A maioria das mortes por coronavírus no Rio de Janeiro são de pessoas com renda per capita de até R$2.200,00

Omar Blanco, do Rio de Janeiro (RJ)

Bolsonaro, Witzel, Crivella fazem apelos de que estamos no mesmo barco para justificar-se. Desde o dia 6 de março, data em que foi confirmado o primeiro caso e, logo o dia 19 de março no Rio a primeira morte, uma empregada doméstica da periferia da região metropolitana, a Baixada Fluminense, são muitas evidências para entender em que tipo de barco estamos neste município.

No último dia 13, dos 115 óbitos no município, 68 foram pessoas que moravam em bairros com renda per capita de menos de R$ 1.658,00 reais; 15 pessoas tinham rendas até R$ 2.223,00; e os 32 restantes tinham renda de até R$ 5.635,00.

Estamos todos na mesma sociedade capitalista brasileira, algo como o grande Titanic tupiniquim, mas nesse navio nem todos os defuntos são cariocas da gema iguais!

A pandemia demostra isso também!

Da mesma forma que o carnaval é tido como a comemoração mais “democrática” da cultura no Rio de Janeiro, por reunir os mais pobres e os mais ricos nos mesmos cenários urbanos, as ruas. Essa embarcação é simplesmente a metáfora da realidade concreta das classes sociais no capitalismo, com as particularidades do município.

A determinação social na saúde dos trabalhadores e dos não trabalhadores se expressa também nas vidas que se perdem para a Covid-19. E, nas condições de saúde e comorbidades nos trabalhadores que ficam expostos onde trabalham. Mas a doença e os agravos na saúde dos trabalhadores expressam também uma questão ambiental, o ambiente construído para a própria reprodução da força de trabalho, as nossas casas, os bairros. No “capitalismo carioca” é frequentemente associada com fatores metafísicos como o destino.

O prefeito Crivella afirmou “escolha deles” para os que ocupavam áreas de risco não poderiam esperar outro desenlace que não fosse a morte depois das chuvas. Agora ele deve pensar que essas 68 pessoas escolheram não cuidar-se, as comorbidades aumentaram seu risco porque eles mesmos não se cuidam, que não deveriam ir apinhados no transporte urbano, porque aumentariam a exposição e a disseminação do vírus, em últimas, a tendência dele vai ser culpabilizar o morto. Mas do pastor prefeito se pode esperar qualquer coisa!

É necessário reafirmar que as condições materiais – as cidades, os bairros e favelas – são questões ambientais que explicam e determinam, também, os agravos na saúde dos seus habitantes, trabalhadores, desempregados, estudantes, etc. Tanto quanto dos mais pobres como dos mais ricos. É por isso mesmo que não estamos no mesmo barco, a região metropolitana e a própria cidade do Rio de Janeiro é desigual. Os óbitos, infelizmente, são amostra da desigualdade, das classes sociais.

Um mesmo barco?

Não, nem no mesmo beliche, nem no mesmo tipo de camarote. As condições materiais são diferentes para toda a tripulação, nem para todos os passageiros é igual. Dessa metáfora romântica e reacionária, que reivindicam os “cariocas da gema” ricos, é o que temos de tirar como conclusão.

A democracia dos ricos tem implícita essa desigualdade entre as classes sociais porque é uma sociedade em que uma maioria da tripulação trabalha para que o navio funcione e a uma outra minoritária observa pascidamente o mar sem trabalhar.

A maioria das notícias e informações de mortes no município apaga as diferenças e a desigualdade social, para propor a guerra contra o inimigo comum: o vírus. Essas informações usam como anteparo histórias reacionárias para nos culpabilizar, por não manter o isolamento social, a quarentena e com isso aumentar a letalidade da doença. O capitão do navio esquece, propositalmente, que somos obrigados a trabalhar para que o barco não pare. Somos os trabalhadores essenciais, os da saúde pública e privada, os da indústria. Somos os que movemos esse barco! Somos os que mais morremos!

FIGURA 1 – Óbitos Covid-19 [13.04.2020 – Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro]
Observando a Figura 1, pode ser diferenciado como o grupo de mortes mais numeroso, os pontos 5, 17, 26, 20 e 15 está com as pessoas de menor renda per capita – R$361,00; R$581,00; R$949,00; R$1.658,00; e R$2.223,00, respectivamente.

Mais disperso, o grupo de 32 pessoas mortas com renda per capita de R$5.635,00. O gráfico representa a dispersão das vítimas da Covid-19, único fator comum a todos os óbitos. Mas profundamente segregados no número total de falecidos, quando entendemos a realidade que representa a renda e suas condições concretas de subsistência que permite essa renda.

O local onde as 68 vítimas moravam eram áreas residenciais com condições precárias até na própria consolidação urbana e, que por sua vez, são concomitantes com rendas per capita entre R$1.658,00 e R$361,00. Desde Bonsucesso, passando por Piedade, Brás Pina, Curicica, Rocha Miranda, Bangu, incluindo também Rocinha e Vigário Geral, são nomes que lembram consolidação incompleta das infraestruturas urbanas.

Os bairros neste caso são o resto do município que não inclui a Zonal Sul e a Barra da Tijuca. São bairros dispersos e mais estendidos no território com altas densidades de ocupação do solo urbano. São bairros como Rocinha que só estão inseridos geograficamente do lado da chefia da tripulação (Lagoa, Gávea), mas que não muda em nada o caráter do morador da comunidade como moço de convés ou do taifeiro na metáfora do “mesmo barco”.

Um grupo 15 pessoas fica mais agrupado da faixa de renda do grupo dos 68, citado acima. Mas do ponto de vista do suporte físico construído, esses bairros são a transição entre as áreas nobres e o subúrbio com a Tijuca e Recreio dos Bandeirantes.

Num primeiro olhar é possível encontrar um número de 32 mortos em bairros onde moram setores sociais com rendas per capita mais altas na cidade – R$ 5.635,00. Áreas residenciais com características de adensamento de população alta, mas com condições ambientais completas de infraestrutura de serviços públicos básicos, de sistema de saúde privada e pública, com moradia própria e adequada. Nessas áreas estão os bairros como Copacabana, Ipanema, Flamengo e Barra da Tijuca. Olhando de novo, vamos descobrir que essas 32 vítimas são defuntos de outra classe, gente bacana, ali moram os capitães do navio, os oficiais da tripulação, os que fustigam com chibatadas nos navios.

Esses que chamam para a guerra contra o inimigo comum, a Covid-19, não tratam os mortos deles como os nossos.

REFERÊNCIAS
Pessoas moram em área de risco para gastar menos com cocô e xixi – https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/03/02/crivella-areas-de-risco-coco-e-xixi.htm

DJAMILA RIBEIRO. Doméstica idosa que morreu no Rio cuidava da patroa contagiada pelo coronavírus – https://www1.folha.uol.com.br/colunas/djamila-ribeiro/2020/03/domestica-idosa-que-morreu-no-rio-cuidava-da-patroa-contagiada-pelo-coronavirus.shtml

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. R$ – Renda per capita – População Total e Favelas – Bairros – Rio de Janeirohttps://cps.fgv.br/r-renda-capita-populacao-total-e-favelas-bairros-rio-de-janeiro

PREFEITURA RIO DE JANEIRO. Painel Rio COVID-19 – https://experience.arcgis.com/experience/38efc69787a346959c931568bd9e2cc4