Após a onda de queda das bolsas em todo o mundo, desencadeada pela queda da bolsa de Xangai, na China, no final de fevereiro, o mercado internacional sofreu nesta semana mais um dos cada vez mais recorrentes tremores. Desta vez, apesar da queda não ter sido tão forte quanto à despertada pela economia chinesa, sua causa desperta ainda mais temores de investidores em todo o planeta.

O centro da atual crise é nada menos que os Estados Unidos, o coração do capitalismo, mais precisamente o mercado imobiliário norte-americano. O índice Dow Jones, que avalia o mercado de ações de Nova York, teve queda de 1,92%, arrastando a cotação das bolsas de todo o mundo. Londres viu suas ações desvalorizarem 1,16%. Já a Bovespa caiu 3,39%.

O sinal vermelho acendeu após indícios cada vez mais evidentes da crise do setor de financiamento de imóveis. O anúncio do relatório da Associação de Bancos Hipotecários revelou um crescimento das taxas de inadimplência da ordem de 14,44% no quarto trimestre de 2006. As execuções hipotecárias batem recordes, atingindo 0,54% dos imóveis financiados.

Na verdade, a crise atinge um segmento do mercado imobiliário, o de financiamento de imóveis para clientes considerados de “risco”, ou seja, com um histórico de calote, o chamado financiamento “subprime”. No dia 12 de março, a New Century Financial, segunda maior financiadora desse segmento, anunciou sua incapacidade de honrar todos os compromissos. Diversos pequenos bancos e financiadoras também já quebraram.

Efeito cascata
No entanto, como a crise de um segmento específico de um ramo econômico de um país pode ter tanto impacto? Parte da resposta tem a ver com a especulação e a bolha que envolveram o setor e valorizaram os imóveis de forma artificial nos últimos anos.

Com os preços valorizados, cresceram as financiadoras que oferecem esse tipo de crédito. No entanto, os recursos para tais financiamentos vem de bancos e fundos que “compram” os empréstimos, transformam-nos em ações e aplicam na ciranda financeira. Estima-se que o segmento “subprime” movimente algo em torno de US$1,3 trilhão nos EUA. Para se ter uma idéia, a New Century Financial tinha por trás bancos como o Bank of América, Goldman Sachs, Morgan Stanley e o Citigroup.

No caso de uma crise, as financiadoras são obrigadas a recomprarem os empréstimos e quebram. Investidores perdem dinheiro e as ações despencam. Ou seja, a crise se estende por todo o mercado. No entanto, a quebradeira desta vez não se restringe aos mercados de ações. Suas causas e, principalmente, suas conseqüências, têm reflexos profundos na economia real.

A recente onda de prosperidade da economia norte-americana teve uma de suas bases na valorização dos imóveis. Isso ocorre, pois muitos empréstimos e financiamentos são “lastreados” no valor dos imóveis. Ou seja, com uma casa valorizada, um norte-americano pode conseguir mais crédito. Com mais dinheiro disponível, o consumo também aumenta e a economia cresce.

Porém, essa mais recente crise provoca a desvalorização dos imóveis, demolindo uma das principais fontes de crédito aos consumidores norte-americano e ameaçando os que já se endividaram. O risco de uma recessão é tão evidente que, se na crise aberta por Xangai os economistas hesitavam em falar em “crise”, hoje, o termo “recessão” é dito abertamente.

Uma outra história americana
A crise imobiliária norte-americana tem conseqüências desastrosas para o restante da economia do Império. Mas, se por um lado, mostra que a atual onda de crescimento é insustentável, prenunciando uma recessão, permanece obscura sua verdadeira causa. A mais evidente é a valorização irreal dos imóveis, a tal ponto que seus mutuários não pudessem mais pagá-los.

No entanto, o fato dos calotes virem dos segmentos “sub” mostra uma deterioração das condições de vida da população mais pobre. Evidência incontestável de que a crise norte-americana e o início de um novo ciclo na economia mundial já não são mais uma previsão.

Novo ciclo de recessão à vista
A mais recente instabilidade nos mercados expressa o início da próxima crise cíclica do capitalismo, provando ser, hoje, insustentável um crescimento capitalista sólido e de longo prazo. Os últimos anos representaram o período de maior crescimento mundial após o período do pós-guerra que vai de 1950 a 1973, levando muitos a crer que tal conjuntura favorável fosse eterna. Porém, a própria concorrência e o conseqüente crescimento da produtividade, se num primeiro momento possibilitam o crescimento econômico, logo acarretam uma crise de superprodução e a queda da taxa média de lucros dos capitalistas.

Como a única forma de produzir valor e lucro é a extração de mais-valia, a crise que se avizinha obriga o imperialismo e seus governos títeres a reforçarem os ataques aos trabalhadores, aumentando ainda mais a exploração. Este é o sentido da ofensiva cada vez mais brutal que a classe trabalhadora sofre em todo o mundo, desde a retirada de direitos na Europa até a as reformas do governo Lula no Brasil.

Como afirma o economista José Alexandre Scheinkman, professor na Universidade de Princeton, em artigo publicado na Folha de S. Paulo do dia 11 de março, “se a redução do ritmo de crescimento da economia americana causar, como se espera, uma queda na expansão da economia global, o ‘espetáculo do crescimento´ vai ser mais uma vez adiado. O único consolo é que um pior cenário internacional talvez leve o governo do presidente Lula a retomar o processo de reformas que caracterizou o começo do seu primeiro mandato”. Trata-se, sem maiores eufemismos, de reduzir o valor da força de trabalho para maximizar os lucros.

Porém, se a crise trará ainda mais ataques, muitos dos quais já estão sendo engatilhados, como a reforma da Previdência, por outro lado o último ciclo de crise possibilitou o ascenso revolucionário que explodiu na América Latina. Está colocado, portanto, o desafio de construir e consolidar instrumentos de luta para a classe trabalhadora. Tanto na mobilização contra os ataques e por direitos quanto no desafio histórico de conquistar o poder para os trabalhadores.