Maria Francisca dos Santos Cunha, a “Tia Maria”, tem 70 anos e há 25 trabalha na construção civil de Belém. Infelizmente, Tia Maria deve se aposentar este ano e em sua carteira virá a classificação de servente, o cargo mais inicial na carreira do setor. Não foi por falta de competência, mas porque as mulheres da categoria, mesmo que trabalhem como pedreiras, pintoras ou carpinteiras não são reconhecidas como profissionais especializadas.

Uma realidade que, se depender do sindicato e do Movimento Mulheres em Luta (MML), vai começar a mudar. Depois de três anos na pauta das greves da categoria, as trabalhadoras conquistam o direito a participação em curso de qualificação, o primeiro passo para classificação. Uma vitória arrancada com muita luta, organização e unidade entre homens e mulheres.

É preciso lutar!
No Brasil, a participação feminina no setor da construção civil aumentou 8% nos últimos dez anos. Segundo o Ministério do Trabalho, o número das operárias pulou de 83 mil, em 2000, para 138 mil, em 2008. Atualmente, mais de 200 mil mulheres rebocam paredes, carregam tijolos e misturam cimento nos canteiros de obras do país.

No Pará não é diferente. A construção civil é um dos setores que mais empregou mulheres. Em 2011, foram 1.354 postos, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Todavia, o aumento de postos de trabalho não veio acompanhado da garantia de direitos trabalhistas para essa parcela da categoria. As mulheres sofrem com constante assédio moral e sexual nos canteiros de obra, com a falta de banheiros próprios e ainda tem que almoçar longe do refeitório onde ficam os outros trabalhadores, para evitar comentários sobre possíveis envolvimentos sexuais com estes.

Além disso, a exploração da sua mão de obra é absurda. São as mais exigidas para horas-extra, principalmente na fase final da obra. Normalmente são contratadas apenas pelos três meses de experiência e por isso não tem sua carteira assinada. E, mesmo quando realizam trabalhos especializados como rejunte, aplicação de pastilhas, vedação de dilatação, jaú ou cadeirinha (andaimes que ficam pendurados na área externa dos prédios), recebem como serventes, ou seja, os menores salários da categoria. Segundo o relator técnico do DIEESE, Roberto Sena, em alguns casos a diferença salarial entre homens e mulheres é de 40%. O que vai se refletir diretamente no valor da aposentadoria feminina.

É possível vencer
A secretaria de mulheres e o conjunto da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Belém têm apresentado uma série de iniciativas para organizar as operárias e avançar na luta por seus direitos. No 1º Encontro de mulheres da categoria, realizado em agosto de 2010, as operárias aprovaram uma pauta de lutas que incluía além da classificação, a garantia de pelo menos 10% de vagas para mulheres nas obras; o combate ao assédio moral e sexual; a licença- maternidade de seis meses e sem isenção fiscal.

De lá para cá, essas reivindicações tem sido parte do eixo central das campanhas salariais do setor e as mulheres vêm cada vez mais ocupando seu espaço na organização sindical da categoria. Já foram realizados vários debates com elas sobre o combate a violência contra a mulher; saúde do trabalhador, reformas trabalhistas, o papel das CIPAS, o que fez com várias delas fossem eleitas “cipeiras” em seus canteiros de obra.

Na última greve da categoria, em 2012, na qual foram 17 dias de paralisação, a presença das mulheres foi massiva. Além das quatro diretoras do sindicato que lideraram piquetes em vários pontos da cidade, muitas operárias da base se destacaram como ativistas da mobilização. No ápice da paralisação a secretaria de mulheres do sindicato e o Movimento Mulheres em Luta realizaram uma plenária que contou com a presença de 52 operárias da capital e das cidades de Ananindeua e Marituba, que também estavam em greve. O resultado foi o comprometimento da patronal em garantir a qualificação da categoria, priorizando as mulheres.

No final do mês de fevereiro, uma reunião com o sindicato patronal (Sinduscon), apontou a concretização dessa vitória, com a saída de um cronograma de cursos e uma primeira turma com dez vagas para mulheres, ainda em Março. Após essa formação, o próximo passo é garantir a classificação na nova função, na carteira de trabalho.

Tia Maria, que sempre esteve nas greves e mobilizações da categoria, está muito orgulhosa de suas companheiras “Eu já não vou aproveitar essa conquista, mais me sinto parte dessa vitória. Isso é só o começo! ainda temos muito para avançar no setor, em termos de direitos das mulheres”.

Unificar homens e mulheres para derrotar o machismo e a patronal
A unidade de homens e mulheres trabalhadores foi fundamental para chegar a essas vitórias. Mesmo uma categoria majoritariamente masculina, com uma diretoria sindical de maioria de homens o tema das mulheres não foi deixado de lado e tem sido defendido por todos. Contudo, apontando também para a construção de lideranças mulheres e o fortalecimento de sua organização específica, sem separá-la das mobilizações e das discussões gerais da categoria.

Essa é, sem dúvida, uma grande vitória de toda a categoria. A luta contra o machismo e a defesa das pautas específicas das mulheres se reflete no fortalecimento de toda a classe trabalhadora e soa como um golpe central na patronal e no capitalismo.