Cartaz de divulgação do filme
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Parte da saga ‘Cidade de Deus´, filme apresenta dramas pessoais que se entrelaçam à guerra pelo controle do tráficoO longa nacional Cidade dos Homens, de Paulo Morelli, chega aos cinemas como parte da saga Cidade de Deus. A produtora O2, criada em 1990 por Fernando Meirelles e Paulo Morelli, é responsável pelo curta Palace II (2001), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, pelo longa de sucesso Cidade de Deus (2002), dos mesmos diretores, e pela série de TV Cidade dos Homens, que resgata os dois personagens de Palace II e foi exibida pela Rede Globo entre 2002 e 2005. Agora, Acerola e Laranjinha vão às grandes telas em Cidade dos Homens, dirigido por Paulo Morelli.

O filme apresenta a dupla de personagens completando 18 anos e enfrentando o tema da paternidade. Acerola tem um bebê e precisa aprender a ser pai, e Laranjinha busca o pai que nunca conheceu. Mais que isso, fazer 18 anos na favela não é fácil. “Playboy quando faz 18 anos tira carteira de motorista, pobre tira carteira de trabalho”, comenta um deles logo no início.

Entrelaçada à história dos dois, está a guerra pelo controle do tráfico de drogas no Morro da Sinuca, onde eles moram. A guerra também vai dividir os dois amigos de infância. Ao contrário do que ocorre no filme Cidade de Deus, em Cidade dos Homens, as favelas que aparecem (Morro da Sinuca, Morro do Careca e Morro da Fumaça) são fictícias, apesar de suas cenas terem sido feitas em diversas favelas reais do Rio de Janeiro.

As duas cidades
Ligados pela origem, Cidade de Deus e Cidade dos Homens se completam. O filme de Fernando Meirelles inovou na linguagem e representou um marco no cinema nacional. Cidade de Deus apresentava uma visão muito realista da periferia, com uma edição cuja linguagem se assemelha ao videoclipe, com cortes bruscos e ângulos distintos numa mesma cena. Trabalhava o improviso de atores amadores da própria comunidade, além de usar também locações reais.

O crítico de cinema Ismail Xavier aponta a linguagem inovadora como fator determinante para o sucesso de Cidade de Deus: “É um filme que lida com problemas sociais, mas os expressa na linguagem cultural da MTV, do rap e da disco music, familiar aos jovens da mesma idade que seus protagonistas. Foi esse estilo que fez de Cidade de Deus a tentativa brasileira mais bem-sucedida, desde meados dos anos 90, de tornar o drama social palatável para um público massivo”.

Cidade dos Homens manteve aquelas características essenciais. Porém, se em Cidade de Deus a ascensão do tráfico havia sido ressaltada, este novo filme centra o roteiro e a própria filmagem nos dramas pessoais dos personagens.

O filme funde imagens dos dois amigos desde a infância (cenas de Palace II e da série) com as cenas atuais. Viaja através dos morros e desce até a praia com panorâmicas do Rio de Janeiro. Mantém a montagem recortada das cenas labirínticas por dentro do morro, que já estava presente em Cidade de Deus. Apenas insinua as cenas de sexo, que aparecem no reflexo dos copos, através de janelas, ou desfocadas.

O filme também desce o morro junto com os traficantes para um banho de mar num dia quente, marcado por uma iluminação estourada. Depois, adentra o baile funk e apresenta um “proibidão”: quando o grupo comandado por Madrugadão invade a festa, os traficantes ocupam o palco e improvisam o “funk do madrugadão”, cujas batidas são marcadas a tiros.

Cena do filme O caminho do bem?
Apesar das inegáveis inovações estéticas que Cidade de Deus trouxe e do que significou este filme na retomada do cinema nacional, é preciso analisar que ele e seu sucessor sustentam um discurso individualista sobre a realidade social que é apresentada nas telas.

Nos dois filmes há uma violência nata, que surge sem causa em alguns indivíduos da favela. Outros, os nossos protagonistas, seguem o “caminho do bem”, apesar de toda a dificuldade. Não se questiona nem se retrata em nenhuma cena a origem disso. Este segundo longa apenas limita o problema ao âmbito familiar, colocando a ausência do pai como uma realidade comum nas favelas, que contribuiria para que esses filhos buscassem no crime as figuras paternas.

“No terceiro ano [da série] fizemos uma grande pesquisa. (…) A falta do pai é um traço muito comum na cultura da favela. Os pais abandonam os filhos. Eles têm filhos com várias mulheres e não assumem, não registram, largam. Quem cuida dos filhos são as mulheres, as mães, as avós. E acho que isso é um dos grandes motivos do tráfico ser tão forte. Porque o traficante passa a ser a figura paterna”, analisa o diretor Paulo Morelli.

Mas a história desses filhos se resume a isso? Não se toca no por que da desestruturação das famílias, na razão do crime e de como ele faz parte de um sistema. O universo do crime e da violência se fecha no território da favela, alheio às contradições da sociedade que geram tudo aquilo. O filme apenas desce o morro pra tomar banho de mar, mas não para enfrentar as contradições sociais.

Da mesma forma que não se preocupa com o sistema do qual faz parte a favela, a solução dos personagens é sempre individual, resgatando a velha visão meritocrática, que reza que quem se esforça pode vencer neste mundo capitalista. Sair da favela é o final feliz para Laranjinha e Acerola (ou mesmo para o Buscapé de Cidade de Deus), e não importa quem fica para trás.

FICHA TÉCNICA:
Título Original: Cidade dos Homens
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 110 minutos
Ano de Lançamento: 2007 (Brasil)
Direção: Paulo Morelli
Roteiro: Elena Soárez, baseado em estória de Paulo Morelli e Elena Soárez
Montagem: Daniel Rezende
Produção: Andrea Barata Ribeiro, Fernando Meirelles e Bel Berlinck
Música: Antônio Pinto
Fotografia: Adriano Goldman
Direção de Arte: Rafael Ronconi
Elenco: Douglas Silva (Acerola), Darlan Cunha (Laranjinha), Rodrigo dos Santos (Heraldo), Camila Monteiro (Cris), Naíma Silva (Camila), Luciano Vidigal (Fiel), Pedro Henrique (Caju), Jonathan Haagensen (Madrugadão), Eduardo BR (Nefasto)

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