Gabriela Hipólito, de Belém (PA)

A analogia utilizada por muitos organismos internacionais, de que o novo coronavírus colocaria todo mundo no mesmo barco, nega duas vezes a realidade indígena. Não só não estão no mesmo barco, como também, em terra firme, todos seus territórios ainda são vistos como territórios de conquista. Seus direitos continuam sendo questionados de forma criminosa, mesmo com sua presença histórica sendo inquestionável.

Para os indígenas, não há uma guerra apenas contra o vírus, existem várias. Se o capitalismo é nossa pandemia há 500 anos, em 2020 invadir territórios indígenas para o garimpo e o agronegócio é uma prática recorrente.

Subnotificação contra os indígenas

O apagão de dados ao qual Bolsonaro submeteu todo o Brasil está acontecendo com os povos indígenas desde o começo da pandemia. Os números oficiais do governo revelam um racismo estrutural. A contagem de infectados e mortos obedece a uma limitada classificação de quem seria indígena. A Sesai, responsável pela saúde indígena, contabiliza apenas os indígenas afetados dentro das aldeias e não o conjunto de indígenas do país.

Isso mascara o impacto real do coronavírus nessas populações e prejudica a atuação com a rapidez e eficácia necessárias. Em 15 de junho, a diferença entre esses dados só na Amazônia (que concentra 85% dos casos) subnotificava 65% das mortes e 35% dos casos (Coiab). Segundo a Apib, no dia 13 de junho, 3.300 indígenas já tinham sido infectados e 279 morreram.

 

#FORAGARIMPO #FORACOVID
Existir é resistir se organizando

O governo mascara números, negligencia e dificulta o acesso ao tratamento e à prevenção, além de incentivar o passo da boiada, como disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Enquanto isso, os povos indígenas resistem. Desde março, as comunidades do país todo estão fechando seus acessos, sistematizando informações em diversas línguas, organizando campanhas e produzindo diálogo com os não indígenas.

Essa é uma atuação muito responsável e produtiva, porém não tem condições de conter a entrada do novo coronavírus. Isso acontece porque não existe um “fique em casa” para os indígenas se a casa deles está sendo constantemente invadida. Os Yanomami, nação indígena entre Amazonas e Roraima, lançaram recentemente a campanha #ForaGarimpo #ForaCovid, explicitando essa situação. São calculados ao redor de 20 mil garimpeiros na reserva.

Reservas que poderiam ter sido protegidas do vírus, como o Parque Nacional do Xingu (Mato Grosso) e a Raposa Serra do Sol (Roraima), estão sob ameaça. Na Raposa Serra do Sol, são estimados 2 mil garimpeiros ilegais. Inclusive os indígenas isolados em várias terras indígenas sofrem essa ameaça. Ou seja, não há forma de defender as vidas indígenas sem combater o garimpo, o agronegócio, o desmatamento (177% maior que abril de 2019) e todo tipo de invasão desses territórios (organizações religiosas, narcotraficantes, caça e pesca ilegais).

 

Medidas sanitárias e de segurança urgentes

O projeto de Lei 1142/20, que ainda espera ser aprovado pelo Senado, é uma iniciativa de lideranças indígenas e parlamentares para conter a pandemia, avançando principalmente com relação ao apoio aos indígenas não aldeados e à organização de conjunto da Sesai para a saúde e também dispõe segurança alimentar das comunidades. É uma iniciativa importante, porém insuficiente para o cenário real das comunidades. Enquanto não enfrentarmos a exploração econômica e a invasão das terras indígenas a fundo, infelizmente os povos estarão ameaçados.

 

AUTO-ORGANIZAÇÃO E AUTODEFESA
Necessidades imediatas para garantir as vidas indígenas

Os indígenas estão mostrando ao país toda sua capacidade organizativa, informativa e de ações efetivas para se defender do descaso e da inoperância criminosa do governo. Infelizmente, isso não basta para impedir a invasão ilegal de seus territórios, incentivada por Bolsonaro, pelas grandes empresas e pelo agronegócio e concretizada por garimpeiros e grileiros.

Muitas são as lideranças ameaçadas ao denunciar esse processo e muitas já são as vidas perdidas. É fundamental apoiar de forma política e material a autodefesa das comunidades indígenas, dialogar e explicar aos não indígenas suas necessidades e fortalecer uma solidariedade ativa que possa concretizá-la.

Defender e lutar pelos direitos dos povos indígenas é tarefa imediata para todos nós que defendemos o “Fora já Mourão e Bolsonaro!”. A defesa permanente da diversidade de culturas e povos deve ser bandeira de todos que buscam uma sociedade sem opressão e exploração entre os seres humanos.