Cenas de Cartas de Iwo Jima e A conquista da honra, respectivamente
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Redação

Em seus dois mais recentes filmes, A conquista da honra (Flags of our fathers, 2006) e Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006), Clint Eastwood pinta um quadro da Segunda Guerra Mundial baseado em dois lados de um conflito e tendo como centro as personagens que o viveram, os soldados. Longe dos estereótipos dos filmes de guerras, a preocupação não foi assumir qualquer dos lados, ou enaltecer heróis, mas aproximar-se daquilo que se passou na cabeça dos combatentes.

A ilha japonesa de Iwo Jima (“ilha sulforosa” em japonês), apesar de infértil e fétida, era um ponto estratégico na Guerra. Para os americanos, era a porta de entrada para o território japonês, podendo servir como um verdadeiro front americano em solo japonês. Para os japoneses, além de ser essencial na defesa do país que ela não caísse nas mãos do inimigo, a ilha era terra sagrada. O crucial e sangrento conflito que alí se deu foi deixou 21 mil soldados japoneses e 6,8 mil americanos mortos.

A idéia inicial de Eastwood era filmar a batalha de Iwo Jima a partir do livro Flags of Our Fathers: Heroes of Iwo Jima, de James Bradley, filho de um dos “heróis de Iwo Jima“. Depois, surgiu a necessidade de mostrar o outro lado, baseado no livro japonês que publicou as cartas do general japonês Kuribayashi para sua família, desde o período em que ele morava nos EUA até seus últimos dias na guerra.

Falsas bandeiras, falsos heróis
A conquista da honra (Flags of our fathers), filme que mostra o lado norte-americano do conflito, não se propõe a defender este lado, ou a contar a história dos vencedores. Tem como centro a desconstrução da imagem dos heróis deste conflito, partindo do que realmente há por trás da famosa foto tirada por Joe Rosenthal de seis combatentes hasteando a bandeira estadunidense no topo do monte Suribachi, ponto simbólico da ilha.

O filme critica o uso daquela imagem, bem como dos soldados que nela estavam e sobreviveram ao conflito. A foto e os três soldados se transformam em propaganda de guerra, ícones de uma campanha milionária de venda de bônus de contribuição financeira à guerra. Serviu para angariar fundos e para ganhar boa parte da população para a causa dos “heróis”.

O filme deixa claro que para as autoridades a guerra é um negócio hipócrita e que a propaganda que se faz da mesma está longe da realidade. A reflexão é interessante para o atual período de guerra, em que a ocupação do Iraque aparece na mídia como bem molda o governo norte-americano.

O filme faz tudo isso através dos conflitos interiores desses soldados sobreviventes. Os flashes dos momentos da guerra, das mortes dos colegas, permanecem em suas cabeças mesmo quando sorriem para a multidão que os aplaude. O sentimento de derrota se mistura à idéia de herói. As mentiras geradas pela máquina de propaganda se tornam piores que as próprias trincheiras.

Vale destacar que Eastwood toca ainda numa outra ferida, mostrando o preconceito com Ira Hayes, nativo-americano da tribo dos Pima, um dos três “heróis de Iwo Jima”, tratado pelas autoridades e pelo público como o eterno estereótipo do indígena selvagem.

Um problema importante de A conquista da honra é a tradução infeliz de seu título no Brasil, uma vez que não representa o conteúdo do filme. O título original, Flags of our fathers (bandeiras de nossos pais), talvez não seja tão mercadológico, mas sintetiza melhor os conflitos apresentados.

Cartas do front
Se em A conquista da Honra os “heróis” eram os sobreviventes que posavam para as fotos da campanha a favor da guerra, em Cartas de Iwo Jima, não há heróis, no sentido personalista da palavra. São valorizados o patriotismo e o sacrifício de todos e a sobrevivência no conflito é quase que um ato de covardia.

Para além desta cultura geral da guerra que difere da norte-americana, o filme mostra também a personalidade dos soldados japoneses, seus medos, suas angústias, suas esperanças, através das cartas que escreviam aos seus familiares.

Eastwood se distancia da forma caricata com que o cinema hollywoodiano sempre retratou os inimigos de guerra dos EUA. As imagens aproximam do espectador o general astuto que sente falta da família, o padeiro que é convocado e luta para sobreviver e voltar para a esposa, ou tantos outros que parecem ficar mais nítidos apesar da escuridão das cavernas em que combatiam. Os atores japoneses quase desconhecidos do mundo ocidental estão brilhantes no filme. Na tentativa de “humanizar” os japoneses, talvez Clint exagere um pouco no drama, o que lhe é perdoável.

A penumbra das cavernas da ilha foi a tática de combate que permitiu uma resistência de cerca de 40 dias por um exército japonês infinitamente menor e menos preparado e equipado. Mas esta penumbra também permitiu ao espectador adentrar os personagens em seus subterrâneos. A luz das bombas, ou dos holofotes sobre os “heróis” de A conquista da honra, por sua vez, só faz cegar os soldados de ambos os lados.

Sem vencedores
É essencial ver os dois filmes para compreender o quadro traçado do conflito e o que está por trás dele. Cartas de Iwo Jima concorre ao Oscar por melhor filme, melhor direção, roteiro original e edição de som. A conquista da honra, por sua vez, concorre a melhor edição de som e mixagem de som.

Quem lê as duas sinopses, sobre os dois lados do conflito de Iwo Jima, pode imaginar que Eastwood assumirá um dos lados, mostrará os heróis e os vilões, os vencedores e os vencidos. O enquadramento de ambos os filmes, entretanto, passa longe do maniqueísmo dos conflitos bélicos.

Ao adentrar os bastidores, as personalidades dos soldados, as cavernas dos japoneses, Clint opta apenas por criticar a guerra, observando de diversos ângulos os conflitos que ela causa em seus personagens e as mentiras e hipocrisias geradas pela mesma. Mostra que não há heróis.