Leia a nota do Batay Ouvriye sobre um dia de muitos protestos contra as tropas da ONU no Haiti (em espanhol)Uma onda de protestos contra a Minustah (a missão da ONU no Haiti) atinge o Haiti. No último dia 18, soldados da missão foram apedrejados por uma furiosa população que exigia a retirada das tropas e atribuída a epidemia de cólera aos soldados da ONU. Sob gritos “Minustah – cólera! Fora Minustah!” a população bloqueou ruas e levantou barricadas. A doença já matou mais de 1.110 pessoas e infectou outras 18 mil. Confira abaixo o relato da organização popular sindical Batay Ouvriye sobre o dia de protestos.

É uma verdadeira guerrilha urbana que se deu em Porto-Príncipe hoje, quinta-feira, 18 de novembro de 2010. Nesta data, comemora-se sempre a batalha de Vertières, realizada em 1803 como uma façanha da independência. Sempre, exceto nestes últimos anos, o governo de turno nunca se dedicou a recordar tais datas (trazem muitos pesadelos e problemas com seus tutores).

As organizações convocantes do protesto (Batay Ouvriye, MODEP, Tèt Kole, PEVEP, CATH, KRD, Kowalisyon òganizasyon k ap batay pou tout timoun jwenn lekòl gratis, Bri kouri nouvèl gaye, Inivèsite Popilè, FRAKKA, GREPS, MODJE, Sèk Gramsci) fizeram um chamado amplo distribuído em toda a capital.

E hoje, uma multidão de centenas de pessoas reuniu-se em frente ao Ministério de Saúde Pública para denunciar o gerenciamento do governo incapaz e francamente despreocupado pela coisa pública. Mas também contra o show midiático que se faz todos os dias no jornal, rádio e televisão, divulgando estatísticas e consignas pueris (dizendo, por exemplo, que temos que limpar as mãos com sabão; que temos tomar água tratada, a uma população pobre urbana e, sobretudo, rural que pelas condições de dominação e exploração não tem mais do que a água de rio para viver), além de sádicas, em vez de trabalhar concretamente a melhorar a situação.

Além disso, tentam esconder a procedência da epidemia, enquanto várias pesquisas científicas e de importância já têm já denunciado sua origem: são soldados da ONU, nepaleses mais precisamente, que a difundiram a doença largando seus excrementos infectados no rio Artibonite.

Após dois dias de denúncias a gritos e bloqueios de estradas em Cap-Haïtien (norte do país) e Inche (região central), arremessando pedras e garrafas contra as forças repressivas da Minustah e da polícia local, os camaradas ali tiveram que recuar.

Em Porto Príncipe, depois do protesto em frente ao Ministério de Saúde Pública, a manifestação, que ganhava mais e mais pessoas, dirigiu-se ao palácio nacional onde fomos barrados. De fato, já nas cercanias, a Minustah estava ali com seus soldados, tanques, fuzis e gás lacrimogêneo que dispararam em seguida, tratando de nos dispersar. Vários tiros foram ouvidos. Mas, desta vez, bastava! De um só golpe, a manifestação inteira se armou com pedras e botaram os soldados pra fugir. Um deles caiu do veículo e foi alvejado por pedras, antes de ser ajudado por outros soldados para conseguir escapar.

Fomos então ao acampamento do Champs de Mars, próximo do local do conflito, para alertar a população ali cercada e abandonada em umas das mais humilhantes condições, enquanto os arquitetos e urbanistas burgueses planejam, sob o comando das multinacionais têxteis, Clinton e sua ONG, como retirar da cidade as pessoas dos acampamentos próximos às zonas francas.

Alguns se somaram ao protesto. Juntos fomos a uma das principais ruas próximas, Lalue, que une esta praça central a uma das bases da Minustah, em Bourdon. Em Lalue, todo o caminho foi de uma receptividade tremenda por parte da população que, aplaudindo, igualmente gritava: Abaixo a Minustah! Abaixo o cólera! Abaixo a Minustah – Cólera! Abaixo! Abaixo! Basta!

Na esquina superior da rua, no entanto, fortes contingentes da polícia nacional esperavam nosso protesto. De longe, começaram lançar seus gases. Outra vez o confronto com a polícia e logo barricadas foram levantadas para bloquear a rua. No entanto, chegaram reforços policiais por todos os lados. Os policiais dispararam e formou-se então uma dispersão total dos manifestantes.

No entanto, os manifestantes se reencontraram quatro esquinas depois e voltaram a se unir no Bwavèna, em frente à chancelaria. Mas outra vez os policiais dispararam, com gases e tiros e novamente houve dispersão. Mas todos de reencontraram em outra esquina e voltaram ao Champs de Mars onde se acreditava que, em função do acampamento, as forças repressivas não lançariam gases e bombas.

Mas esquecemos que, durante a rebelião fome de 2008, até dentro de hospitais e edifício de maternidade a Minustah tinha jogado gases. Por isso, não tiveram nenhum problema em repetir seu crime perto e dentro do acampamento!

A maioria dos manifestantes entrou no recinto da faculdade de etnologia, que fica próximo. Péssima ideia, pensaram alguns. Esta faculdade é muito acessível e pode ser cercada facilmente. Aliás, a polícia e a Minustah levaram juntos este ataque, com muitos gases e tiros bloqueando as pessoas dentro da faculdade.

No entanto, utilizando a barreira visual do gás, as pessoas conseguiram escapar para dentro do acampamento. Os solados então atiraram gases de novo dentro do acampamento. Foi quando a população do acampamento se levantou, gritando e arrancando ramos com folhas das árvores próximas. Uma multidão! Outros chegavam de outras zonas urbanas mais longínquas ou de outros acampamentos.

A polícia, junto com a Minustah, então recuou rapidamente, sob uma chuva de pedras. Então, surgiu das esquinas e becos escondidos uma multidão enorme que subiu a rua Lalue outra vez, e gritou para outros acampamentos: Fora Minustah! Minustah – cólera!

Durante toda a tarde, grande parte da população ficou mobilizada e até altas horas da noite se viam barricadas em chamas ou se ouviam ainda gritos pela cidade. Não havia nenhum soldado da Minustah nem um policial por toda essa área.

Batay Ouvriye – 8 de novembro do 2010