Brasilia DF 02 09 2019 O presidente Jair Bolsonaro fala à imprensa na saída Palácio da Alvorada foto Antonio Cruz /Agencia Brasil
José Eduardo Braunschweiger, do Rio de Janeiro (RJ)

José Eduardo Braunschweiger, do Rio de Janeiro (RJ)

A declaração do presidente Bolsonaro de comunicar sua intenção de conceder indulto aos policiais que participaram dos massacres do Carandiru, em São Paulo, de Eldorado do Carajás, no Pará, além dos PM’s envolvidos no caso do ônibus 174, no Rio, causou nova indignação daqueles que lutam em defesa dos direitos e pela apuração e punição rigorosa dos crimes cometidos pelos militares e policiais.

Bolsonaro já não surpreende mais ninguém com seus arroubos e contradições. Assim, se no ano passado declarou ser contra o indulto a condenados, como propunha o então presidente Temer, agora manifesta disposição de indultar criminosos mesmo sem previsão legal que autorize a concessão de tal benefício a condenados por crimes hediondos ou sem trânsito em julgado como nas hipóteses acima cogitadas.

Independentemente do resultado final dessa questão, a declaração do presidente demonstra de forma explícita a utilização abusiva pelo Estado brasileiro, através dos sucessivos governos, de medidas para garantir a impunidade aos militares e policiais pelos crimes cometidos durante a ditadura militar, instalada a partir do golpe de 1964, e os governos eleitos após a redemocratização do país.

Recentemente, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que Nelson Jobim, ex-ministro do STF e ex-ministro dos governos FHC, Lula e Dilma, detalhou, em vídeo, a atuação para impedir a revisão da Lei de Anistia.  A Lei nº 6683/79 foi promulgada há 40 anos pelo último governo militar, João Figueiredo. Desde então provoca polêmica pela impunidade dos militares que participaram da repressão, tortura e morte de trabalhadores, estudantes e militantes de oposição ao regime militar.

A rejeição pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF/153), interposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na qual questionava a concessão de anistia aos militares, que durante o regime militar, praticaram atos de tortura reafirmou o caráter autoritário e leniente do Estado brasileiro. O voto do relator Ministro Eros Grau é taxativo ao afirmar que: “Nós sabíamos que seria inevitável aceitar limitações e admitir que criminosos participantes do governo ou protegidos por ele escapassem da punição que mereciam por justiça, mas considerávamos conveniente aceitar essa distorção, pelo benefício que resultaria aos perseguidos e às suas famílias (…)” (DALLARI, 2006).(g.n.).

Ora, isso foi uma utilização deturpada e abusiva do instituto da Anistia pelo estado, assim como foi querer utilizar o Indulto presidencial para beneficiar criminosos do colarinho branco, como tentou Temer no ano passado, e, agora, especula-se a concessão para policiais assassinos.

Os institutos do Direito de Defesa, da Prescrição, da Anistia e do Indulto são conquistas democráticas estabelecidas historicamente na luta contra regimes e governos absolutistas, totalitários. As revoluções do século 18, especialmente a Revolução Francesa, são um marco na limitação do poder punitivo estatal, quando então a pena de morte começou a ser proscrita.

Anistia, que deriva do grego e significa “esquecimento”, é a forma mais antiga de extinção da punibilidade. Neste caso, o Estado renuncia do poder punitivo. Já o indulto foi criado para que o poder executivo pudesse ter nas mãos uma espécie de válvula para controlar a população carcerária se o Estado-Juiz exagerasse.

Isso não tem nada a ver com a utilização que vem sendo dada no país desde a ditadura até agora e que só reforçam uma lógica, uma cultura de impunidade de militares e policiais cujas maiores vítimas são pobres, negros, jovens e mulheres devido à exploração e ao racismo estrutural em que se fundou o estado capitalista brasileiro.

A impunidade de militares e policiais representam uma ofensa à própria Constituição e seus preceitos fundamentais, tais como, o princípio da “Dignidade da Pessoa Humana” e o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição da República, que considera o crime de tortura como sendo inafiançável e insuscetível de anistia ou graça

Em verdade, fazer Justiça e honrar os perseguidos e seus familiares, ao contrário do afirmado pelo STF, passa por não anistiar, não esquecer os crimes cometidos pelos militares, lembrar sempre para não se repetir jamais. No mesmo sentido, o indulto que deve ser concedido pelo presidente deve ser para os pobres, negros e jovens encarcerados em massa, sobretudo, nos últimos anos com a política de “guerra às drogas” que elevou enormemente a população carcerária do Brasil.