Na manhã do dia 21, o Granma, jornal oficial do Partido Comunista Cubano (PCC), publicou uma carta de Fidel Castro em que este afirmava que não comandaria mais o Estado de Cuba.

A renúncia abriu o caminho para Raúl Castro, irmão de Fidel, se consolidar no poder. Ele ocupava provisoriamente a chefia do Estado desde julho de 2006, quando Fidel se afastou por motivos de saúde. No último dia 24, Raúl foi eleito presidente de Cuba pela Assembléia do Poder Popular.

A saída de Fidel e a transmissão do poder a seu irmão Raúl colocaram o debate sobre o presente e o futuro de Cuba novamente na ordem do dia. Afinal a ilha, que foi o primeiro Estado operário da América Latina, continua sendo a última fortaleza do socialismo ou, como na ex-URSS e na China, o capitalismo já foi restaurado?

É lógico que o afastamento de Fidel, máximo dirigente da Revolução Cubana, provoque intensos debates e especulações. Mas qualquer análise sobre a situação atual deve ser feita à luz dos acontecimentos que afetaram o Leste Europeu e a China nas últimas décadas, isso é, à luz dos processos de restauração do capitalismo.

As conquistas de uma revolução
A Revolução Cubana de 1959 mostrou quais tipos de conquistas uma revolução socialista é capaz de alcançar. Antes da revolução, Cuba era um dos países mais desiguais do continente e as condições de vida das massas eram terríveis. O desemprego atingia até 50% da força de trabalho. As terras estavam concentradas nas mãos de latifundiários e empresas norte-americanas.

A revolução expropriou empresas estrangeiras e a burguesia, promoveu a reforma agrária e acabou com o analfabetismo do país. O desemprego e a pobreza foram eliminados. Por muitos anos a taxa de desemprego no país foi menor que a dos EUA. Cuba também conquistou avanços imensos em setores como educação e saúde pública, e superou, nessas áreas, nações muito mais desenvolvidas. A mortalidade infantil em Cuba, por exemplo, até hoje é menor que a dos EUA.

As conquistas se refletiram também nos esportes. Depois da revolução, Cuba investiu muito na prática esportiva, o que resultou em desempenhos bem superiores aos demais países do continente.

Isso explica por que a revolução cubana tornou-se um símbolo para a vanguarda latino-americana e uma referência de conquistas por meio da revolução socialista.
Mas o retorno do capitalismo impôs seu preço amargo. Mazelas típicas do capitalismo, como a prostituição, o desemprego e a desigualdade social, retornaram com força à ilha.

No entanto, a maioria da esquerda opina que Cuba continua sendo uma “fortaleza socialista”. Assim, Fidel é visto como o defensor do socialismo perante as ameaças do imperialismo norte-americano e dos “gusanos” (burguesia cubana exilada nos EUA). Mas a questão é que o capitalismo já retornou a Cuba. E não foi pelas mãos do imperialismo, mas sim a partir dos próprios dirigentes castristas.
Embora existam muitas resistências na esquerda em reconhecer isso, basta analisar os fatos para perceber que o retorno do capitalismo a Cuba é uma realidade incontestável.

A volta do capitalismo
O fim da URSS e a restauração capitalista no Leste Europeu foram um duro golpe na economia cubana, centrada na exportação de açúcar e na troca por petróleo e tecnologia com esses países. Foi nesse momento que a direção castrista iniciou um plano para o retorno do capitalismo no país, destruindo os três pilares fundamentais de uma economia de transição socialista: o monopólio do comércio exterior; a propriedade estatal; e o planejamento da economia pelo Estado.

Em 1995, Fidel anunciou as leis de investimento estrangeiro, criando assim as chamadas empresas mistas (empresas cujas ações são divididas entre o Estado e investidores privados estrangeiros).

Em seguida, o governo acabou com o monopólio do Estado sobre o comércio exterior, o que, na verdade, era uma medida protetora da economia estatal contra a penetração do capital externo. Com isso, tanto as empresas estatais quanto as mistas podem negociar livremente suas exportações e importações com capitalistas estrangeiros. Segundo o Ministério de Investimentos Estrangeiros e Cooperação do país, as empresas mistas controlam hoje 100% dos serviços telefônicos e da exploração de petróleo, minério de ferro e rum.

É o caso da companhia telefônica de Cuba (Etecsa) que se tornou uma empresa mista e tem como”sócios” uma subsidiária da italiana Telecon.

Nos últimos anos, a entrada do capital estrangeiro na ilha ganhou um ritmo assustador. Em 2006, de acordo com o Ministério para Investimentos Estrangeiros de Cuba, houve um recorde de ingressos totalizando U$ 981 milhões, 22% a mais do que em 2005.

É importante notar que a restauração capitalista trouxe profundas mudanças à estrutura econômica de Cuba. Se antes ela se baseava na produção de açúcar, ao longo dos anos 90 foi se concentrando nos serviços, que representam atualmente mais de 70% do PIB.

A maioria dos investimentos estrangeiros se concentra nesses setores, mas se ampliaram para outros, como produtos farmacêuticos e, recentemente, petróleo. O setor de turismo, por exemplo, é dominado por empresas espanholas como a Meliá, que monopoliza o ramo de hotéis no país.

Cúpula castrista
Com o crescimento dos investimentos estrangeiros em Cuba, a cúpula castrista transformou-se em sócia dos capitais estrangeiros, garantindo seus negócios e se enriquecendo através das empresas estatais e de sua participação nas empresas mistas.

Um exemplo disso ocorre nas Forças Armadas Revolucionárias (FAR), lideradas por Raúl Castro. A participação das FAR na administração da economia não parou de crescer depois da criação das empresas mistas. Desde hotéis, passando por agências de táxi, fábricas de açúcar e até escritórios de arrecadação de impostos, são vários os setores administrados pelos militares.

Atualmente as FAR controlam 322 empresas cubanas, que empregam 20% dos assalariados da ilha e são responsáveis por 89% das exportações. No turismo, as empresas administradas pelas FAR representam 59% dos lucros obtidos pelo setor.

Muitos analistas apostam que, com Raúl à frente do poder, a abertura econômica se aprofundará. O “aperfeiçoamento empresarial” é uma das metas mais repetidas por Raúl Castro desde que substituiu temporariamente Fidel em 2006. No discurso de sua posse, ele deu mostras de que pretende ampliar a abertura econômica. Algo que indica sua disposição em completar o processo de restauração do capitalismo em Cuba.
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