diego cruz, da redação

A recente crise financeira que abalou os mercados trouxe uma série de dúvidas e incertezas. Embora as autoridades econômicas afirmem categoricamente que não se trata de uma crise estrutural, a atuação coordenada dos principais bancos centrais do imperialismo, com o poderoso Federal Reserve à frente, injetando rapidamente cerca de 700 bilhões de dólares (quase o PIB brasileiro) para socorrer os bancos em crise, contrasta com esse aparente otimismo.

Mas o que significa essa cada vez maior instabilidade nos mercados financeiros? Será mesmo uma crise localizada no mercado de crédito imobiliário nos EUA, sem qualquer relação com os outros setores da economia? Na verdade, as crises e convulsões no mercado expressam um movimento bem mais profundo que a mera desvalorização de ações e queda nas bolsas.
Refletem, sobretudo o caráter cíclico da economia capitalista, com seus períodos de crescimento e recessão, cada vez mais profundos em sua atual fase.

As crises de superprodução
O capitalismo é o único modo de produção em que existem crises geradas pela superprodução, ou seja, a produção de um excedente invendável. A crise não é gerada pela falta de produtos, mas pela sua grande oferta, que ultrapassa a demanda. Produz-se mais do que a capacidade das pessoas comprarem.

Isso ocorre devido ao “caráter anárquico” da produção capitalista, ou seja, a produção atende unicamente ao objetivo de garantir lucro máximo aos capitalistas e não de atender às necessidades da população. Para enfrentar a concorrência, as empresas aumentam sua produtividade, ou seja, aumentam a quantidade de produtos produzidos em determinado período, para conseguir preços menores.

Como isso ocorre? Para entender esse processo é preciso lembrar que, para Marx, o valor só é gerado através do trabalho humano na produção. Um trabalhador, durante seu tempo de serviço, agrega sua força de trabalho à mercadoria. O tempo gasto na produção da mercadoria é o que vai determinar o seu valor. No entanto, o trabalhador não recebe o valor de tudo o que produziu, mas apenas uma pequena parte na forma de um salário. O trabalho não-pago apropriado pelo capitalista vai constituir a chamada mais-valia: o lucro.

O capitalista terá seu lucro concretizado após todo o ciclo de produção e venda da mercadoria. Primeiro, ele precisa de um capital. Marx dividia esse capital em capital constante e capital variável. Capital constante é o investimento que um industrial, por exemplo, vai fazer em maquinário e matéria-prima. Capital variável é o que é gasto com a força de trabalho, ou seja, com salários. A relação entre o capital constante e o capital variável constitui a chamada composição orgânica do capital.

Para enfrentar a concorrência e aumentar a lucratividade, o capitalista amplia o investimento em máquinas e matérias-primas, No primeiro momento, isso pode elevar os lucros da empresa, por produzir mais barato que seus concorrentes. No entanto, isso significa a elevação dos custos com equipamentos e matérias-primas (ou seja, com capital constante) sobre a mesma quantidade de capital empregado no pagamento dos salários, o que leva ao aumento da composição orgânica do capital. Este provoca uma tendência à diminuição do lucro do capitalista. É a chamada queda da taxa média de lucro.

A forma usada pelos capitalistas para tentar reverter essa tendência é através do aumento da extração da mais-valia, ou seja, através da redução dos salários dos trabalhadores. Consolida-se uma situação em que os gastos com a produção aumentam e os salários retrocedem.

Os ciclos econômicos do capitalismo são regidos pela taxa de lucro das empresas. No período de ascenso do ciclo, as taxas de lucro estão crescendo. Quando as taxas de lucro caem, os burgueses param de investir e se precipita uma crise econômica.

Capitalismo financeiro
Lênin analisa a fase imperialista do capitalismo, em que predomina o capital financeiro, resultante da fusão entre o capital industrial e o bancário. Tal fase caracteriza a etapa de decadência do capitalismo, na qual a especulação tenta reverter a queda da taxa média de lucro.

Para Lênin, o capital financeiro expressa a “concentração da produção; monopólios que resultam da mesma; fusão ou junção dos bancos com a indústria”. Na fase do capitalismo financeiro, a separação entre o capital industrial e o financeiro torna-se mais profunda, devido à valorização absurda do segundo.

Entretanto, na especulação, não há o surgimento de novo valor, o que só ocorre na produção real. Para sustentar o capital financeiro e sua crescente valorização, torna-se necessário uma extração cada vez maior de mais-valia. Na fase do capitalismo financeiro, as crises tornam-se mais recorrentes e profundas. Para superá-las, aumenta-se a exploração imperialista sobre os países coloniais e semicoloniais e se reduz o custo da força de trabalho.

Crise norte-americana
A recente crise financeira no mercado imobiliário expressa a desaceleração da locomotiva que puxou o maior crescimento desde o pós-guerra. Nos últimos anos, a economia norte-americana viveu uma explosão do consumo, baseada na concessão de crédito alicerçado em hipotecas. O aumento da demanda por matérias-primas e produtos industrializados alavancou as exportações dos demais países.

Desta forma, a China serve como grande plataforma de exportações enquanto ela própria tem uma forte demanda por matéria-prima, como minérios e aço. Países como o Brasil, grande produtor de minério, aumentam sua exportação para suprir essa demanda, o que favorece sua balança comercial (a diferença entre exportação e importação). Ou seja, o aumento do consumo nos EUA sustentou o crescimento econômico mundial nos últimos anos.

Ocorre que tal explosão do consumo não ocorreu com base na elevação dos salários, mas através de empréstimos. O mercado de crédito tornou-se um lucrativo negócio, gerando uma enorme bolha que ameaça agora estourar. Os bancos realizam o empréstimo, transformam esse empréstimo em ações e vendem a fundos de investimento. Esse processo, que se assemelha às “pirâmides”, é lucrativo a todos enquanto novos agentes entram no mercado. No entanto, ele tem um limite.

Para sustentar isso, ou entram novas pessoas e mais dinheiro, ou o capital deve ser reinvestido na produção real. Porém, o volume de capital é tão grande que apenas parte dele consegue voltar para a produção. A pirâmide se destroça e o crédito seca, atingindo o consumo.

Queda das bolsas
A crise financeira significa que já vivemos uma crise econômica? Ainda não. A economia norte americana cresceu 4% no segundo trimestre de 2007 (0,6% no primeiro trimestre), indicando que a crise cíclica ainda não chegou.
O sistema financeiro e a especulação não são um mero um reflexo imediato da economia real. Expressam, sobretudo, tendências. Um investidor apenas se arrisca no cassino das bolsas se tem a perspectiva de ganhar dinheiro, ou seja, juros sobre o que foi investido. Quando se percebe uma desaceleração da economia, ele coloca suas ações à venda para ter novamente dinheiro em mãos.

No entanto, apesar de não haver uma relação mecânica, a crise financeira reflete as tendências profundas da economia. Os limites do crescimento do mercado imobiliário nos EUA indicam a perspectiva da crise cíclica.

Portanto, ainda que as economias norte-americana e mundial, por hoje, continuem crescendo, a perspectiva é de uma nova crise na economia real. Desta vez, no coração do império.

Como a única forma de enfrentar essas crises é através do aumento da exploração, mais ataques podem vir do capital e do imperialismo sobre os trabalhadores.

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