A sociedade tem assistido o caos instalar-se na mais importante metrópole do país. Alagamentos dividem espaço com os gols da rodada nos noticiários de todos os dias; mortes por afogamento ou em conseqüência dos desbarrancamentos competem com as notícias da repressão aos manifestantes em Copenhage.

Anuncia-se a catástrofe ao meio dia, nos boletins climáticos dos jornais e às sete ou oito horas da noite os bombeiros procuram e contam os corpos; os assistentes sociais entregam colchões e cestas básicas em colégios desativados sugeridos como alojamento aos “culpados”.

Engraçado, o mesmo Estado que não combate a especulação imobiliária – que toma para si todas as áreas ainda próprias para moradia que restaram na cidade, mantendo-as vazias por longos anos para que se valorizem – responsabiliza, diante das câmeras de TV, os parentes e familiares ainda em luto pela morte de seus filhos e vizinhos.

Engraçado não; desgraçados. A solução que oferecem às milhares de famílias sertanejas que edificaram a riqueza deste Estado de São Paulo é o dinheiro do “frete” para que voltem “ao seu lugar de origem”. Se dependesse dos governos e dos burgueses, banqueiros e industriais paulistas os pobres voltariam ao ventre de suas mães.

Na Zona Leste da cidade, bairros inteiros seguem submersos pela água das chuvas há mais de dez dias; obra do ex-governador Mário Covas que criou a barragem da Penha (localizada no Parque Ecológico do Tietê) para alagar os pobres e “secar” as marginais. O pior é que nem isso deu certo; as marginais e os pobres estão debaixo d´água.

Na cidade de Osasco o bairro Rochdale “deu três metros de água”; o povo perdeu tudo, às vésperas do Natal; choram de desgosto, o pouco que tinham perderam nas águas. Mas o terreno que hoje aloja o Condomínio Parque dos Príncipes não alaga, ele mesmo, o terreno que foi palco de uma luta justa por moradia digna em 2002. Pois é a terra ficou para os príncipes e o povo que de lá foi despejado hoje está debaixo das águas das chuvas. Esse quadro poderia descrever a situação de toda a região metropolitana de São Paulo.

Os mais comedidos dizem que a “culpa” é das chuvas, que tem sido demasiadamente intensas. Bobagem. Não explicam eles porque tantas áreas vazias providas de farta estrutura urbana seguem vazias sem alagar ou desbarrancar. Em Itapecerica da Serra a morte de duas inocentes crianças pobres levou muitas pessoas à um velório; tristeza e indignação se misturaram mais uma vez; não será a última. Enquanto isso, o terreno de mais de um milhão de metros quadrados que foi ocupado em 2007 por famílias desta região que necessitavam de um lugar decente para viver, segue vazio. Os que foram despejados dele, igual aos de Osasco e de todas as outras cidades e regiões pobres de São Paulo perdem seus poucos móveis, que parecem não valer nada; perdem suas poucas mudas de roupa, que parecem não valer nada; perdem suas vidas, que parecem também – para os governantes – não valer nada. Já os donos do terreno valem tanto que mantêm para esta área o projeto de criar um campo de golf!

Os mais reacionários dizem que a “culpa é dos que ocupam áreas precárias”.

Absurdo! Ao convocar os batalhões de nordestinos para o trabalho fabril nas décadas de 60, 70 e 80 ninguém lhes deu outra alternativa que não a de ajeitarem-se como podiam. Absurdo de novo! Na conta original do salário mínimo um dos elementos que deveria por ele ser subsidiado era o da moradia mas os capitalistas descobriram – na criatividade e resistência de um povo que busca seus meios de sobreviver – que não precisavam pagar por isso e já há muito tempo a dúvida é comer ou pagar o aluguel.

Nós somos parte destas periferias, moradores destas áreas, sobreviventes no Capitalismo. Nós não somos dos que assistem indignados as tragédias na TV, somos os que aparecem nas telas das casas, chorando, pedindo ajuda, clamando por socorro.

Talvez sejamos culpados, não por ter ocupado os únicos espaços da cidade que deixaram para nós; talvez sejamos culpados de ainda não termos nos organizado o suficiente para virar o jogo e mudar as coisas, que só mudarão pela mão de quem precisa que elas mudem. Talvez sejamos culpados de ainda não termos reunido as forças necessárias para transformar a sociedade e construir um mundo mais justo para nós e para todos.

Mas quem pensar que a história acabou, cuide-se. Para esta culpa ainda temos motivo e tempo para a redenção. Na tragédia reencontramos a força para recomeçar, nas profundezas da injustiça social que só tem se aprofundado reencontramos a luz da solidariedade e o rumo da luta. A história está aberta e o futuro dirá quem eram os culpados de hoje e de
ontem.

No futuro os noticiários darão outra matéria, a pauta será a insurreição do povo para a construção do amanhã mais justo e mais igual.

FONTE: www.mtst.info, publicado ainda no portal da Conlutas (www.conlutas.org)