Coretta King

Viúva de Martin Luther King e, assim como ele, defensora de uma hiper-questionável perspectiva de “mudança social sem violência”, Coretta morreu no dia 31 de janeiro, depois de dedicar quase toda sua vida à preservação da memória do marido e à luta pelos Morta aos 78 anos de idade, Coretta King teve sua vida marcada pelo racismo, pela luta pelos direitos civis e, acima de tudo, pelo legado de seu marido, o reverendo Martin Luther King Jr., assassinado a tiros em 1968.

Coretta nasceu em 27 de abril de 1927, na miserável zona rural do racista estado do Alabama, onde ela cresceu colhendo algodão e trabalhando em serviços domésticos. Ainda na infância viu sua casa incendiada por racistas e conviveu, cotidianamente, com o discriminação e a violência racial, como ela relatou em sua autobiografia “Minha vida com Martin Luther King Jr.”: “Todo sábado eu ficava sabendo que um homem negro havia sido espancado e nada fora feito em relação a isto”.

Seu casamento com Luther King aconteceu em 1953 e, apesar de sempre ter assumido um papel maior nos bastidores, ela esteve presente em todos as grandes manifestações do movimento pelos direitos civis, tendo também participado de importantes eventos relacionados aos direitos das mulheres e contra a Guerra do Vietnã.

Depois do assassinato de seu marido (em 4 de abril de 1968), Coretta (mãe de quatro filhos pequenos, na época) dedicou-se quase que integralmente à preservação de sua memória, liderando o movimento para criar um feriado em sua homenagem (que, desde 1983, é celebrado na terceira segunda-feira de janeiro, data próxima ao nascimento de Luther King – 15 de janeiro de 1929) e à construção de um memorial, o “Centro Martin Luther King Jr. Para a Mudança Social sem Violência”.

Uma mulher de fibra
Apesar de, aparentemente, ter vivido na sombra de Luther King, Coretta foi uma mulher de posicionamentos firmes. Sua postura independente ficou explícita na época de seu casamento quando, para a surpresa de amigos e familiares, ela exigiu que a promessa de obedecer ao marido fosse retirada dos votos de casamento.

Em 1955, participou ativamente do movimento de boicote aos ônibus segregados de Montgomery ( veja artigo sobre Rosa Parks). O episódio e sua repercussão, que guindaram Luther King á posição de principal líder negro daquele período, lhe custaram não somente uma vida extremamente atribulada (marcada por mudanças constantes e instabilidade), como uma tentativa de assassinato: em 1958, ela foi esfaqueada enquanto autografava livros no Harlem, em Nova York, em 1958.

Como todas as mulheres que acabam se envolvendo em algum tipo de militância, Coretta ainda teve que combate o machismo “domiciliar”. Como lembrou em uma entrevista concedida ao “The New York Times”, em 1982, o próprio Luther King repelia a idéia de que ela participasse mais ativamente do movimento: “Martin era uma personalidade muito forte, e, de várias maneiras, tinha idéias muito tradicionalistas sobre as mulheres. (…) “Ele dizia: `Não tenho escolha. Tenho que fazer isso, mas você não foi chamada`. E eu lhe respondia: `Será que você não entende? Você sabe que eu tenho uma necessidade de servir exatamente como a sua“`.

Apesar disto, Coretta cavou seu próprio espaço dentro do movimento, principalmente através dos mais de 30 “Concertos pela Liberdade”, que organizava e nos quais discursava, lia poesias e cantava para aumentar a consciência e arrecadar verbas para o movimento de direitos civis.

Nas primeiras manifestações depois da morte de Luther King, Coretta se restringiu a repetir os discursos dele. Contudo, principalmente a partir do final da década de 60, ela começou a agregar suas próprias idéias e preocupações. Em um célebre discurso, por exemplo, em 19 de junho de 1968, ela enfatizou: “Unam-se e formem um bloco sólido de poder feminino para combater os três grandes males, que são o racismo, a pobreza e a guerra.“

Nos anos seguintes, ela fez parte da direção da Organização Nacional das Mulheres e da Conferência das Lideranças Cristãs Sulistas e transformou-se em um referência internacional no combate ao racismo, particularmente a partir de sua enfática denúncia do apartheid, então em pleno vigor na África do Sul.

Polêmicas também fazem parte de sua trajetória
Apesar do enorme respeito que a cercava – ela era conhecida como “a primeira dama dos direitos humanos” -, Coretta não ficou isenta de críticas. Dentro do próprio movimento negro norte americano, o principal foco sempre foi em relação à seu distanciamento do ativismo e, principalmente, ao excesso de culto à personalidade do marido, expresso particularmente no Memorial, que se concentra muito mais na vida do dirigente negro do que na importância e continuidade de seu trabalho.
Também não faltaram críticas quando ela posicionou-se pela absolvição de James Earl Ray, apontado como assassino de Luther King, apesar de que ela, com esta postura, procurava aprofundar as investigações para chegar aos mandantes do crime.

Já de um ponto de vista socialista, as críticas a Coretta são as mesma que fazemos a Luther King: a oposição equivocada por uma luta contra o racismo sem a ruptura com o sistema capitalista e a ilusão na “mudança social sem violência”.

Polêmicas e diferenças políticas à parte, Coretta King é símbolo inquestionável de mulheres negras que, diante de um mundo racista e machista, não se curvaram nem se abstiveram de assumir um papel na luta de frente do movimento social.
Uma história que, por si só, já merece nossa homenagem.