A sindicalista egípcia Fatma Ramadan

Fatma Ramadan é presidente do Sindicato Independente dos Trabalhadores de Giza , membro do comitê de direção da Federação dos sindicatos independentes do Egito e membro do Partido da Renovação socialista do Egito, filiado à Aliança Popular SocialistaComo vê a situação política do Egito no momento, mais de um ano depois da Revolução que, em janeiro de 2011, depôs a ditadura de Hosni Mubarak?
Fatma Ramadan – A população sofre com a presença da Junta Militar ainda no poder, que representa o antigo regime. Há duas tendências dentro do país: a das pessoas que querem a continuidade da revolução e estão sendo atacadas pelos militares e outra parte, que constitui o próprio sistema, a direita e os contrarrevolucionários, e que obviamente não desejam mudanças.

Houve uma tentativa clara da Junta, com a ajuda da Irmandade Muçulmana, de tentar mudar o eixo da revolução, tentar tirar a população das ruas e encerrar os protestos, desviando a atenção das eleições para presidente, agora entre junho e julho, pois o objetivo dos militares é justamente o de diminuir o máximo possível a participação popular no processo eleitoral. De outro lado, temos os grupos políticos do Egito, independentemente da sua filiação política e do seu lugar dentro do arco ideológico, pretendem continuar o processo da revolução até conseguir os objetivos principais que ainda não atingiram. Um das grandes lideranças neste processo de levar adiante a revolução está na juventude egípcia, que tem a coragem de lutar e enfrentar os militares. São os grupos que estão na Praça Tahrir, diante do Congresso, do Minsitério da Defesa, na Mahomed Mahmud.

(Observação da entrevistadora) Fatma diz que, no entanto, há erros de cálculo e de estratégia entre estes grupos, pois eles acham que podem derrubar a Junta pela força, pela violência. Por isso ela acredita que os partidos de esquerda, os sindicatos e outras organizações devem ficar ao lado da juventude nas praças e nas ruas e tentar conscientizá-la sobre a situação e a correlação de forças e, ao mesmo tempo, mostrar que as eleições não vão de fato mudar nada, não vão mudar o sistema. “Mas é importante ficar ao lado deles, dos jovens, pois a única solução para o Egito no momento é continuar a revolução”.

Fatma fala sobre as lutas sociais e as lutas políticas. No Egito, elas caminham separadas, quando, segundo acredita, deveriam convergir para um ponto e uma luta em comum. “Nós, e todas as lideranças e movimentos com base nas ruas no Egito, precisamos participar e buscar soluções em conjunto como no caso da falta de gás, por exemplo, que é um dos mais sérios problemas da população, pois neste momento as pessoas lidam com eles individualmente”. De acordo com Fatma, as lideranças políticas devem esclarecer que a causa maior da falta de solução deve-se ao fato de que o regime não mudou ainda, pois a junta continua no poder. “Esta conscientização tem que se dar em toda a sociedade egípcia, entre os trabalhadores e dentro dos sindicatos e não apenas na Praça Tahrir e nas ruas”.

Qual a relação da Irmandade Muçulmana com as lideranças revolucionárias de esquerda?
Depois de 25 de janeiro houve conversas, houve diálogo, mas quando a Irmandade não condenou com a devida veemência os ataques e as mortes no Estádio de futebol em Port Said, exonerando da culpa a Junta em si, e dizendo que a responsabilidade cabia aos “remanescentes do antigo regime”, as conversas ficaram praticamente suspensas. Mas dentro da Irmandade existem duas correntes que muitas vezes têm opiniões diferentes entre si. A base formada pela juventude não raro vai contra as orientações da liderança. Isso ficou bem claro nos maciços protestos de sexta-feira, 20 de abril, com a presença da Irmandade, dos salafistas e grupos revolucionários, que propiciaram a retomada das relações. “Mas são muito claras as divergências de opinião entre as bases e as lideranças da Irmandade e às vezes os jovens vão contra as decisões da cúpula”.

Qual foi e qual é o papel da mulher na revolução e na construção da nova ordem social, levando-se em conta que elas formam uma bancada ínfima (2%), quase insignificante dentro do Parlamento Egípcio, de 508 membros?
A atuação das mulheres começou bem antes da revolução, teve início em 2000, nas questões internacionais como a invasão do Iraque, por exemplo, embora na época de Mubarack o regime tenha tentado minimizar a importância e ignorar o peso das mulheres. Tentaram também intimidá-las durante a revolução com uma série de atos abusivos e violentos como, por exemplo, a realização de exames de virgindade em quem protestava na Praça Tahrir, numa tentativa clara de difamá-las e apresentá-las como prostitutas e não como parte da luta revolucionária. Mas mesmo depois do 25 de janeiro, elas não têm representatividade concreta no Congresso, nos Ministérios nem em outros espaços do aparato de governo. E pior do que isso, onde há mulheres, estas são ainda do tempo de Mubarack, praticamente não há mulheres revolucionarias nos postos chaves do país. “No Parlamento, há mulheres que representam a Irmandade muçulmana, mas que não têm papel, não têm histórico na luta contra a ditadura. A situação torna-e ainda mais grave quando falamos do campo, das áreas fora dos centros urbanos. Aí a presença das mulheres é nula”.

Nas greves gerais de Mahallah, sua participação foi inquestionável, assim como nas greves da Receita Federal, que coleta os impostos, nos transportes públicos e na fabricação de cigarros. Contudo, há uma forte resistência contra a presença de mulheres nos postos mais altos da hierarquia na Central dos Trabalhadores Independentes, que vetou um sistema de cota obrigatória. Mesmo assim, foi aprovada a entrada de dois jovens e duas mulheres, mas segundo Fatma, falta consciência sobre a necessidade de mais mulheres nos postos de liderança. Na sociedade como um todo, nas instituições de governo, a mulher revolucionária não está representada.

Qual a importância deste Congresso e como avalia a da sua participação?
“A princípio, encontrar delegados do mundo inteiro que lutam contra o imperialismo, que apoiam o direito dos índios e discutem os acidentes de trabalho e o problema dos sem-teto, unindo os objetivos, os eixos sociais e políticos, é uma ideia muito boa para levar ao Egito como proposta de luta”.