Imigrante teve o muro pichado no interior de SP
Maria Vitória, do Rebeldia (PR)

Maria Victória R. Ruy

O racismo contra asiáticos e seus descendentes tem se aprofundado no mundo todo desde o início da pandemia da Covid-19. O pânico que a crescente da epidemia desperta, e a desinformação que a acompanha, fazem emergir um tipo de discriminação que já existia, mas que, com o acirramento da situação, toma forma de ataques cada vez mais explícitos e violentos.

Na Itália, no Reino Unido e na França – países atingidos pela pandemia logo após a China – ataques racistas contra asiáticos e seus descendentes se tornaram frequentes. Em Londres, um estudante de Cingapura foi espancado por um grupo de homens que dizia “nós não queremos o coronavírus aqui”. Na Itália, ainda no início de fevereiro, um garoto sino-italiano e um homem filipino foram espancados e em ambos os casos os agressores diziam que eles estavam “trazendo o vírus pra cá”. Alunos de descendência asiática foram proibidos de frequentar as aulas de um importante conservatório italiano.

Sino-italianos e ativistas relacionam os ataques a postagens de ódio feitas por políticos da extrema-direita nas redes sociais. O grupo Forza Nuova chegou a espalhar cartazes pedindo o boicote aos restaurantes e lojas chineses. Na França, para combater a discriminação os sino-franceses lançaram a campanha #JeNeSuisPasUnVirus” (“Eu não sou um vírus”), que rapidamente se espalhou pelo mundo.

Nos Estados Unidos, pesquisadores e ativistas asiático-americanos observaram um aumento de 50% nas notícias sobre coronavírus e discriminação contra asiáticos entre o início de fevereiro e o início de março. No entanto, o número real é certamente maior, uma vez que nem todos os casos são notificados pela mídia.

Mais uma vez, há uma série de relatos de ataques verbais e físicos contra asiático-americanos – uma família de origem chinesa, incluindo duas crianças, foi esfaqueada no Texas. Enquanto isso, o presidente Trump insiste em chamar o coronavírus de “vírus chinês”, legitimando todos esses ataques e sendo imitado por seus seguidores, entre eles seus lacaios brasileiros: os Bolsonaros.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro publicou em 18 de março um tweet que responsabilizava diretamente a China pela epidemia de Covid-19, desencadeando uma crise diplomática com o principal parceiro comercial do país. De tão grave, a acusação foi repudiada pelo perfil da Embaixada da China no Brasil no Twitter, que classificou as palavras do deputado como “extremamente irresponsáveis”. No dia seguinte, a hashtag #VirusChines foi a mais twittada no Brasil, sendo levantada por robôs da rede bolsonarista e acompanhada de publicações xenófobas e racistas.

Há meses os asiático-brasileiros já percebiam uma piora na discriminação racial e, no último período, essa tendência se mantém. À medida que a epidemia chega ao país – e que figuras públicas como Eduardo Bolsonaro ou o Movimento Brasil Livre (MBL) culpabilizam a China e os chineses pelo surgimento do vírus – os ataques no mundo real se tornam mais violentos. Em São Paulo, no dia 15 de março uma senhora descendente de asiáticos foi jogada no chão e chutada por um homem que a considerou chinesa e transmissora do vírus. Numa cidade no interior de São Paulo, uma imigrante teve a casa pichada com a palavra “vírus”. Muitos asiático-brasileiros temem sair às ruas e evitam fazê-lo desacompanhados, tamanho o aumento de insultos nos últimos dias.

A burguesia e extrema-direita utilizam o racismo para nos dividir

A responsabilização dos chineses pelo vírus é equivocada. De início, se culpava a cultura e os hábitos “primitivos e sujos” dos chineses pelo surgimento da doença. Agora, corre a história de que o Covid-19 teria sido propositalmente desenvolvido pela China para sabotar os demais países. De fato, o primeiro registro do novo coronavírus foi em Wuhan, província da China, mas seu surgimento e disseminação é resultado da devastação ambiental, que destrói biomas onde habitam espécimes que hospedam esse vírus em seus organismos,  e do grande adensamento populacional e animal sem condições sanitárias básicas.

Estes elementos, entretanto, não estão presentes apenas na China, mas no mundo todo – são consequências do sistema capitalista, e não de uma cultura ou de uma etnia ou raça. A H1N1, mais conhecida como gripe suína, e que matou cerca de 575 mil pessoas, teve origem em fazendas de suinocultura nos Estados Unidos e nem por isso foi chamada de “gripe norte-americana” ou “gripe estadunidense”.

A ideia de que apenas chineses ou descendentes de chineses (que nunca nem pisaram na China) transmitem o vírus é ainda mais absurda, inclusive porque, ironicamente, os primeiros casos confirmados de Covid-19 no Brasil vieram da Itália, e não da China. Não à toa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta que não se associe uma doença a uma nacionalidade ou etnia, pois essa vinculação, além de motivar o racismo e a xenofobia, atrapalha a prevenção.

Em síntese, a associação do Covid-19 com a etnia chinesa é fruto do medo, da desinformação, das fake news mas, acima de tudo, da política racista e calculada de políticos de extrema-direita como Donald Trump e da família Bolsonaro!

O Brasil enfrenta as primeiras semanas de combate à epidemia, e os brasileiros já sofrem com a incerteza sobre suas vidas, de seus familiares e com o agravamento da crise econômica. Neste clima de tensão e profunda imprevisibilidade, canalizar essa angústia para o ódio contra os chineses vai resultar em agressões cada vez mais brutais contra a comunidade asiática-brasileira, que vai pagar o preço pelas declarações discriminatórias e sem fundamento da família Bolsonaro, e propagadas pelos seus seguidores.

Um outro prejuízo dessa justificativa para a pandemia é que ela distorce a realidade a serviço da burguesia e do imperialismo – e esse preço todos nós vamos pagar. Acreditar que a transmissão generalizada do Covid-19 é culpa de uma etnia significa ignorar as reais causas desse caos instaurado: a natureza assassina do capitalismo e a ganância dos grandes empresários em manter os funcionários de atividades não-essenciais trabalhando, sem direito à quarentena, e a covardia dos governos em não enfrentar estes empresários; a carência mundial de saneamento básico e a exploração sem escrúpulos da natureza. Não é à toa que Trump e os Bolsonaros embarcaram nessa de jogar a culpa na China –  isso distancia olhos e ouvidos dos reais problemas, sendo eles mesmos uma boa parte desse problema. Fazem um uso consciente do racismo para acobertar a tragédia de seus governos, jogando os trabalhadores do mundo uns contra os outros.

Bolsonaro deu a prova máxima do seu comportamento criminoso nesta última terça-feira, quando foi a público orientar a população a abandonar as orientações médicas de distanciamento social e retomar suas atividades normais, dizendo que o Covid-19 não passa de um “resfriadinho”. Tirar Bolsonaro da presidência é uma medida sanitária urgente! Esperar até 2022, como defendem certas direções “de esquerda” e dos movimentos sociais, é um crime. Para sobreviver à pandemia, o que Brasil precisa é parar todas as atividades não-essenciais, garantir estabilidade no emprego e licença remunerada, extensão do seguro-desemprego  e salário para os todos os que trabalham por conta própria!

Chega do mito da minoria modelo!

Por fim, para os asiático-brasileiros essa experiência já serve de lição sobre a fragilidade do mito da minoria modelo, isto é, da exaltação dos asiáticos como essencialmente inteligentes, bem-sucedidos e disciplinados, em contraposição aos negros (que, nesta lógica racista, seriam o contrário de tudo isso). Este mito, racista na sua essência por atribuir características inatas aos amarelos e por ser instrumento para o racismo contra os negros, é muitas vezes reproduzido pelos próprios asiático-brasileiros, pois aparenta trazer vantagens. Vemos agora que essa ilusão acaba rápido, e a discriminação contra asiáticos cresce rapidamente diante do conflito – que neste caso é a epidemia do Covid-19, mas poderia ser qualquer outro. Agora os asiático-brasileiros experimentam uma parcela ínfima do que sofre diariamente e há séculos o povo negro. Para nós asiático-brasileiros o combate ao mito da minoria modelo e a aliança antirracista são a tarefa mais urgente, anterior mesmo à denúncia das discriminações que sofremos.

Uma outra lição que fica é a dos limites de classe na luta antirracista. Desde o início da epidemia, o Ibrachina (Instituto Sociocultural Brasil China) vem tocando uma campanha de conscientização sobre a transmissão e de denúncia à discriminação contra chineses e seus descendentes, chegando a oferecer assistência jurídica às vítimas. Assim, o Ibrachina obteve reconhecimento por parte de grandes jornais e por alguns asiáticos-brasileiros também. Curiosamente, logo após o tweet de Eduardo Bolsonaro, o Ibrachina lançou uma nota de repúdio genérica, que condena “qualquer ataque discriminatório à comunidade chinesa” e lembra os esforços do governo chinês em ajudar os outros países. Nem sonha em mencionar o nome dos Bolsonaros, por mais que a atitude do deputado federal tenha sido gravíssima para a pauta. Também não emitiu qualquer repúdio ao pronunciamento catastrófico do presidente.

O fundador e atual presidente do Ibrachina é o advogado Thomas Law. Filho de um empresário chinês que já foi preso por suborno e acusado do contrabando, Thomas Law acompanhou a viagem oficial do presidente Bolsonaro à China e tenta se projetar como liderança da comunidade chinesa, tentando engatar uma carreira política. Um projeto que vem tentando alavancar é o de construir uma Chinatown em São Paulo, que é basicamente um projeto de higienização da cidade – praticamente uma ofensa às Chinatowns originais, em sua maioria resultados da guetificação dos imigrantes chineses pobres. O aparente engajamento do Ibrachina na luta contra a discriminação se deu só até onde começam os interesses burgueses aos quais serve o Instituto.

Referências:

Coronavírus e o racismo contra chineses e asiáticos

https://www.pstu.org.br/coronavirus-e-o-racismo-contra-chineses-e-asiaticos/

Michael Roberts | Coronavírus: a natureza revida

https://www.pstu.org.br/michael-roberts-coronavirus-a-natureza-revida/

Robôs levantaram hashtag que acusa China pelo coronavírus

https://apublica.org/2020/03/robos-levantaram-hashtag-que-acusa-china-pelo-coronavirus/

Pandemia de coronavírus gera surto de racismo contra asiáticos

https://noticias.r7.com/internacional/pandemia-de-coronavirus-gera-surto-de-racismo-contra-asiaticos

Coronavirus prompts ‘hysterical, shameful’ Sinophobia in Italy. https://www.aljazeera.com/news/2020/02/coronavirus-prompts-hysterical-shameful-sinophobia-italy-200218071444233.html

Spit On, Yelled At, Attacked: Chinese-Americans Fear for Their Safety

https://www.nytimes.com/2020/03/23/us/chinese-coronavirus-racist-attacks