Redação

O dia 28 de setembro é o dia latino-americano e caribenho de luta pela legalização do aborto

O dia 28 de setembro é o dia latino-americano e caribenho de luta pela legalização do aborto. O assunto divide opiniões. Em cada 10 brasileiros, 8 são contra e dois a favor.  Considerado crime, com pena de 1 a 3 anos de prisão, e com tanta gente contra, os casos de aborto deveriam ser exceção, certo? Errado! As estatísticas demonstram que, em nosso país, uma em cada 5 mulheres com idade até  40 anos já fez um aborto. A cada ano, ocorrem cerca de 2 milhões de partos e entre 800 mil a 1 milhão de abortamentos clandestinos, ou seja, para cada 3 mulheres que engravidam, uma não leva a gestação até o fim.

O número é tão real que todo mundo já ouviu falar ou conhece alguém que fez um aborto. As razões são inúmeras e particulares: não planejou, não tem condições financeiras, não está preparada, por pressão da família, do marido, da sociedade e tantos outros motivos. Mas de uma coisa ninguém tem dúvida: essas mulheres não planejaram ficar grávidas para depois abortar. Recorreram ao aborto em uma situação extrema. E, mais, não o fizeram com a convicção de cometer um crime, mas por necessidade. Segundo a pesquisa científica PNA/UNB (2010),  o perfil da mulher que recorre ao aborto não tem nada a ver com a de uma pessoa que odeia crianças ou é uma criminosa. Ela é casada, contrária ao aborto, possui entre 24 e 39 anos, tem filhos, é religiosa (católica, protestante ou outras religiões) e ganha até cinco salários mínimos.

Há um realidade escondida pelo preconceito, carregada por um sofrimento silencioso e cruel para mais de 200 mil mulheres que todos os anos ficam com sequelas ou morrem vítimas de abortos mal sucedidos. Os internamentos por complicações na gravidez são a segunda causa ginecológica de internamento no SUS e o abortamento já é considerado a quinta causa de morte materna. As mortes de Jandira Cruz (26) e Elisângela Barbosa (32), que vieram a público recentemente, decorrentes de procedimento inadequados em clínicas clandestinas do estado do Rio de Janeiro, são consequências trágicas de uma lei que, “em nome da vida”,  pode levar à morte.

Garantir o direito a decidir é a melhor forma para defender a vida
O principal argumento dos que são contra a legalização é a defesa da vida. Sendo coerente com esse ponto de vista, possivelmente, não desejem que a mulher tenha problemas ginecológicos ou psicológicos permanente, tampouco seja castigada com a própria morte.  O problema é que o aborto visto como um crime impede que a defesa da vida seja colocada em prática. Por exemplo, as mulheres que, por qualquer motivo, não desejam ou não podem continuar com uma gravidez, não podem buscar ajuda nas instituições do Estado (assistência social e hospital) porque se assim o fizerem podem acabar presas. Para as trabalhadoras, que dependem do SUS, e o sistema não faz o procedimento, a única alternativa é recorrer a procedimentos caseiros, como agulhas de tricô ou a clínicas sem condições de higiene ou profissional, torcendo para que tudo de dê certo e que voltem para casa sem sequelas e sem ser presas.  A alternativa para as mulheres burguesas são as clínicas clandestinas seguras tanto em relação às condições de higiene quanto às polícias e à justiça. Afinal, quantas mulheres ricas você já viu ser presa?

A única saída para diminuir as mortes por aborto é legalizar o procedimento.  É deixar de trarar a questão como caso de polícia, cuja preocupação é prender e punir a criminosa, para olhar o problema como saúde pública, que depende de uma ação preventiva e ao mesmo tempo de ação médica. A legalização é a forma de criar condições para que o Estado, independente das convicções de cada um, possa garantir que o sistema de saúde atenda as essas mulheres, através de uma política de prevenção: educação para o planejamento familiar, distribuição de contraceptivos sem burocracia de forma gratuita e combinada com uma política de atenção à interrupção da gravidez, garantindo que o procedimento possa ser feito pelo SUS, em condições adequadas. O Conselho Federal de Medicina, em resolução de 2013, atesta que quase todas as mortes poderiam ser evitadas caso os abortamentos fossem feitos de modo seguro e utilizando métodos adequados. Isso não significa defender que todas abortem, mas que a lei sirva para preservar as mulheres.

A realidade demonstra que essa saída deu certo em muitos países da Europa, mas também na América Latina, como Cuba, cidade do México e recentemente o Uruguai. Em todos esses lugares, os abortos diminuíram em médio prazo e, em curto prazo, foram drasticamente reduzidas as mortes de mulheres. Tanto é assim que, hoje, quase todos (95%) dos abortos que se estima que ocorrem no mundo (20 milhões) e das mortes de mulheres em decorrência do procedimento estão nos países com leis que restringem a prática ou que diretamente a proíbe. O Brasil é um grande exemplo disso.

A lei que criminaliza o aborto não tem servido para defender a vida, ao contrário, tem reafirmado o preconceito e contribuído para que milhares de brasileiras morram. É necessário encarar essa realidade, na qual o preconceito esconde um fato: para as mulheres burguesas que podem pagar, o aborto é legalizado. Para as trabalhadoras, o aborto é uma roleta russa. O Estado deve proteger as mulheres e não dizer a elas o que fazer de seus corpos. Como laico que deve ser, não pode decretar a todas as mulheres que sejam mães sem respeitar o direito daquelas que não o desejam.

Anticoncepcionais para não abortar, aborto legal seguro e gratuito para não morrer
A legislação brasileira não considera crime de abortamento somente em três casos: feto anencéfalo (com deformações cerebrais), estupro e gravidez com risco de morte para mãe. Para todas as outras formas, que seguem ocorrendo apesar da lei, considera-se crime. Os deputados, especialmente os da bancada conservadora, tentaram, em 2013, aprovar um projeto que considerava crime também o aborto em caso de estupro (Estatuto do Nascituro), o que reforçaria o preconceito e daria direito ao estuprador de ser pai. Esse projeto absurdo, na contramão dos interesses das mulheres, foi momentaneamente suspenso graças à luta dos trabalhadores e dos movimentos feministas.

Por outro lado, há uma proposta de reforma do código penal que mantém o aborto como crime, mas, mediante laudos médico e psicológico, permitiria o abortamento até a décima segunda semana de gestação. A proposta, ainda em discussão, no entanto, já gerou grande resistência dos mesmos setores conservadores.

O governo do PT, a exemplo da herança do FHC, não avançou em nada nessa pauta. E agora, nas eleições, essa discussão é infelizmente secundarizada. Se as pesquisas estiverem certas, Dilma (PT) ou Marina (PSB) serão as concorrentes ao cargo de presidente. Duas mulheres que, apesar de mulheres, não tem preocupação em avançar nessas discussões. Marina é pessoalmente contra o aborto, mas disse que estuda a possibilidade de fazer um plebiscito, ou seja, não se compromete com a legalização. É apoiada por setores evangélicos que estão na contramão do avanço desse direito, como o pastor Silas Malafaia.

Dilma, para se eleger, em 2010, fez um acordo com os setores conservadores. Comprometeu-se, através da “Carta ao Povo Brasileiro”, a não modificar a legislação. Seguiu à risca esse compromisso e promoveu um retrocesso no avanço das conquistas pela saúde universal da mulher, reorientando todo o atendimento para a maternidade. O seu principal programa foi o “Rede Cegonha”, que teve como pano de fundo o combate à mortalidade materna, mas ignorou as inúmeras mulheres que morrem vítimas de abortos.

O programa “Rede Cegonha” foi inspirado no programa “Mãe Paulistana”, criado pelo PSDB no governo de São Paulo. Ambos possuem a mesma orientação: resumir a saúde da mulher à maternidade sem enfrentar a questão do aborto. Aécio (PSDB), durante o pleito eleitoral, falou muito pouco sobre o tema, mas o pouco que disse representa bem o que pretende fazer: não vai mexer na legislação, pois o PSDB sempre foi contrário à legalização do aborto.

O PSTU acredita que é necessária uma ampla campanha de conscientização da classe trabalhadora sobre a crueldade de uma lei que tem contribuído com as mortes das mulheres, principalmente, das mulheres mais pobres. Para nosso partido, é preciso que o governo preocupe-se menos com a punição e mais com a prevenção. Defendemos um programa de atenção à saúde da mulher de forma universal, resgatando os preceitos do PAISM (1984), que garanta uma educação sexual não sexista e laica, que enfrente o preconceito; Investimento de 10% do PIB no SUS para garantir a distribuição gratuita de anticoncepcionais, sem burocracia, para que toda mulher possa ter a condições de se prevenir. E, para garantir o direito de decidir sobre o seu próprio corpo, é preciso descriminalizar e legalizar do aborto, com procedimentos  feitos gratuitamente pelo SUS, enfrentando o mercado clandestino de abortamentos e para que nenhuma trabalhadora morra por aborto inseguro.

A luta da classe trabalhadora, para além das eleições, será a única maneira de enfrentar o preconceito, dialogar com todos os trabalhadores e modificar uma lei que  hoje está manchada pelo sangue de milhares de mulheres mortas. Afinal, quantas mortes mais serão necessárias para manter a lei?