Foto: Gláucio Dettmar / CNJ
Hertz Dias

Membro da Secretaria de Negros do PSTU e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha

Hertz Dias

O novo coronavírus já saiu dos condomínios de luxo e chegou nas periferias. Daí que, para chegar nos presídios, foi um passo. Em Bagé (RS), já tem caso confirmado, e o estrago poderá ser devastador em todo país.  Lembrem-se de todas as orientações que a OMS (Organização Mundial de Saúde) tem feito para conter o vírus e olhem para o fundão das cadeias; é o extremo oposto.

Lá as lágrimas se misturam às fezes e urinas espalhadas pelo chão. Tomar água tratada e lavar as mãos é um privilégio.  O que o Estado chama de sanitário é um buraco no chão onde os presos depositam suas “necessidades”. Como evitar o contato entre pessoas em celas feitas para 12 que comportam 50? Ventilação nesse inferno também não tem.

Nessas prisões quase 800 mil pretos e favelados esperam a chegada do novo coronavírus. Não resta dúvida: essa bomba humana pode explodir, seja com a proliferação da Covid-19, seja para impedir que ele se prolifere.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, está pagando para ver. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo afirmou que “não podemos, a pretexto de proteger a população prisional, vulnerar excessivamente a população que está fora das prisões“. Um populismo desvairado que joga com a sensação de insegurança da população para deixar com que essa bomba humana exploda a qualquer momento.

Para se ter uma noção do perigo que as cadeias representam para a proliferação do novo coronavírus, vamos comparar com a tuberculose.

A transmissão dessa doença é parecida com a do novo coronavírus e atinge os órgãos respiratórios. Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil em 2018 foram registrados mais de 10 mil presos afetados por tuberculose, mais ou menos mil contaminados dentro das próprias cadeias, um número 35 vezes maior do que as transmissões entre a população em liberdade. Se considerarmos essa mesma proporção para o novo coronavírus, a conclusão óbvia é que as prisões precisam de uma centelha para explodir em contaminação.  Para piorar, lembramos que no Brasil existem 250 mil presos com algum tipo de doença.

Faça as contas: se a Covid-19 contaminou 23 das 45 pessoas bem higienizadas e alimentadas que acompanharam Jair Bolsonaro nos Estados Unidos, imaginem o que não fará num confinamento insalubre, superlotado, sem ventilação e com tantas outras epidemias pré-existentes como a tuberculose? Insistimos: o fracassado sistema prisional é em si um perigosíssimo vetor de proliferação do novo coronavírus, e, portanto, de uma tragédia anunciada.

Sabedor disso, Sergio Moro aguarda sadicamente o vírus chegar nas cadeias. Ignora que pelas prisões entram e saem milhares de pessoas toda a semana, inclusive o seu corpo de funcionários. Todos, e não é somente os presos e seus familiares, entrarão como pólvora desse barril.

Para citar um exemplo, na China quando foram descobertos 200 presos infectados na prisão de Rencheng, em Jining, na província de Shandong, 7 guardas desta prisão já haviam contraído o vírus. Como resultado, o Secretário de Justiça de Shandong, dois altos funcionários e 5 funcionários foram demitidos

Isso não quer dizer que a ditadura capitalista da China esteja mais preocupada com seus presos do que o governo miliciano do Brasil, mas, sim, porque as autoridades chinesas se deram conta do perigo que isso representava para o conjunto da população.

A mão amiga do PT estendida aos milicianos de plantão

Segundo Sérgio Moro, “alguns fazem a proposta de soltar todos os presos que não tenham sido condenados por violência ou grave ameaça. Estamos falando de todo tráfico de drogas, basicamente. Grande parte dos grandes traficantes foram condenados só por tráfico. E vamos soltar todos os traficantes do país?”. Mas, quem são os “grandes traficantes” para Moro?

Infelizmente, são os mesmos previsto na Lei Antidrogas (11.343) sancionada por Lula em 2006. Essa Lei permite ao agente policial determinar no “tribunal das ruas” quem é e quem não é traficante. Se a pessoa é negra e desempregada, certamente será condenada, tudo isso sem precisar de testemunhas. Já o juiz, aquele do naipe de Moro, pode levar em consideração o território onde a pessoa se encontra e a necessidade ou não “para traficar”. Três papelotes em Paraisópolis é tráfico, 10 no Morumbi é para consumo!

Em 2005, antes da “lei petista” entrar em vigor, o número de pessoas apenadas por relação com o tráfico no Brasil era 14%. Em 2016 esse número foi elevado para 28%, simplesmente 201.600. Entre as mulheres, negras e faveladas, evidentemente, esse percentual cresceu 682% no mesmo período (levantamento Nacional de Informações Penitenciária, Infopen, 2016).

Jéssica Monteiro, jovem negra presa em São Paulo por portar 90 gramas de maconha e que teve filho dentro da cela, é parte dos “grandes traficantes” que o governo petista encarcerou ou ajudou a encarcerar. Ela só conseguiu prisão domiciliar porque seu caso ganhou grande repercussão. Mas milhares de “Jéssicas” continuam mofando em celas insalubres a espera do coronavírus, caso dependa de Moro.

O ex-juiz fecha a cara para a favela, à espera da realização do projeto de limpeza racial do governo Bolsonaro, mas também para manter o lucro das empresas de Segurança Privadas que faturam bilhões às custas da insegurança social e do encarceramento em massa. De modo que, inverter o fluxo da população carcerária significaria fechar a torneira do dinheiro público que jorra para os donos dessas empresas, assim como enfraqueceria a “bancada da bala” que faz política com a desgraça alheia.

Nós do PSTU defendemos uma política urgente de desencarceramento para desativar essa bomba “H” que é a expressão da degeneração do próprio capitalismo (veja aqui nosso programa). Devemos tomar essas medidas também para impedir que essa hecatombe potencialize a proliferação da covid-19 nas periferias, que, como vimos, não são ambientes tão isolados assim uns dos outros.

Quem deve mofar atrás das grades são os políticos corruptos que insistem manter o bilionário fundo eleitoral e o fundo partidário, enquanto oferecem esmolas aos trabalhadores desempregados e informais. O mesmo serve para os banqueiros que seguem exigindo que a cota de quase 44% do orçamento público continue caindo em seus cofres, enquanto a periferia padece sem o mínimo de condições de higiene e hospitalares.

Para que isso aconteça a periferia tem que explodir em rebeliões junto com a classe operária para por abaixo o governo Bolsonaro e comece a libertar as milhares de “Jéssicas” para cada Queiroz condenado!