Pesquisa revela que 56% consideram que imprensa não mostra um retrato fiel da guerra. Público de internet é mais críticoA imprensa dos Estados Unidos é vista e vendida como guardiã do público e da propalada democracia norte-americana. Modelo para diversos países, incluindo o Brasil, exportou técnicas de jornalismo e, com elas, a farsa da imparcialidade da notícia. Poderosa, ainda colhe os louros do caso Watergate, investigação sobre espionagem que resultou na renúncia do presidente Nixon, em 1974. Esta mesma imprensa, assim como muitas das instituições norte-americanas, vem sofrendo uma crise de confiança e de prestígio, acentuada pelos revezes da campanha de “Guerra ao Terror”.

A força da mídia norte-americana e sua relação com os leitores é verificada periodicamente por vários institutos de pesquisa, entre eles o Instituto PEW [ http://people-press.org ]. O instituto divulgou o resultado de uma pesquisa feita em julho deste ano, com uma evolução histórica. Uma primeira impressão salta aos olhos: o prestígio da mídia vem caindo de forma constante desde 1985. Naquele ano, a porcentagem das pessoas que tinham uma avaliação favorável das mídias locais (TV local, jornal diário local, TV a cabo, redes de TV e jornais) girava em torno de 90%, exceto a dos jornais nacionais, que era de 81%. Em 2007 houve uma queda de 11% para as mídias locais, que caíram para 79%, e de mais de 16% para as mídias de alcance nacional, tanto TV quanto jornal. A avaliação favorável mais baixa foi para os jornais nacionais, de 60%, uma queda de 21% em relação a 1985.

Esta queda contínua tem reflexo na avaliação do público. Atualmente, 32% acham que a mídia é imoral, contra apenas 13% em 1985. Por outro lado, uma maioria de 53% acha que as informações dadas são imprecisas e 55% definem a imprensa como tendenciosa politicamente.

Apesar da queda, os números ainda são altos e, um consolo a mais é a imprensa é a que tem mais prestígio entre as demais instituições da democracia burguesa norte-americana. Assim como aqui, a instituição de menor credibilidade é o Congresso, que passou de uma avaliação favorável de 72% para 45% em 2007.

Mentiras de guerra
Sintomaticamente, todas as mídias tiveram um aumento em sua avaliação após o 11 de setembro de 2001, para voltar a cair nos anos seguintes. Toda campanha governamental a partir do 11 de setembro, levou o público a uma espécie de “paranóia coletiva” sobre a possibilidade de novos ataques no solo norte-americano, preparando o país para uma guerra duradoura e de alto custo. A imprensa fez o seu papel nesta campanha, reproduzindo os informes militares como verdade e fazendo da invasão ao Afeganistão a segunda invasão sem mortos da história – a primeira foi no Iraque, em 1991, com o show de fogos de artifícios da CNN.

A cobertura da mídia no Afeganistão foi marcada por mentiras, das quais não escapou nem mesmo o ícone Bob Woodward, que com Carl Bernstein desvendou o Watergate. Segundo o jornalista Carlos Dorneles, em seu livro “Deus é inocente. A imprensa Não”, Woodward foi mais um dos que se rendeu a campanha de Bush, sem o mínimo de espírito crítico. A eficácia dos ataques das tropas, a precisão das bombas e a capacidade “notável” de investigação da CIA eram objeto de elogios diários em seus artigos no Washington Post. Na verdade, os EUA e aliados fizeram uma campanha lamentável, atingindo suas próprias tropas e bases da Cruz Vermelha, usando soldados afegãos para vasculhar as cavernas e morrer em seu lugar e terminando por não encontrar Bin Laden, o que seria o motivo da invasão. Alguns meses depois, Bush abandonaria a caçada, dizendo que “não estava tão preocupado com ele”. Mais uma vez, a imprensa se calou.

A ocupação do Iraque contou com apoio idêntico da imprensa. Mas as mentiras do governo e da imprensa sobre as armas de destruição em massa, principal razão alegada para o ataque, foram desmascaradas pouco depois. Mas o determinante foi o pântano em que se meteram os EUA, com mais de dois mil soldados mortos e poucos objetivos alcançados. Hoje, 54% da população acredita que as tropas deveriam retornar (veja gráfico) e os reflexos disso respingam na mídia. Enganados no início da ocupação, os norte-americanos desconfiam das informações sobre o quadro atual da guerra de Bush. Perguntados sobre se a imprensa mostra um retrato fiel da guerra, 56% dos entrevistados pelo instituto responderam que “Não” ou “Não muito”.

O estranho mundo de Jack Bauer
O Instituto PEW faz uma divisão a partir da preferência partidária dos entrevistados, que se declaram republicanos, democratas ou independentes, isto é, que não votam em nenhum dos dois principais partidos. Neste viés, pode-se perceber que sempre houve uma avaliação menos favorável das mídias pelos republicanos, mas em 1985 a diferença era de, no máximo 6%, ao passo que em 2006 esta diferença subiu para 28% na avaliação das redes de TV e de 38% para os jornais nacionais, como o New York Times e o Washington Post. Para estes últimos, enquanto os democratas expressam 79% de opiniões favoráveis, os republicanos não passam de 41%. Em 1985, as opiniões favoráveis atingiam 79% dos republicanos. Em todos os casos, os independentes ficam no meio termo.

Neste período ocorreram governos republicanos, com Reagan, Bush e George W. Bush, e democratas, com Clinton por dois mandatos. Porém, a opinião desfavorável dos republicanos parece não depender de quem governa, pois houve uma queda contínua em suas avaliações.

Este resultado está claramente associado à evolução da guerra do Iraque e suas conseqüências políticas. Neste período as Forças Armadas dos EUA começaram a sofrer inúmeras dificuldades chegando hoje viver o fantasma de um novo Vietnã, comparação feita recentemente pelo próprio presidente Bush que a utilizou, no entanto, para pedir mais recursos para evitar uma derrota desmoralizante. Foi neste período, também, que os democratas conseguiram a maioria nas duas casas do Congresso. Assim, o público democrata louva a imprensa pelas suas críticas à política desastrosa de Bush, enquanto os eleitores republicanos prefeririam uma mídia mais condescendente.

Dois dados interessantes surgem do perfil dos entrevistados. Ao fazer o cruzamento da preferência partidária com a preferência por TV a cabo de notícias, o Instituto PEW afirma que 43% dos telespectadores da Fox são republicanos, contra 21% de democratas, enquanto a preferência pela CNN atinge 43% de democratas contra 22% de republicanos. Não é mera coincidência, portanto, que a série “24 Horas”, produzida pela Fox, mostre o personagem Jack Bauer, funcionário de um setor de combate ao terrorismo do governo dos EUA, praticando torturas em seus inimigos, em geral do Leste Europeu ou do Oriente Médio. É a forma encontrada de defender as práticas reais de tortura do governo Bush e as mudanças na legislação, permitindo detenções sem provas, uso de força nos interrogatórios e ações em outros países.

Também não é coincidência o fato de 49% da audiência da Fox afirmar que a cobertura do governo Bush feita pela mídia é injusta, enquanto apenas 19% do público da CNN diz o mesmo.

Público de internet é mais crítico
Outro dado que merece ser analisado é sobre a mais nova fonte de notícias, a Internet. 25% dos norte-americanos acompanham as notícias pela internet e ficam, em média, 20 horas mensais conectadas à rede. Aproximadamente 68% dos internautas têm uma opinião desfavorável da mídia, enquanto os que preferem os jornais impressos ou a TV chegam a 78% e 84% de opiniões favoráveis respectivamente. Para o Instituto PEW, isto é devido a que os internautas são mais jovens e com melhor formação que o público em geral.

O público de internet, além de mais crítico em relação ao noticiário, também utiliza-se da rede para publicar notícias e opiniões, principalmente através dos blogs e vídeos online. Diários online já são uma fonte de notícias alternativa aos grandes veículos e influenciam na opinião pública do país, principalmente no noticiário político e na cobertura da campanha do Iraque. Não é a toa que a sucessão de Bush já está sendo chamada de “campanha Youtube”.

Guerra pela gasolina
O Instituto PEW também pesquisa o nível geral de interesse do público pelas principais notícias divulgadas pela mídia. Foi criado um índice, baseado na porcentagem da audiência de notícias que afirmam acompanhar uma história “bem de perto”, que varia de 0% a 100%. Nestes 22 anos de pesquisa, a porcentagem média dos norte-americanos que afirmaram acompanhar as histórias “bem de perto” é de 26%, um valor considerado modesto pelos pesquisadores do instituto. Porém nos primeiros anos do século 21 o índice médio subiu a 30%, movido pelo ataque às Torres gêmeas, pela guerra do Iraque e pela incerteza econômica. Quando agrupadas por assunto, as notícias classificadas como “dinheiro” foram acompanhadas “bem de perto” por 35% do público.

Mas as grandes questões econômicas interessam o público apenas esporadicamente. A quebra da bolsa em 1987, quando o índice Dow baixou 23% em um dia, por exemplo, foi acompanhada por 40% da audiência, enquanto as notícias cotidianas da bolsa produziram um índice de apenas 23%. Mas o que eleva realmente o índice do assunto “dinheiro” são as notícias sobre o aumento do preço da gasolina, que chegam a um índice inacreditável de 71%. Se levarmos em conta que o assunto “guerra/terrorismo” tem o índice mais alto entre todos, com 41% e que está diretamente conectado à questão do petróleo, pode-se dizer que a guerra pelo petróleo levada a cabo pelos sucessivos governos dos EUA, republicanos ou democratas, incide sobre a consciência do norte-americano médio sob a forma da alta do preço da gasolina. Infelizmente a pesquisa do Instituto PEW não distingue os entrevistados por classe social, profissão ou nível de renda, para fornecer uma análise mais profunda da opinião pública.

Dos seis assuntos com maior índice pesquisados entre janeiro e março de 2007, cinco referem-se ao tema “guerra/terrorismo” – notícias sobre o andamento da guerra do Iraque, com 46%; seguida pelos planos de Bush para uma nova ofensiva (40%), as péssimas condições dos veteranos em Walter Reed (36%), a disputa nuclear com o Irã (29%) e o envolvimento militar do Irã na guerra do Iraque (28%). A única notícia que não se enquadrou foi a do mau tempo do inverno, com 36%. Porém, todo o esforço do imperialismo pode estar vindo por água abaixo, com a possibilidade de uma derrota no Iraque. A tal ponto que, após comparar a guerra atual com o Vietnã, Bush anuncia a possibilidade de retirada gradual das tropas.

Mapa mundi
Na outra ponta do acompanhamento “bem de perto” pelas notícias estão as que se referem à política externa norte-americana e a outros países, que alcançaram índices de apenas 18% e 17% respectivamente. Esta falta de interesse pelo resto do mundo é um reflexo na consciência da população da forma como foi construído o império do norte pela sua burguesia: desconhecendo a soberania das demais nações, tratando-as como seus quintais ou subordinando-as a seus próprios interesses através das instituições como a ONU, o Banco Mundial e o FMI. É, na verdade, uma falsa consciência da supremacia norte-americana, de que os interesses reais dos outros países devem, necessariamente, coincidir com os dos EUA.

Este patriotismo e nacionalismo exacerbados são uma trava no caminho da classe operária norte-americana pela sua própria emancipação frente à burguesia imperialista e um obstáculo a construção de um partido revolucionário naquele país. Enquanto isso não ocorre, as pesquisas continuarão classificando politicamente a audiência como “republicanos”, “democratas” e um vago “independentes”.

  • Leia a íntegra da pesquisa (em inglês)

    * com Gustavo Sixel, da redação