O número de lésbicas assassinadas em 2012 é 5 vezes maior que a média das últimas 3 décadas

Nos últimos dias, alguns casos de agressão divulgados pela imprensa evidenciaram uma grave situação de violência que estão submetidas milhares de mulheres homossexuais brasileirasNo dia 15 de fevereiro, por volta das 6 horas da manhã, num vagão da linha 9 da CPTM, em São Paulo, duas jovens foram agredidas por um passageiro quando uma delas reclamou por ele empurrar as pessoas com a mochila nas costas, pedindo que ele a carregasse nas mãos. Isso foi suficiente para que ele partisse para a agressão contra elas. Foram diversos xingamentos homofóbicos e socos no rosto de uma delas. E como se não bastasse, alguns passageiros que presenciaram esse horror, além de nada fazerem para defendê-las ou conter a situação, davam risadas.

Na cidade de Valparaíso (GO), no dia 17 de fevereiro, um casal de mulheres discutiu de maneira exaltada e vizinhos chamaram a polícia. Ao chegarem ao local, os policiais ordenaram que uma delas fosse embora, mas foram “desobedecidos”. Diante disso, eles promoveram um verdadeiro espetáculo de truculência, homofobia e machismo. Além das agressões verbais, que não deixam dúvida em relação ao ódio às lésbicas, uma delas foi espancada. Segundo testemunhas, eles já chegaram ao local perguntando quem era o homem da relação e anunciando que as tratariam como homens. Durante a confusão, quando uma delas entrou no carro para impedir que a outra fosse embora, um policial a arrancou do veículo e desferiu tapas, chutes e socos contra ela. Mesmo caída no chão, a agressão policial não cessava. Num dado momento, a porta do carro foi batida e decepou dois dedos da vítima. Gravemente machucada, ela foi levada para o hospital com as mãos algemadas e teve de ser internada.

No dia 18 de fevereiro, uma estudante de agronomia foi atacada pelas costas quando entrava em seu carro, no estacionamento da UNB. Ela levou diversos golpes de um rapaz desconhecido que a chamava de “lésbica nojenta” enquanto a agredia. Mesmo muito machucada, ela conseguiu fugir. Foi levada ao pronto socorro pela mãe e depois denunciou a violência sofrida. Meses antes, foram feitas pichações fascistas e homofóbicas na Universidade e outros casos de homofobia e machismo no campus já demonstravam uma realidade preocupante. Em resposta à agressão, organizações do Movimento Estudantil e de luta contra opressão, como a ANEL e o DCE, reagiram denunciando a homofobia e exigindo ações para reverter esta situação.

No dia 1 de março, no final de uma exposição em um teatro em Salvador, um casal de namoradas foi agredido pelo segurança do local. Ao dirigirem-se ao banheiro, elas foram barradas pelo segurança, mas insistiram. O teatro estava sendo fechado, mas elas argumentaram que suas amigas estavam lá e que realmente precisavam utilizar o banheiro. Irritado, o segurança bateu no casal de namoradas e num jovem que estava próximo. No dia seguinte, foi realizado um protesto no local, para dar visibilidade à violência contra lésbicas e exigir o fim da impunidade.

Criminalização da homofobia e aplicação e ampliação da Lei Maria da Penha
Somente em 2012, o “Disque 100”, serviço de denúncia por telefone da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, registrou 6.809 denúncias de violação dos direitos humanos de LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros).

2012 foi o ano em que mais lésbicas foram assassinadas no Brasil. Por serem homossexuais, 19 mulheres foram mortas. Esse número é quase 5 vezes maior que a média de assassinatos de lésbicas das últimas 3 décadas. Nosso país é recordista mundial em assassinatos por homofobia e 7º colocado em assassinato de mulheres. O Brasil concentra quase metade das mortes por homofobia praticadas em todo o mundo (44%): a cada 26 horas, um LGBT é assassinado. Esses tristes números crescem a cada ano e nada tem sido feito para mudar essa situação.

Nos últimos anos, o debate na sociedade sobre as demandas dos LGBTs foi ampliado, uma vez que esses ganharam maior visibilidade. No entanto, uma enorme contradição fica evidente: o aumento da visibilidade, ao não ser acompanhado por avanços significativos em relação aos direitos e por iniciativas do Poder Público no combate à homofobia, é seguido pelo aumento do preconceito e da discriminação. Setores reacionários e conservadores passaram a promover o ódio de modo intenso.
Este aumento escandaloso da violência homofóbica tem levado os LGBTs à mobilização, exigindo o fim da impunidade e medidas concretas de combate a todas as expressões da homofobia.

Mas, infelizmente, esta não tem sido a preocupação do governo do PT. Ao invés de garantir a aprovação do PLC 122/06 que criminaliza a homofobia, principal reivindicação do movimento, prefere manter o apoio da bancada conservadora ao seu governo. O mesmo aconteceu em relação ao “kit anti-homofobia”, que seria a primeira iniciativa concreta do governo para combater o preconceito e a discriminação. Dilma vetou o kit em negociata com a bancada homofóbica para preservar Palocci, seu ministro, envolvido em escândalos de corrupção. Além disso, o governo não destina verbas que garantam a aplicação da Lei Maria da Penha e, portanto, a proteção às mulheres vítimas de violência.

Um Projeto de Lei de Reforma do Código Penal está em tramitação no Senado. Trata-se de uma proposta que traz uma série de retrocessos nas questões ligadas à violência contra as mulheres. Tendo por objetivo diminuir as legislações ditas “extravagantes”, como a Lei Maria da Penha, o Novo Código Penal deve dar conta de tudo aquilo que se refere às leis punitivas. O Projeto reforça a impunidade daqueles que cometem violência machista, pois prevê a substituição de pena de prisão por penas alternativas, como a distribuição de cesta básica, e até mesmo penas menores para crimes como estupro. O próprio crime de estupro deixa de ser, assim, qualificado em diversas situações para ser considerado molestação ou outras coisas menos graves. O estupro corretivo, crime praticado sob o absurdo pretexto de reverter a homossexualidade feminina, corrigindo e punindo a vítima pelo seu “desvio”, sequer é mencionado na proposta de novo código.

Certamente, as leis não resolvem todos os problemas, mas a criminalização da homofobia é urgente, uma vez que a impunidade é uma grande aliada da violência machista e homofóbica, permitindo que esta situação bárbara se perpetue. É necessário investimento para garantir a aplicação das leis e políticas públicas que possam, de fato, mudar a realidade.

Para isso, só há um caminho e não é o proposto pelos parlamentares, de aguardar pacientemente por mudanças e avanços que nunca vem, confiando nas instituições e governos que aí estão. O caminho é aquele apontado pelos estudantes da UNB e ativistas de Salvador: o da organização e mobilização para arrancar nossos direitos, como a aprovação do PLC 122/06. Nossa organização e auto-defesa é uma necessidade legítima diante da ineficiência das polícias, que além de não garantir a segurança da população pobre e oprimida, frequentemente promove agressões covardes e humilhações como em Valparaíso. É preciso exigir verbas para que existam delegacias especializadas e com profissionais qualificados em todas as cidades e que funcionem 24 horas por dia, bem como ampla assistência à saúde das vítimas.