Nas últimas semanas, o planeta inteiro colocou seus olhos na China para acompanhar mais uma edição dos Jogos Olímpicos. O governo chinês realizou um esforço monumental para impressionar o mundo. Foram gastos US$41 bilhões, o triplo do orçamento destinado aos Jogos de Atenas, em 2004.

A exibição tecnológica ficou clara nas impressionantes coreografias da abertura. Tudo para mostrar ao mundo que a China está pronta para a globalização capitalista. E nisso, valeu de tudo. De fogos de artifício montados no computador à famosa menina que dublou uma cantora mirim na hora do hino da China.

Não foram poucos os que começaram a tratar a China como um novo país imperialista, que disputaria a liderança com os Estados Unidos. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo de 9 de agosto, o jornalista e ex-candidato a vice-presidente da chapa de Heloisa Helena (PSOL), César Benjamin, escreveu sobre a China: “Sua economia será maior que a dos Estados Unidos em 15 anos. Dos 200 milhões de pessoas que deixaram a pobreza na última década, no mundo, 150 milhões são chinesas”.

Os números impressionam. Mas, em vez de fazerem da China uma grande potência, indicam justamente o contrário. Ela está se tornando, a passos rápidos, a maior e mais populosa semi-colônia do imperialismo.

Louvando a globalização
Em seu artigo, César Benjamin ataca duramente a cobertura da grande imprensa, acusada por ele de promover “lixo ideológico” e mostrar os “ângulos mais negativos” da China.
Segundo ele: “o locutor ressalta o caráter repressivo do regime chinês, enquanto as imagens mostram, como prova disso, um grupo de guardas de trânsito e câmeras de televisão que monitoram avenidas. O locutor fala do controle do Partido Comunista sobre as pessoas, enquanto na tela aparecem torcedores que preparam uma coreografia”.

O que César Benjamin procura fazer? Atacar a imprensa burguesa para esconder o fato de que existe na China uma ditadura que atua com métodos fascistas contra os trabalhadores? Sugerir que os protestos de chineses são mentiras criadas pela mídia?

A ditadura do Partido Comunista da China, além de garantir a volta do capitalismo, gerou uma camada de “novos ricos”. Uma minoria favorecida pela restauração capitalista, cujos hábitos foram várias vezes mostrados pela imprensa. São tratados como exemplos de sucesso da globalização chinesa. Isso sim poderia ser chamado de lixo ideológico.

Mas César não atacou a imprensa por ter louvado a “modernidade” chinesa. Ao contrário. Tentou mostrar que tal “modernidade” poderá levar a China a competir de igual para igual com os EUA.

Ditadura do PC
César Benjamin prefere fingir que não existe nenhuma ditadura na China. No mesmo artigo, escreve: “O Estado [chinês] é forte, mas isso não quer dizer que seja ilegítimo. Se ainda fosse fraco, como já foi, lá continuaria a ser o lugar dos negócios da China”.

No entanto, a ditadura do PC é a garantia fundamental para colocar à disposição do imperialismo milhões de trabalhadores semi-escravos. Sob mão de ferro, o PC impede que os trabalhadores realizem greves, organizem sindicatos independentes, paralisações ou qualquer outra forma de luta. Talvez seja por isso que César Benjamin tenha encontrado dificuldades para ver alguma imagem de protestos no país.

O governo chinês usa um sistema de censura na internet que proíbe expressões como “independência do Tibete”, “democracia na China” ou mesmo “massacre de Tiananmen de 1989”. Se César utilizasse uma dessas palavras em seu artigo, ele não poderia ser lido na China.

Uma grande semicolônia
César Benjamin também não diz que o tão comemorado crescimento chinês está totalmente subordinado aos interesses das empresas imperialistas e apoiado na produção e na exportação a baixo preço.

Hoje, a China concentra o maior número de multinacionais por metro quadrado. Cerca de 60% das companhias que atuam no país não são chinesas. Com o retorno do capitalismo, o país se transformou numa plataforma de exportação.

Resultado do crescimento econômico, a renda média no país aumentou para US$1.000 anuais (ou R$1.700), segundo o Banco Mundial. Mas ainda está há anos luz dos países imperialistas – 30 vezes menos que a França, 40 vezes menos que os EUA.

Mesmo com o crescimento chinês, a imensa maioria do povo continua na miséria. Cerca de metade da população vive ainda com menos de dois dólares diários.

Os trabalhadores são submetidos a jornadas de 10 a 12 horas diárias. Ao contrário do que diz Benjamin, a expressão “negócio da China” continua válida, mas ganha um novo sentido com a restauração do capitalismo e a obediência da China à globalização.

O que nem a imprensa nem Benjamin querem mostrar
César Benjamin cria caso com a imprensa por mostrar a ditadura chinesa. Mas, na verdade, tanto ele como a imprensa têm algo em comum: estão de acordo com o plano econômico que vem sendo implantado na China a ferro e fogo. A Rede Globo, por exemplo, não se cansou de louvar a “modernização” da China.

César Benjamin, por sua vez, falou nas “tamanhas mutações e tão complexo processo de desenvolvimento, em curto período”. Ou seja, a imprensa burguesa defende a “modernização”, mas critica a ditadura. Benjamin defende a ditadura chinesa como necessária para garantir o “complexo processo de desenvolvimento”.

A “modernização” e as “tamanhas mutações” são apenas nomes de fantasia que descrevem a restauração do capitalismo na China. César Benjamin e a imprensa burguesa têm acordo na defesa do plano econômico aplicado. Aliás, têm outro acordo: ambos silenciam sobre as brutais condições de vida dos trabalhadores chineses.

Recentemente, a grande imprensa mostrou que a China vem se destacando na área de informática. Muitos comemoraram como mais uma demonstração da “modernidade” chinesa.

Mas uma investigação realizada pela ONG “Pão para o próximo” mostra como isso aconteceu. De acordo com a pesquisa, os operários do setor trabalham de 10 a 12 horas por dia. A cada mês eles acumulam entre 80 e 200 horas extras, em locais de trabalho insalubres.

Um operário de uma das fábricas explica: “em época de alta produção aumenta o ritmo de trabalho que nos custa cumprir. Cometemos mais erros e, se o capataz descobre, nos aplica uma multa equivalente a meia jornada de salário”.

A situação no campo é cada vez mais explosiva. O fim da planificação econômica e o desemprego empurram milhões para as grandes cidades. Nelas, os camponeses emigrantes são tratados como cidadãos de segunda classe e são submetidos às piores condições de trabalho.

O objetivo dessa política é oferecer mão-de-obra para as multinacionais e a construção civil. As obras dos Jogos Olímpicos provocaram um êxodo rural gigantesco. Calcula-se que Pequim tenha 17 milhões de habitantes, sendo que 4 milhões são migrantes que não têm permissão de residência.

Durante os Jogos, as autoridades procuraram “limpar” a cidade, prendendo ou deportando trabalhadores sem licença de moradia. “O temor e o desemprego expulsam os pedreiros, operários e ambulantes até que a comitiva olímpica formada por jornalistas, esportistas e turistas for embora”, explicou o jornalista Rodrigo Bertolotto, do UOL.

Há inúmeros relatos da superexploração dos trabalhadores chineses. Mas César Benjamin nem sequer menciona as brutais condições de trabalho existentes no país. A realidade é que a China se transformou num paraíso para as multinacionais, que podem obter lucros como nunca sonhariam.

Lixo ideológico também é a defesa, por alguém que se diz de esquerda, de uma ditadura que promove a restauração do capitalismo na China.

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