A esquerda argentina deve apresentar uma alternativa operária e socialista contra candidatura da atual primeira-damaO lançamento da candidatura da primeira-dama Cristina Kirchner ocorre em um momento no qual o presidente argentino, Néstor Kirchner, enfrenta problemas que não consegue resolver e que tiraram seu brilho. O tremor das bolsas e a subida do dólar ocuparam o centro da cena nos últimos dias.

Durante semanas, porém, o tema foi o escândalo com o dinheiro na bolsa da ministra da Economia, Felisa Miceli. Durante uma inspeção de rotina, a polícia encontrou uma bolsa com dinheiro num banheiro no gabinete de Miceli. Nela havia 100 mil pesos e US$ 31 mil. A ministra renunciou após suspeitas de envolvimento em corrupção.

Antes disso, Kirchner enfrentou a crise energética (resultado das privatizações do setor nos anos 90), com cortes de gás e luz em milhares de empresas. Nesse contexto, vieram as derrotas eleitorais de sua corrente em Buenos Aires e na Terra do Fogo.

Polarização
Apesar da retomada do crescimento econômico após a crise de 2001/2002, a Argentina vem registrando altas taxas de inflação que resultaram na corrosão dos salários dos trabalhadores. Por outro lado, também existe uma crise financeira nas províncias. A retomada pelo governo federal do pagamento da dívida externa ao FMI fez com que os governos provinciais voltassem a implementar a lei de responsabilidade fiscal, que mantém o arrocho salarial dos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, a inflação incontrolável – que o governo não consegue disfarçar ao confundir os índices – seguiu empurrando distintos setores para a luta: desde os pescadores de Santa Cruz (província argentina), com sua reivindicação de eliminar o imposto sobre o lucro, até os trabalhadores do Banco de la Nación e os telefônicos, que exigem aumento salarial. Em todas as frentes, o governo se vê obrigado a ceder: aumentou o piso do imposto de renda para os trabalhadores em relação de dependência e anunciou aumentos nas designações familiares; aceitou a renúncia de Miceli e saiu a vender dólares para deter a debandada.

Em abril, o assassinato do professor Carlos Fuentealba detonou uma paralisação dos professores em todo o país. Mais de 100 mil pessoas saíram às ruas. Na ocasião, os protestos foram duramente reprimidos pelo governo Kirchner. Em Santa Cruz (província do presidente), o movimento docente enfrentou uma forte repressão da “Gendarmería” – espécie de polícia fronteiriça militarizada –, que ocupou as escolas.

O assassinato de Fuentealba e a reação dos trabalhadores produziram uma nova mudança política no país, gerando um desgaste do governo Kirchner. A força dos protestos abriu uma situação mais favorável às lutas dos trabalhadores do país.

Pacto
Cristina Kirchner lançou sua candidatura com a resposta clássica do peronismo quando as batatas começam a assar: propôs um “acordo social” entre empresários e sindicatos com a mediação do Estado. Já se sabe o que isso significa: os patrões teriam que ceder algo e os sindicatos comprometer-se-iam a não fazer greves. No passado, todos os acordos ou pactos sociais terminaram com novas crises econômicas e lutas, pela simples razão de que são apenas uma resposta à insatisfação imediata e não aos problemas de fundo.

Houve uma prova clara disso nos resultados da viagem de Cristina a Espanha: ali ela se comprometeu diante dos empresários em garantir seus investimentos na Argentina. Ou seja, assegurou que Repsol-YPF, Telefónica e demais monopólios possam seguir levando nossas riquezas. Ela também se comprometeu em discutir a “atualização” das tarifas. Ou seja, o “acordo social” irá se basear no prosseguimento do mesmo saque e da rapina do país pelo imperialismo. Assim podemos assegurar que seguirão a inflação, o desemprego, a falta de moradia, o desmonte da saúde e da educação, a crise energética, os salários baixos, etc.

São muitos os companheiros que, por tudo isso, começam a ver Cristina e suas propostas aplaudidas por empresários e burocratas como algo alheio, que nada tem a ver com as necessidades do povo. De qualquer maneira, milhões de trabalhadores e amplos setores populares vão votar nela pensando que pelo menos com Kirchner o pior da crise passou. Ou, em todo caso, que não há nada melhor. Lamentavelmente, como com seu marido, os problemas de fundo vão seguir sem solução com Cristina. E teremos que seguir com a luta por salários e todas as reivindicações.

Esquerda nas eleições
As propostas de Cristina e de todos os outros candidatos patronais têm algo em comum: todos propõem que os grandes monopólios internacionais sigam explorando nossos recursos naturais e tenham o controle da grande indústria, dos serviços, dos bancos e da continuidade do pagamento da fraudulenta dívida externa. Sobre essa base não pode haver solução para os problemas de inflação, desemprego, salários e demissões, destruição da saúde, da educação e do meio ambiente, e todos os demais que sofrem os trabalhadores e o povo.

Existe um espaço importante que poderia ser ocupado pelos partidos de esquerda, que compartilham muitas propostas fundamentais como a independência política dos trabalhadores, a luta pela nacionalização sob controle dos trabalhadores de todos os setores fundamentais da economia, o não pagamento da dívida externa, um plano de obras públicas que garantisse trabalho para todos, a defesa da saúde e da educação públicas, a defesa da democracia operária contra a burocracia sindical, o apoio a todas as lutas dos trabalhadores e do povo, a punição dos genocidas e repressores, e a punição dos responsáveis do assassinato de Carlos Fuentealba.

Sem dúvida, muitos trabalhadores que criticam as divisões da esquerda veriam como muito positiva a formação de uma frente eleitoral de todos os que compartilham essas bandeiras. Por isso estamos dirigindo esse chamado especialmente às principais forças de esquerda, particularmente do Partido Operário (PO) e do Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST), que têm a possibilidade de convocar e concretizar essa frente, assim como os do PTS e do MAS.

Está nas mãos da direção desses partidos constituir essa frente para que os mais destacados lutadores operários e populares – como os que encabeçaram as recentes reivindicações de professores, dos pescadores e de petroleiros do sul, e muitos mais – possam ser a expressão diante da população das soluções de fundo que a esquerda propõe.

*Jornal da Frente Operária Socialista, seção argentina da LIT-QI.

Post author Luta Socialista*
Publication Date