A greve de 90 dias dos trabalhadores do Poder Judiciário de São Paulo expôs a crise da instituição. Ela já havia sido percebida antes, através das denúncias de corrupção, da Operação Anaconda e com um velho conhecido, o juiz LalauO Judiciário, um aparato de repressão do Estado contra a classe trabalhadora, é também atingido pela falta de verbas e pela corrupção. É uma instituição monstruosa, lenta e obsoleta. A sobrecarga de processos é grande. A atual política econômica diminui salários e aumenta o desemprego, ampliando os problemas sociais e causando todos os tipos de violações dos Direitos Civil, Trabalhista e Penal.

A Justiça é lenta, porque permite manobras para adiar decisões, que em geral são muito bem utilizadas pelas grandes empresas para escapar do pagamento de dívidas com o Estado ou com o trabalhador. A Fiat, sozinha, tem por volta de 4.796 processos em tramitação, o que representa 28% de seus atuais funcionários.
A Justiça é corrupta, e os ricos nunca terminam punidos nem têm suas propriedades confiscadas, porque sempre há um juiz à venda para resolver o problema.

Um processo, submetido a todas as instâncias, pode durar até seis anos. Os pobres não têm condições de pagar advogados, nem de esperar tanto, sendo na maior parte das vezes derrotados, ou tendo de fazer acordos rebaixados com as empresas.

Crescem os processos, mas não na mesma proporção da quantidade de servidores, prédios e equipamentos. Atualmente existe um juiz para cada 29 mil habitantes (na Alemanha é um para cada 3.500 pessoas; nos EUA um para cada nove mil). O Supremo Tribunal Federal (STF) julga mais de 40 mil processos por ano, enquanto a Suprema Corte dos EUA julga menos de 100.

Neste quadro de caos, o governo tenta impor a reforma do Judiciário como a busca de uma “Justiça” mais moderna e integrada à comunidade, com controle social sobre essa instituição. Trata-se, no entanto, do oposto.

A receita do Banco Mundial ao Judiciário

A reforma do Judiciário do governo não vem para tornar a Justiça mais ágil ou menos corrupta. Vem, como as outras reformas de FHC e Lula, para adequar a Justiça brasileira ao neoliberalismo e à Alca. Toda a reforma está sendo feita segundo a determinação do Banco Mundial, que, no relatório Policy Research Working Paper no 2.382, de junho de 2000, critica a demora na execução para reconhecimento das dívidas e no recebimento de valores. Um texto de 1996 do mesmo banco aponta a necessidade de “um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias sobre a propriedade”.

Segundo o juiz de Trabalho Hugo Cavalcanti Melo, citado na revista Reportagem no 58, o texto do Banco Mundial faz três recomendações. A primeira das recomendações é que a cúpula possa impor suas decisões a todo o Judiciário. A tradução disso para a reforma Judiciária no Brasil é a chamada súmula vinculante. Isso significa que, se o STF decidir sobre uma determinada matéria, todos os juízes de primeira instância não poderiam contrariar a decisão. O juiz que descumprisse isso estaria sujeito a processo por crime de responsabilidade e o Tribunal poderia cassar ou reformar a decisão. A alegação é reduzir o numero de processos nos tribunais superiores, mas o verdadeiro motivo é que, assim, o governo, ao ter controle sobre o STF, passaria a impor suas decisões ao Judiciário.

Essas medidas prejudicariam claramente os mais carentes, pois, apesar do Poder Judiciário de conjunto ser um instrumento da burguesia, às vezes, em instâncias inferiores, os trabalhadores podem ter algumas vitórias, fundamentalmente pela proximidade do juiz com a realidade dos fatos.

Por exemplo, quando o governo Collor confiscou a poupança da população, enquanto o STF apoiou a medida ou ficou omisso, os juízes de primeira instância foram desbloqueando a poupança. No final, o STF teve de recuar.

A súmula vinculante impõe a vontade do STF, que responde à política do governo (que tem maioria em sua cúpula). Isso será muito útil para o governo, por exemplo, para impor a reforma Trabalhista, na qual, provavelmente, haverão inúmeras decisões de juizes contrárias à perda de direitos dos trabalhadores, como férias e décimo-terceiro.

Preparando o caminho para a Alca

A segunda orientação do Banco Mundial é a “criação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos”. A alegação é que assim a Justiça seria mais ágil, com instituições extra-judiciais que poderiam resolver mais rapidamente as questões. Isso na verdade já está sendo aplicado, antes mesmo da reforma, com leis como a de Arbitragem (de 1996) e nas Comissões de Conciliação Prévia de Conflitos Trabalhistas (de 2000). Estas comissões têm crescido pelo país, e são um instrumento para forçar os trabalhadores a aceitar acordos rebaixados para evitar anos de espera na Justiça comum.

A Lei de Arbitragem abre espaço para que haja um árbitro privado (estrangeiros inclusive) para decidir conflitos entre, por exemplo, um governo municipal e uma empresa multinacional.

Um dos destaques a serem votados no Senado é exatamente para explicitar que as entidades públicas (como os governos) também podem ser submetidos a esta arbitragem privada. Ela é diretamente uma preparação para a Alca, e, na prática, impede a Justiça brasileira de determinar a resolução de conflitos com as multinacionais no Brasil, transferindo a decisão para cortes ou árbitros privados no estrangeiro.

Sob o controle do planalto

A terceira orientação do Banco Mundial é a criação de um controle externo sobre o Judiciário. Esta é uma das propostas da reforma que mais consegue apoio popular, na medida em que existe uma enorme desconfiança da Justiça. A reforma não dará à população um maior controle da Justiça. Apenas permitirá uma maior interferência do governo e do Congresso.

O Conselho Nacional de Justiça, que seria a expressão deste controle externo, teria em sua composição cinco magistrados, um advogado e três congressistas, ou, ainda, outras propostas, sempre com juízes, deputados, promotores e advogados. De povo mesmo, nem o cheiro.

Não está prevista a eleição direta dos juízes. A eleição desses funcionários pela população os obrigaria a ter um pouco mais de equilíbrio nos julgamentos e parcialidade com os oprimidos. Os magistrados deveriam ser vistos como funcionários públicos, o que implicaria na perda de seus privilégios, como as remunerações especiais, e no fim dos cargos vitalícios.

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