Em poucas horas, chuvas provocam mais de 70 mortes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, principalmente nos morros e favelas. Número de mortos sobe a cada momento, e cidade vive dia de caos, totalmente paralisada“Não há sistema de drenagem que dê jeito na chuva que caiu no Rio desde ontem, mas precisamos de algumas reformas estruturais.” Esta foi a afirmação do secretário municipal de Conservação do Rio de Janeiro, Carlos Roberto Osório. Já o prefeito Eduardo Paes apelou para que a população ficassse em casa. Na TV, alertou: “não adianta ligar para a defesa civil, não podemos fazer nada”.

Do governador Sergio Cabral, até horas depois do início das chuvas, não se tinha notícia. Nenhum pronunciamento da máxima autoridade do Estado. Lula, no Rio para inaugurar uma obra, saiu-se com uma declaração evasiva, como se fosse apenas mais um brasileiro lamentando a tragédia.

Essa foi a primeira reação das máximas autoridades: prefeito, governador e presidente da República, os verdadeiros responsáveis pela situação. No final da manhã, finalmente, Sergio Cabral apareceu. Para variar, mais um a pedir calma e tranquilidade à população.

Seria cômico se não fosse trágico. Ano eleitoral, casas alagadas, casas caindo, gente ilhada nos ônibus, dezenas de mortes, e o governador aproveitou para fazer propaganda de obras do PAC e bajular o presidente da República. Nenhuma medida concreta para diminuir o sofrimento das pessoas ou evitar novas tragédias.

Começou por Cabral jogar a culpa nas vítimas, afirmando que as pessoas morrem vítimas de deslizamento por morarem em áreas de risco. “É uma irresponsabilidade morarem aí. Essas pessoas estão cometendo quase que um suicídio. É um comportamento irresponsável dessas pessoas”, disse como se não tivesse responsabilidade sobre o que está ocorrendo.

Culpa da natureza?
As imagens são terríveis. Mortos, casas destruídas, ruas que viraram rios. Pessoas nas ruas presas em ônibus, isoladas embaixo de marquises. Muitos ilhados desde a noite anterior. Milhares caminhando sobre linhas férreas.

Os meios de comunicação tentam, a todo custo, vender a imagem de que a natureza é a única responsável. Insistem na velha conversa de que seria a maior chuva da história e lembram as chuvas de 1966. Ora, foi o mesmo argumento usado no temporal anterior. O mesmo velho argumento das chuvas anteriores, dos governos anteriores.

Não é difícil imaginar o ex-governados Garotinho ou o ex-prefeito Cesar Maia utilizando esses mesmos argumentos ou variações sobre o mesmo tema. O concreto é que também nada fizeram para começar a solucionar os problemas.

Ainda que tenha chovido mais do que choveria em todo o mês, a natureza não pode ser a única explicação para o tamanho do caos. Por que ocorreram dezenas de mortes, que rapidamente podem atingir uma centena? Por que estes mortos estao em sua absoluta maioria nos lugares mais pobres da cidade? Por que a maioria é negra?

Culpar a natureza é fazer o mesmo dos que apresentam o terremoto do Haiti e seus 100 mil mortos como um grande desastre natural, sem considerar que a causa de tantas mortes está na miséria em que o país está submetido há mais de um século.

No Rio, todos são responsáveis. Até mesmo porque Eduardo Paes estava ontem com Cesar Maia, Sergio Cabral com Garotinho e, hoje, todos estão com Lula.

O que eles dirão, nós já sabemos. Dirão que a culpa é das vítimas. As reportagens e declarações governamentais vão afirmar que o lixo da população é responsável pelos alagamentos. Vão dizer que as pessoas não deveriam ocupar áreas de risco, deveriam morar em outro lugar, como uma senha para aprofundar a limpeza étnica a que já estamos assistindo na cidade.

Onde estão os milhões de reais do petróleo e dos impostos?
Seguindo os passos de FHC, o governo Lula decidiu entregar o petróleo brasileiro às multinacionais. Tenta enganar a população – com o apoio do governador e dos prefeitos do Rio – dizendo que o principal é a forma como os royalties serão distribuídos. Ora, para que royalties quando 100% das receitas obtidas com o petróleo deveriam ser do povo brasileiro, dos trabalhadores? Por que ficarmos com uma ínfima parte de bilhões quando os trilhões deveriam ficar no país?

O dinheiro da despoluição da baía de Guanabara não garantiu a limpeza do entorno ou a retomada das parcelas aterradas. Aliás, não se tem sequer prestação de contas desse dinheiro ou das obras. O concreto é o assoreamento de parte da baía, o represamento dos rios, o esgoto de indústrias e dos gigantescos prédios e condomínios para dentro das águas, ajudando no alagamento e na tragédia nas cidades. Sobre isso nenhuma palavra das autoridades ou dos meios de comunicação.

Um plano de obras públicas de combate ao desemprego começando por obras estruturais de saneamento
Os governos de Lula e Cabral insistem em prometer o paraíso, um mundo de contos de fadas a partir da conquista da copa do mundo, das olimpiadas e do petróleo. No entanto, como um canto de sereia, a realidade é a que estamos vendo: milhares de trabalhadores, com suas casas e seus sonhos, submersos nas águas das chuvas. Encharcados de promessas.

É possível termos chuvas pesadas sem pagarmos o preço em vidas humanas? É possível chover torrencialmente sem que milhares de pessoas fiquem ilhadas nas ruas?

Sim, isso é possível. Um plano de obras públicas que, ao mesmo tempo que enfrente o desemprego, comece a combater os problemas estruturais de esgoto e saneamento é possível e viável. Para isso é necessário perguntar: de onde sai o dinheiro?

Com a crise econômica, o governo Lula liberou R$ 370 bilhões para as grandes empresas, uma montanha de dinheiro, ainda mais se compararmos com os R$ 11 bilhões destinados ao Bolsa Família. As dívidas externa e interna sangram o país enchendo os bolsos dos banqueiros e especuladores daqui e de fora.

A inversão dessa lógica cruel – governar para os banqueiros, governar para os ricos e poderosos – geraria em poucas semanas um volume de dinheiro suficiente para atacar em várias frentes: esgoto e saneamento; contenção de encostas; construção de escolas e hospitais; construção de casas populares em locais seguros e próximos aos locais de trabalho; estradas; mais trens e metrôs de qualidade.

É uma questão de opção política, de escolha: governar para os ricos e poderosos, ou governar para os de baixo, governar para e com os trabalhadores e o povo pobre. Lula, Cabral e Eduardo Paes fizeram sua opção. As consequências das chuvas para os trabalhadores e o povo pobre apenas confirmam isso.

Um governo com um programa socialista, dos trabalhadores e do povo pobre, é capaz de tomar essas decisões. Reunirá condições para impulsionar essas e outras medidas. Porém a luta e a mobilização é que criam condições para impulsionar e viabilizar um governo desse tipo.

Enquanto tivermos governos dirigidos para os ricos e poderosos, seguiremos ouvindo que a culpa é da natureza, ou pior: a culpa é das vítimas.

Revisado em 8/4/2010, às 15h10