Pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que dentre os que apóiam as cotas raciais, a maioria é negra, recebe os menores salários e tem menos anos de estudo. Lamentavelmente, no mesmo dia, César Benjamin, o candidato à vice-presidência pela Frente de Esquerda, deu declarações contra as políticas afirmativas.

Em sua edição de 23 de julho, a Folha de S. Paulo publicou uma pesquisa sobre a posição dos brasileiros em relação às cotas raciais. Feita com 6.264 pessoas acima de 16 anos, a pesquisa revelou que 65% são favoráveis à aplicação desta política nas universidades brasileiras.

Apesar de limitado à proposta que consta do Estatuto de Igualdade Racial (que, por exemplo, prevê cotas de 20%, e não proporcionais à população negra de cada região) – já criticada no Opinião Socialista nº 265 –, o levantamento não só demonstra um posicionamento favorável à ideia das cotas, mas, principalmente, revela que esta opção tem um evidente perfil de raça e classe.

A defesa da proposta é visivelmente maior entre os que ganham até dois salários mínimos (70%), os que têm apenas escolaridade fundamental (70%) e entre os “pardos” (67%), “pretos” (69%) e indígenas (77%). A oposição cresce na mesma proporção em que se aproxima das características da elite brasileira: brancos (que, é preciso destacar, também são majoritariamente favoráveis à proposta), com nível superior e altos salários.

O fato de a pesquisa ter revelado que uma maioria ainda mais significativa (87%) também defende as chamadas cotas sociais – para pobres em geral – foi utilizado por gente contrária às cotas como argumento para tentar desqualificar os números ou realimentar a farsa da democracia racial.

Em entrevista na mesma edição Bolívar Lamounier – cientista político tucano, membro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e um dos signatários do manifesto “Todos têm direitos iguais na República Democrática”, contra as cotas –, ao avaliar os números defendeu que “isso mostra que no Brasil o problema da desigualdade não está colocado em termos de raciais e sim de gente pobre”, acrescentando um argumento que, contudo, não consegue esconder seus preconceitos de classe: as pessoas mais escolarizadas conseguem avaliar melhor questões que exigem “uma reflexão conceitual” e sabem que a adoção de cotas podem trazer implicações graves para o futuro do pais.

Argumento, absurdo, complementado por Yvonne Maggie – professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que também assinou o tal manifesto. Segundo ela, a proposta é indefensável porque “o que as pessoas que são a favor das cotas nos dizem é que este país já é, na prática, dividido”, como se fossem as cotas, e não 500 anos de exploração e opressão, as possíveis responsáveis pelo enorme abismo racial existente neste país (defendido e alimentado, diga-se de passagem, por intelectuais como Yvonne e Bolívar em função da manutenção de seus privilégios).

Ambos defendem que, no lugar de cotas, sejam aplicadas as chamadas “políticas universais”, que abrangessem a todos “pobres e carentes”. O que eles “esquecem” (ou melhor, omitem propositalmente) é que o Estado capitalista não tem disposição política nem projeto (muito menos condições) de desenvolver políticas que incluam o conjunto da população em instituições como as universidades públicas. Muito pelo contrário. Sua lógica é a da exclusão e marginalização permanente e sistemática da maioria do povo. E mais: mesmo se tais políticas existissem, elas não anulariam nem substituiriam a necessidade de políticas específicas para negros e negras.

Uma necessidade que – ao contrário do que defende a maioria do povo pobre e fora das escolas –, César Benjamim e o PSOL também não conseguem enxergar. Como também apareceu na edição de 23 de julho da Folha, o ponto 8 do programa apresentado pelo partido de Heloísa Helena defende “o combate à discriminação racial, mas sem a adoção de cotas para negros em escolas e universidades”. Uma proposta que o candidato à vice-presidência justificou da seguinte forma: “Esse debate deve prosseguir. O racismo, evidentemente, precisa ser repudiado, mas não acho que a adoção de cotas e a criação de identificações raciais seja um bom caminho”.

Nós do PSTU, mesmo compondo e militando pela Frente de Esquerda, não só discordamos inteiramente desta postura como também não a consideramos como parte programática da Frente. Não só porque a defesa das cotas será, sim, feita pelo conjunto dos candidatos do PSTU (negros e não-negros), como também por termos certeza de que entre os militantes do próprio PSOL e dos apoiadores da Frente são muitos os que defendem políticas de ação afirmativa, como as cotas.

Uma defesa que, no nosso entender, tem que ser incorporada por todos os candidatos da Frente – inclusive seus majoritários, como HH e Benjamim. Não só por ser uma reivindicação justa, que corresponde às expectativas dos trabalhadores e jovens deste país, mas também porque a luta pelas cotas precisa ser retomada pelos trabalhadores, pelo movimento negro e pelos revolucionários, para recolocá-la em seu verdadeiro caminho: o da luta por uma sociedade socialista. A única forma possível para, de fato, destruir o racismo e suas nefastas conseqüências.

Conquistar as cotas, mas não parar por aí
Os dados revelados pela pesquisa certamente jogaram mais empolgação entre aqueles que, há anos, lutam pelas cotas e por reparações para o povo negro.
Contudo, mais do que nunca, é preciso não alimentar ilusões tanto no projeto governista – que como já afirmamos várias vezes insere o projeto dentro de seus planos neoliberais (como a Reforma Universitária, que pretende privatizar todo o sistema de ensino) – como na defesa das cotas como “solução final” para o racismo.

Em primeiro lugar, o evidente conteúdo de classe demonstrado pela pesquisa demonstra que esta é uma reivindicação da classe operária, dos jovens da periferia, da população expulsa dos bancos escolares. Verificar isto, contudo, não pode ser uma mera constatação. É necessário envolver estes setores na luta pelas cotas, fazendo com que ela seja incorporada pelos movimentos sindicais, popular e estudantil.

Além disso, é preciso lembrar, a todo momento, que cotas, por si só, não só não resolverão o problema do racismo como também, ao não serem acompanhadas por política classista e revolucionária, poderão (como tantas outras conquistas dos movimentos sociais) converterem-se em instrumentos que nada têm a ver com nossa luta.

Exemplo disto foi o que ocorreu nos Estados Unidos. Lá, a luta pelas cotas foi parte fundamental da poderosa e gigantesca luta anti-racista que mobilizou milhões de norte-americanos, entre as décadas de 50 e 70. Contudo, ao não ser acompanhada por uma perspectiva revolucionária, ou mininamente classista, a conquista, no decorrer das décadas seguintes, foi “assimilada” pelo sistema e utilizada para criar um novo abismo social, separando a grande maioria dos negros de um pequeno setor que beneficiou das cotas e foi cooptado pelo sistema.

Um lamentável e extremado exemplo desta história é Condeleezza Rice, a odiosa e odiada senhora da guerra, a serviço de Bush. Beneficiária das ações afirmativas, Condeleezza tem se utilizado dos postos que alcançou para massacrar e assassinar povos ao redor do mundo, explorar seu próprio povo e oprimir os membros de sua própria raça.

Não estamos dizendo com isto, de forma alguma, que a luta pelas cotas terá este tipo de resultado, mas sim que, para que coisas como estas não aconteçam, é fundamental que este combate seja tomado e dirigido pelos trabalhadores e demais segmentos marginalizados e oprimidos da sociedade. Em outras palavras, que seja incorporado como parte das muitas e necessárias tarefas que o capitalismo nunca vai satisfazer e são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Para tal, por exemplo, é preciso vincular o debate das cotas ao do não pagamento das dívidas externa e interna. Assim como só é possível conquistar moradia, saúde, salários e empregos dignos através do rompimento com o capital imperialista, as políticas afirmativas devem ser implementadas e sustentadas com o dinheiro que, hoje, Lula utilizar para encher ainda mais os bolsos dos banqueiros e empresários.
É também neste sentido que a posição oficial do PSOL é indefensável. Ao dar as costas ao movimento negro, à juventude pobre e aos assalariados, o partido de Heloísa Helena abre espaço para que esta bandeira histórica do movimento fique nas mãos de gente como Lula e seus aliados, inclusive no movimento negro, cujos objetivos todos nós conhecemos: beneficiar alguns poucos e coopta-los para seu projeto neoliberal de sociedade.

Esta é a verdadeira polêmica por trás do atual debate sobre cotas. Não é nem sua negação por parte da elite nem a defesa de uma postura que pretende ocultar as diferenças raciais neste país. O que esta em discussão é a necessidade e a possibilidade de “Defender cotas nos marcos de um programa revolucionário”.