PSTU-Rio de Janeiro

“Mas tem um líquido perfeito e bem melhor
Não tem gosto nem tem cheiro
Não se compra com dinheiro
O meu líquido favorito
É a água do meu filtro
Ele é puro e verdadeiro
Natural no mundo inteiro
O meu líquido favorito
É a água do meu filtro”

A letra da música “Água do meu filtro” do grupo de música infantil Palavra Cantada está longe de se aplicar à água do Rio de Janeiro

A saúde da população do Rio de Janeiro em risco

Há mais de uma semana, moradores da Zona Norte e Oeste do município do Rio de Janeiro passaram a ter fornecimento de água com cor, sabor e cheiro alterados (odor de terra ou esgoto). Hoje já são 46 bairros da cidade e seis municípios da Baixada Fluminense atingidos.

Além disso, nesta última semana, as unidades de saúde da Zona Oeste constataram o dobro de casos de gastroenterite (vômitos, diarreia e febre), muitas vezes envolvendo famílias inteiras. Todas estas com um relato em comum: ingestão da água alterada, mesmo quando esta é filtrada.

Apesar destes indícios, nada foi feito e a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) continua declarando que a água pode ser consumida. Segue uma grande polêmica na imprensa. Vários pareceres contraditórios foram emitidos e a população, com razão, está desconfiada e indignada.

Inicialmente, a Cedae negou alteração da qualidade da água. No último dia 7, realizou novos testes de qualidade que indicaram a presença de geosmina, um composto orgânico produzido por cianobactérias (bactérias que obtêm energia por fotossíntese tal como as algas e plantas). A substância é responsável por conferir o odor desagradável à água. Sua presença se estende mesmo à água potável, já que os processos convencionais de tratamento não são suficientes para removê-la.

A Cedae declarou que a geosmina é inócua para a saúde. No entanto, a direção da empresa não explica o porquê da alteração da coloração da água. Além disto, a presença de geosmina indica aumento da proliferação das cianobactérias que podem produzir outros compostos orgânicos extremamente prejudiciais à saúde, como as cianotoxinas. Estes organismos se proliferam em ambientes com grande carga de nutrientes (nitrogênio e fósforo) provenientes geralmente do esgoto não tratado.

O rio Guandu, principal rio que abastece quase 10 milhões de pessoas que vivem nos municípios do Rio e Baixada Fluminense, é abastecido por outros rios extremamente poluídos, mortos, com água pouco oxigenada, como o Ipiranga e o Queimados. Eles drenam as águas da Baixada Fluminense e recebem todo tipo de esgoto, industrial e doméstico. São centenas de indústrias que não são responsabilizadas por jogar esgoto e resíduos não tratados diretamente nestes rios ou na Baía de Guanabara.

Como consequência, essa água precisa de muitos recursos para se tornar potável, o que implica na utilização cada vez maior produtos químicos para purificá-la. Estes componentes certamente trazem consequências para a saúde humana.

Além da contaminação, somado à falta de dragagem dos rios e de saneamento adequado, estes processos são também responsáveis pelos recorrentes desastres ocorridos durante os temporais que atingem o Rio de Janeiro.

A população tem recorrido à compra de água mineral e já existe um desabastecimento em vários supermercados. Mas a população de baixa renda não tem condições de se proteger desta forma, e continua a mercê da água fétida e com gosto ruim. Certamente, elas estarão mais vulneráveis a gastroenterites e infecções cutâneas.

O governo de Wilson Witzel (PSC) se limitou apenas em exonerar o chefe da Estação de Tratamento de Guandu e se eximiu de qualquer responsabilidade.

Devemos exigir um laudo conclusivo por todos os órgãos de pesquisas e independentes do governo estadual. E, enquanto não for provada a potabilidade da água, o Estado tem a obrigação de fornecer água mineral gratuitamente às regiões mais atingidas pelo acometimento de doenças relacionadas à água contaminada.

O sucateamento da Cedae está a serviço do pagamento da dívida pública. A água não pode ser privatizada. Não ao regime de “irresponsabilidade” social”!

É evidente a relação entre a atual crise da qualidade da água e o desmonte da Cedae. Em 2019, foram demitidos mais de 50 funcionários experientes da instituição, alguns deles engenheiros com mais de 40 anos de casa. A falta de concurso público diminuiu significativamente o quadro de funcionários, muitos dos quais eram técnicos qualificados que foram convidados a se retirar nos planos de demissão voluntária (PDVs). Esse processo é também responsável pela demora na identificação e solução da atual crise da água.

Isto ocorre porque o governo Witzel está preparando, neste momento, a privatização da Cedae a fim de pagar o empréstimo obtido no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal com a União. Como sabemos, este acordo está colocando a população do Rio de Janeiro na penúria, com serviços públicos básicos em crise, servidores sem reajuste e salários em atraso etc.

Com a “crise financeira” do estado em 2017, sob o argumento de pagar os salários atrasados do funcionalismo, o governo Pezão (MDB) contraiu um financiamento de R$ 2,9 bilhões com o Banco BNP Paripas, em que a Cedae foi colocada como garantia do empréstimo. Apenas um detalhe – o patrimônio líquido da Cedae ultrapassa os R$ 7 bilhões. Ao fim de 2020, o estado teria que pagar R$ 3,9 bilhões ao banco.

O governo prometeu que apresentará o modelo de privatização da Cedae em dezembro. A proposta é que a privatização ocorra por meio de concessões dos serviços prestados pela empresa em quatro lotes, cada um deles terá um trecho da capital e uma área do estado. A Cedae permanecerá captando e produzindo a água, mas venderá a água tratada para os concessionários que serão remunerados pela tarifa dos usuários. Este modelo já existe aqui no Rio, em Niterói, e está em expansão.

O argumento de Witzel, e da grande imprensa, é de que a privatização da Cedae é inevitável e necessária para atrair investimentos e proporcionar a universalização da água. Esta balela – da privatização – nós já conhecemos. O serviço de água ficará ainda mais caro e qualidade só tende a piorar. Lembremo-nos dos exemplos da Vale do Rio Doce e outras grandes empresas e rodovias privatizadas nos governos FHC (PSDB) e Lula/Dilma (PT-MDB): prestam serviços caros e de má qualidade.

O que está por trás da privatização da empresa é a continuidade do pagamento da dívida pública ao setor privado e a permanência do estado no regime de recuperação fiscal pactuado com a União Federal. Este “Regime de Recuperação” é um verdadeiro crime contra a população.

Além da privatização da Cedae, estabelece várias medidas de ajuste fiscal, visando “arrecadar” R$ 85 bilhões – a concessão das linhas de ônibus intermunicipais; a antecipação da prorrogação de contratos com empresas de gás (CEG e CEG-Rio); a revisão do preço do gás natural; a venda de títulos vinculados à dívida ativa do estado; e a extinção de estatais.

Com a justificativa de “compensar a despesa do novo plano de cargos e salários dos professores da UERJ”, por exemplo, Witzel pretende reduzir os valores dos contratos de alimentação dos presos do sistema carcerário do estado. A política do governador é seguir a risca as exigências do acordo, pois pretende prorrogar este regime por mais três anos, de 2020 para 2023.

Crise da água: um problema nacional

Graças às suas características naturais, o Brasil possui grande disponibilidade de água. Apesar disso, mais de 50% dos municípios do país ainda não têm acesso à coleta de esgoto. Mesmo nas regiões em que existe a coleta, apenas 20% possuem tratamento adequado.

Ou seja, boa parte do esgoto produzido vai parar diretamente nos rios, solos e no mar. Este volume colossal de esgoto é um dos grandes responsáveis pelo fenômeno da eutrofização da água, que estamos assistindo novamente no Rio de Janeiro e que já ocorreu em diversas regiões do país, quando há um crescimento rápido de microrganismos que produzem as tais toxinas nocivas à saúde humana.

É nesse contexto que a Câmara dos Deputados aprovou no mês passado (11/12) o projeto de lei nº. 4.162/19, com aval de Bolsonaro, que cria o novo marco legal do saneamento básico e abre as portas para privatizações de serviços de saneamento em nível nacional.

O projeto encaminhado irá tornar a água, um recurso público essencial à população, um grande negócio para as empresas do setor. Os municípios menores serão mais afetados, pois não são rentáveis para estas grandes empresas. Os custos de exploração serão necessariamente repassados à população, tornando-a muito mais cara e sem o compromisso com qualidade, mas com os lucros. Há estimativas de aumento em até 20% do preço das tarifas dos serviços de água e esgoto nestas regiões.

Este projeto está dentro dos planos de Bolsonaro e Guedes de entregar as riquezas do país para salvar a pele de banqueiros e grandes empresários na crise econômica que eles mesmos ajudaram a causar. E assim eles querem continuar a drenar nossos recursos para o pagamento da dívida pública.

É necessário um programa revolucionário para a defesa do meio ambiente

O problema da água no Rio de Janeiro, que parte da grande imprensa faz um paralelo com as crises hídricas que viveram São Paulo e Minas Gerais, se insere nos marcos dos problemas socioambientais que tem afetado nosso país e o mundo.

Os grandes incêndios na Austrália e Portugal, as enchentes devastadoras na Ásia, os incêndios na Amazônia, os crimes da Vale e Samarco em Mariana e Brumadinho, o recente vazamento de petróleo no litoral brasileiro, as grandes enchentes e desmoronamentos nos estado do Rio são partes de um fenômeno mundial. Eles atingem de forma diferente os países imperialistas, coloniais e os semicoloniais, bem como as distintas classes sociais destes países.

A localização do Brasil como um país exportador de commodities, onde o minério de ferro e a soja cumprem um papel central de reforçar as forças destrutivas sobre o meio ambiente, proporciona que grandes empresas e latifúndios arranquem o máximo de produtos rentáveis com o mínimo de tempo e investimentos e em detrimento de gastos com saúde e segurança dos trabalhadores e moradores e a proteção do meio ambiente.

Milhões de litros de água são desperdiçados, por exemplo, nos processos da mineração bem como a produção extensiva de soja, que destrói sistematicamente o cerrado e uma parte da Amazônia.

O outro aspecto, que já tratamos mais acima, é que os serviços públicos responsáveis pelo saneamento básico e a fiscalização destes empreendimentos estão sendo sucateados e em vias de serem privatizados. Além da Cedae, instituições como o Ibama, a Funai e outros órgãos fiscalizadores estão sendo sumariamente desmontados e desmoralizados pelos governos. E a população brasileira já percebe os efeitos desta política que parte principalmente do governo Bolsonaro.

O desmonte libera, por um lado, as forças mais agressivas e predatórias sobre os recursos naturais “como se não houvesse o amanhã” e, por outro, abrem o caminho para a privatização de parte dos serviços regulados por estas instituições.

É neste contexto de privatização, sucateamento, política de espoliação e busca de capital para garantir o pagamento da dívida pública que se insere o problema da água no Rio de Janeiro.

Defendemos, em primeiro lugar, a exigência aos governos de Witzel e Bolsonaro que garantam imediatamente água potável de qualidade para o consumo humano aos moradores atingidos.

É preciso que o governo inicie já as obras necessárias para a despoluição do Rio Guandu e seus afluentes. Um grande plano de obras públicas para o saneamento básico que, além de garantir a defesa dos recursos ambientais, proveria a criação de milhares de empregos no estado que conta atualmente com uma taxa de 14% de desemprego.

É preciso defender uma Cedae 100% estatal, sob o controle dos trabalhadores, com transparência, em que a população pudesse participar das grandes decisões e medidas relativas ao saneamento e as medidas protetivas ambientais bem como do uso sustentável da água.

Defendemos o não pagamento da dívida contraída em acordo com Banco BNP Paripas pelo governo Pezão, mantido por Witzel, que pretendem rifar a Cedae como uma empresa estatal e privatizá-la. Assim como é necessário lutar pelo não cumprimento e a não renovação do regime de ajuste fiscal implementado no Rio de Janeiro que penaliza os servidores e a população pobre do estado.

Para isso, o primeiro passo é impedir a privatização nas lutas e nas ruas: unificar a luta dos servidores públicos, cedaeanos e comunidades contra a privatização das águas. Sindicatos e entidades do movimento popular precisam organizar resistência.

Essa batalha deve se unir às lutas nacionais, como defesa do Ibama, o reconhecimento dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e povos da floresta em geral como parte central na defesa do meio ambiente, da preservação das florestas e de seu habitat.

Há de se incorporar também os trabalhadores da mineração, os moradores de áreas de grandes barragens. Essa luta não é apenas contra a exploração, mas também pela defesa da água e, fundamentalmente, da vida de todos os que moram ao redor destes megaprojetos.

A defesa de uma Petrobras 100% estatal, que esteja também sob o controle das populações atingidas por vazamentos, e que se exija dos responsáveis pelo crime ambiental do ano passado o ressarcimento às populações e ao estado. A sobrevivência dos atingidos por este desastre ambiental deve ser garantida para que eles possam retomar suas atividades anteriores.

A pergunta é: quem tem o interesse em levar este programa à frente? Quem estará disposto a enfrentar a sede de lucros das grandes empresas e latifúndios, impedir os processos de privatizações, e a destruição do meio ambiente?

Com certeza, os governos de Bolsonaro e Mourão e Witzel, no Rio de Janeiro, não serão os protagonistas desta empreitada, muito menos as grandes empresas e latifundiários que lucram com toda a poluição, os desastres, mortes e destruição que elas mesmas causam.

Esta luta cabe aos que mais interesse tem na manutenção do meio ambiente, pois vivem dos recursos da natureza e são os primeiros atingidos nos desastres e crimes cometidos. É fundamental conectarmos cada um destes problemas ambientais em curso, sinais inapeláveis de uma grande crise ambiental, em uma grande luta unificada dos trabalhadores e da população pobre do país.

Querer salvar o meio ambiente sem combater este governo, e também o sistema capitalista, é uma tarefa impossível. Os mesmos grandes exploradores são também os grandes poluidores do planeta. O capitalismo tem demonstrado uma capacidade infinita de roubar, matar, explorar e poluir. Estamos chegando a um ponto em que para conseguirmos água potável para todos é necessária a destruição do capitalismo.