O Senado aprovou, no dia 8 de agosto, o projeto de lei (PLC) 180/2008, que determina políticas de ações afirmativas em todas as universidades e escolas técnicas federais do país. A lei, que já havia sido aprovada pelos deputados e agora só depende da sanção da presidente Dilma, é uma mescla de cotas sociais e raciais.

O projeto
Uma vez sancionada, já no próximo vestibular, 50% das vagas destas instituições deverão ser reservadas para alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Dessa porcentagem, metade será destinada a estudantes que tenham renda familiar de até um salário mínimo e meio (R$ 933,00) por pessoa.

Ainda dentro do universo de vagas destinadas a alunos que vieram das escolas públicas, também serão aplicados critérios raciais: estudantes autodeclarados negros, “pardos” e indígenas terão cotas proporcionais à porcentagem da população de cada grupo nos estados em que vivem, de acordo com os dados do IBGE, não importando a renda per capita do aluno, contanto que ele ou ela tenha cursado escola pública.
Apesar das limitações e contradições que cercam a aprovação da lei, é evidente que ela implicará numa significativa e bem vinda mudança na composição social e racial dos institutos de ensino federais, principalmente nas universidades.

Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, por exemplo, revelou que nas 59 instituições federais há 52.190 vagas reservadas a cotistas, de um total de 244.263. Com a lei aprovada, este número poderá aumentar em até 134%, elevando as vagas destinadas a cotas sociais e raciais para cerca de 120 mil estudantes.

Não temos dúvidas de que esta mudança ainda está muito distante do modelo – tanto social quanto racial – de universidade que precisamos. Mas é, inegavelmente, uma importante conquista, mesmo que parcial, do movimento negro e seus aliados (e não uma “dádiva” do governo, como a história tem sido vendida) que há décadas, literalmente, luta por uma política de cotas. O projeto também é o reconhecimento institucional de que o racismo é um obstáculo concreto também na educação.

Contra as cotas, só os racistas!
Esta foi a principal palavra de ordem utilizada por entidades do movimento negro, estudantil e popular de São Paulo, no dia 13 de maio, durante uma ocupação “simbólica” da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

No decorrer das últimas décadas, quando o movimento negro levantou a bandeira das cotas, diversos setores da sociedade, de intelectuais conservadores e o grosso da burguesia nacional se levantaram para defender seus privilégios e manter esta situação.
No interior das universidades, o que tem prevalecido, é a oposição às cotas em nome de uma pretensa defesa da “qualidade de ensino” e do critério do “mérito” para se ter acesso ao ensino superior.

Desculpas à parte, o que se encontra por trás da rejeição só pode ser chamado de racismo, como também a motivação não tem outra origem senão no desejo de manter as “cotas” que sempre existiram neste país: a reserva de vaga para os filhos da burguesia e da parcela mais endinheirada da classe-média, a maioria deles brancos.

Outros opositores das cotas foram ainda mais claros, como Cláudio de Moura Castro (assessor de um dos maiores grupos de ensino privado do país, o Positivo) que em entrevista ao portal da revista “Exame” foi categórico em afirmar que a situação das universidades irá “piorar”, principalmente em termos da qualidade, principalmente em áreas como “medicina, engenharia, direito”, onde, pela lógica rasteira e obtusa do “doutor em Educação”, os professores, com a entrada dos cotistas, terão que “reprovar maciçamente ou baixar o nível”.

A burguesia e reacionários em geral perdem a compostura com a simples possibilidade de que negros e negras carreguem o diploma de “doutores”, cujo monopólio tem sido mantido pela elite branca deste país.

Posição que, talvez, tenha ganho sua versão mais “honesta” em um editorial publicado por um principais porta-vozes da burguesia nacional , a “Folha de S. Paulo”, no dia 31 de julho: “Universidades federais perdem o foco com greves e cotas, quando deveriam dedicar-se a forjar uma elite de docentes para o país” , o que estaria colocando as instituições sob “sérias ameaças”, na medida em que “obriga” as universidades a “destinar número tão grande de vagas com base em algo diverso da capacidade acadêmica do candidato”.

Limites e contradições
Em termos raciais, assim como a Secretaria de Negros e Negras do PSTU e o Quilombo Raça e Classe (movimento negro que atua no interior da CSP-Conlutas), várias organizações sempre defenderam a aplicação de cotas diretamente proporcionais à população racial e totalmente desvinculadas das cotas sociais.

O PLC, no entanto, reduz a um quarto a representação a que negros e negras têm direito, na medida em que, na prática, a porcentagem será considerada em relação à metade da metade das vagas. Vale lembrar, também, que a lei prevê que a medida será aplicada apenas por dez anos (prazo duvidoso para eliminar o enorme abismo que existe entre negros e brancos no interior das universidades). Também dá um prazo de quatro anos para que as universidades se adaptem ao sistema.

Outro exemplo de que o governo tem uma política a conta-gotas no que se refere ao combate ao racismo, particularmente na Educação, é sua completa falta de iniciativa (reafirmada pelo projeto aprovado) de impor políticas de ações afirmativas nas universidades privadas, exatamente onde se encontram a enorme maioria (cerca de 80%) dos estudantes.

No caso das estaduais (que estavam previstas no projeto original) o caso é particularmente grave. Em São Paulo, USP resiste ferozmente a qualquer tipo de ação afirmativa e a Unicamp e tanta outras mantém políticas que resultam em ínfimas porcentagens de negros e estudantes oriundos de escolas públicas em seus projetos de “inclusão”.

Além disso, o projeto não prevê mecanismos de permanência (como bolsa de alimentação, moradia e transporte) nem políticas de nivelamento acadêmico (que possam amenizar as deficiências da escola pública, enormemente sucateada exatamente em função das políticas neoliberais do governo).

Afinal, ter uma legislação que prevê uma maior entrada de negros e pobres nas universidades pode se transformar em letra morta, já que são estes mesmos setores que estão sujeitos a situações sociais tão precárias que os distanciam ainda mais dos portões das universidades.
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