Há 49 anos, em 1º de janeiro de 1959, um grupo de rebeldes barbudos e esfarrapados tomou o poder em Cuba. Acima de tudo, eram jovens. Fidel, hoje com 81 anos, tinha 33. O mitológico guerrilheiro Che Guevara tinha 31.

A vitória deste grupo de homens que embarcou em 2 de dezembro de 1956 no iate Granma e desembarcou em Cuba é quase inacreditável. Na primeira batalha, travada em Alegre Del Pio, o “exército” de Fidel foi destroçado, em seu segundo revés militar – o primeiro foi o malogrado assalto ao quartel de Moncada.

A guerrilha era o braço militar mais importante do M-26, o Movimento 26 de Julho, data do assalto a Moncada. Logo, a guerrilha seria também a direção desse movimento e sua ala mais radical. Formada por um grupo eclético de homens e mulheres, o grande ponto que unia esse movimento era a luta contra a ditadura de Fulgêncio Batista. Para derrubar o ditador, uniram-se liberais convictos e comunistas declarados.

Os remanescentes se embrenharam num conjunto de montanhas conhecido como Sierra Maestra. A guerra revolucionária, que durou dois anos, consolidou na direção da guerrilha o objetivo da independência nacional, mas que naquele momento não passava disso. Então, por que a revolução cubana foi até a expropriação? Por que se alinhou com a União Soviética? Por que uma ala dessa revolução se dedicou a “exportar a revolução”? E finalmente, por que se burocratizou e retrocedeu até a restauração? São sobre essas questões que o presente artigo tentara lançar luz.

Uma revolução a contragolpes
Guevara certa vez descreveu a revolução cubana como uma revolução de contragolpes, segundo ele, em que pese a ausência de um programa socialista acabado, a revolução cubana reagia a cada tentativa do imperialismo ianque de intervir nos assuntos da revolução, a cada retaliação americana., com outra medida revolucionária mais radical. Nisso, de golpes e contragolpes, os cubanos foram radicalizando até chegar à expropriação da burguesia.

O objetivo inicial da revolução cubana era derrubar Fulgêncio Batista e dar certa independência a Cuba. Era fundamentalmente uma revolução anticolonial. No entanto diferentemente das demais guerras e revoluções anticolônias daquele período, a Cubana expropriou a burguesia e o imperialismo. Ao fazê-lo, esta avançou de uma revolução democrática para uma socialista.

Era possível ser de outra maneira? Era possível que a revolução cubana conseguisse a independência do país frente ao imperialismo sem expropriá-lo?

Cremos que não. A revolução argelina, que ocorreu no mesmo período que a cubana e com bastante similaridade, não expropriou nem a burguesia nem o imperialismo e por isso retrocedeu muito mais rápido. Diferentemente do imperialismo ianque, o imperialismo francês teve outra política para sua ex-colônia. Optou por fazer concessões e com isso impediu uma radicalização da FLN (a organização argelina que dirigiu a guerrilha e a guerra anticolonial.).

O programa da revolução cubana: reforma agrária e independência nacional
É interessante notar que a revolução cubana foi dirigida por uma organização político-militar, o M-26, que em sua essência nunca defendeu a construção de uma sociedade socialista, nem tinha na classe trabalhadora seu principal baluarte, era uma organização enraizada no movimento estudantil e nas classes médias e era sobre a questão das liberdades democráticas que girava seu programa no início. A guerrilha nasce com o objetivo central de restaurar a democracia em Cuba.

Quando o M-26 vai para a guerrilha rural, é um setor do campesinato e de semi-proletários rurais que constituirão o grosso de seu exercito guerrilheiro, já os quadros seguirão sendo oriundo da pequena-burguesia cubana.

Vale a pena ver a opinião de Trotsky sobre o papel catalisador do exército sobre o campesinato. “A peculiaridade do campesinato é sua dificuldade de formar uma base organizada, apesar de seu grande número e mesmo se estiver embuído de espírito revolucionário .

Ou seja, a base que daria ao M-26 as condições necessárias para vencer era difícil de organizar. Na revolução Russa a primeira forma de organizar o campesinato foi o exército gigantescamente organizado para a primeira guerra mundial. Como observa o próprio Trotsky: “Apoiando-se numa organização desse tipo já pronta, o exército, os partidos pequeno burgueses impuseram-se ao proletariado (…)” , no caso cubano essa organização de massas, o exército, não estava acessível aos revolucionários, no entanto, será a partir da organização de um “exército” guerrilheiro que se dará um enquadramento a base campesina e transformará essa dispersa massa de revoltados em uma força política.

Quanto mais campesino se fez o exército revolucionário mais ganhou peso uma das grandes tarefas democráticas dos países coloniais e semicoloniais. A reforma agrária.

A junção dessas grandes tarefas, a reforma agrária com a independência nacional são no dizer de Trotsky as principais tarefas dos países coloniais e semicoloniais. Assim está escrito no Programa de Transição: “Os problemas centrais desses países coloniais e semicoloniais são: a REVOLUÇÃO AGRÁRIA, isto é, a liquidação da herança feudal, e a INDEPENDÊNCIA NACIONAL, isto é, a derrubada do jugo imperialista. Estas duas tarefas estão estreitamente ligadas uma à outra.” .

Uma revolução sem partido bolchevique
A ausência de um partido revolucionário levou a que um grupo pequeno-burguês assumisse a direção das massas, com um programa radical-democrático (democrático no sentido do Programa de Transição) e se apoiasse em um campesinato rebelde para levar tal programa adiante.

Como dissemos no início deste artigo, essa direção, na medida em que ia concretizando seu programa, ia se enfrentando cada vez mais com as burguesias de seu próprio país e também com a burguesia mundial, o imperialismo.

Não havia, assim como não há, outra maneira de levar a cabo a tarefa da independência nacional se ela, no seu transcurso, não se transforma em revolução socialista.

O M-26 viu-se assim logo depois da tomada do poder, jogado em um dilema insuperável nos marcos da democracia e da legalidade burguesa. Seguir com as tarefas programáticas que tinham assumido, significava não chegar jamais a democracia burguesa.

Todos os setores burgueses foram paulatinamente rompendo com os barbudos, suas esperanças de que o Movimento 26 de Julho, uma vez no poder fosse se domesticar não se concretizou.

Por outro lado só era possível garantir a independência nacional e a reforma agrária (bem como saúde, educação etc.) se expropriasse a toda burguesia, nacional ou estrangeira. Essa conclusão lógica levou a uma ruptura dentro do M-26, entre os que quiseram seguir em direção a conclusão de seu programa e seu aprofundamento e outros que foram paulatinamente sendo ganho pelo imperialismo.

No entanto, a ausência de um partido operário revolucionário, com um programa claro e uma estrutura leninista cobrou seu preço mesmo entre os que foram levados cada vez mais para a esquerda em direção a revolução mundial.

Nunca houve democracia operária em Cuba, o mando sempre foi vertical, e o regime bonapartista, baseado no exército guerrilheiro. Quando ficou claro que a existência de uma Cuba socialista em uma América burguesa era impossível ou pelo menos muito difícil, mais uma vez a direção cubana se fraturou entre aqueles que queriam levar a luta para outras terras, como Guevara, e outros que começaram a buscar uma via para a coexistência pacífica com o imperialismo.

O caminho que a revolução trilhou, muito dele sem uma armação teórica a contento levou a que a mesma direção que expropriou a burguesia agora restaure o direito a propriedade privada e ao lucro capitalista.

Cuba e a teoria da revolução permanente
Trotsky observa no programa de transição que “Os países coloniais e semicoloniais, são por sua própria natureza, países atrasados. Mas esses países atrasados vivem em condições do domínio mundial do imperialismo – por isso que seu desenvolvimento tem um caráter combinado: reúne em si as formas econômicas mais primitivas e a última palavra de técnica e da civilização capitalista. É isto que determina a política do proletariado dos países atrasados: ele é obrigado a combinar a luta pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial. Nessa luta, as palavras-de-ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas decorrem umas das outras.”

Em Cuba, a dinâmica da revolução determinou que ao avançar no caminho “democrático” a revolução se fez socialista. Empurrada por um campesinato rebelde e proletarizado, uma direção vacilante quanto aos seus objetivos finais, mas convicta de seu papel foi o instrumento inconsciente da revolução. A única possibilidade de que a história se desse de outra maneira seria a traição consciente da revolução.

Cuba, neste aspecto se distingue de algumas das revoluções anticoloniais pelo fato de que, ao não poder pactuar com o imperialismo ianque viu-se na necessidade de expropriá-lo. A revolução de contra golpes atingiu seu fim lógico, um estado operário.

As particularidades que levaram que essa tarefa não fosse cumprida nem pelo proletariado urbano nem sob a direção de um partido revolucionário, mas sim pelo campesinato, pelos semi-proletários rurais e dirigidos por uma organização pequeno burguesa, demonstraram até que ponto Leon Trotsky tinha razão ao afirmar que as tarefas democráticas, levam necessariamente a revolução proletária. E mesmo estando ausentes elementos tão fundamentais como o partido e a classe operária organizada, não existem desaguadouros possíveis para as revoluções que não sejam retroceder ou ir até a expropriação e sua conclusão última, a revolução internacional.

Nesse aspecto a revolução cubana é uma das grandes demonstrações de que a teoria da revolução permanente sempre esteve certa em seus fundamentos e de que já não há uma fronteira entre a revolução democrática e a socialista mas uma continuidade dinâmica entre elas.