidade aos LGBTs e ajudará muito no combate à homofobia.