O primeiro turno das eleições presidenciais chilenas, realizadas no último final de semana, mostrou o quanto a Concertácion (coligação de frente popular formada pelos partidos Socialista e Democrata-Cristão, que governa desde o fim da era Pinochet) encontra-se desgastada. O candidato mais votado no primeiro turno foi o Sebastián Piñera, empresário direitista que enriqueceu durante a ditadura Pinochet. Ele disputara o segundo turno com o ex-presidente, o democrata-cristão Eduardo Frei, representante da Concertácion apoiado pela atual presidente Michele Bachelet, do Partido Socialista. Confira abaixo um artigo da Força Revolucionária – Esquerda Comunista (FR-IC, na sigla em espanhol), seção chilena da Liga Internacional dos Trabalhadores, que chama o voto nulo no segundo turno.

No domingo, dia 13 de dezembro, realizaram-se as eleições para presidente, deputados e senadores no Chile. A percentagem obtida por cada candidato à presidência foi a seguinte: Eduardo Frei (DC), candidato da Concentácion obteve 29,62%; Sebastián Piñera (RN) da Coalizão pela Mudança 44,03%; Marco Enriquez Ominami (ex-integrante do Partido Socialista e candidato independente, 20,13%; e Jorge Arrate (ex-PS em lista do PC) da coligação Juntos Podemos obteve 6,21%.

O segundo turno será realizado apenas no dia 17 de janeiro, mas a campanha para ver quem vai ser o novo presidente já começou. Durante a divulgação do resultado já pudemos ver qual será a tônica deste segundo turno, a Concentácion e a Esquerda reformista levarão a cabo a campanha do medo da “volta da direita”; isto é o que se escuta da boca de todos os dirigentes do governo atual, da Concentácion até os dirigentes traidores do Partido Comunista.

Este será um elemento de grande pressão para todos aqueles militantes revolucionários cuja compreensão é de que ambos os candidatos só servem aos patrões. Deveremos suportar aquela velha política de que faz o jogo da direita. Deveremos ter paciência, paciência revolucionária e explicar que ambos os candidatos só servem aos patrões.

Votar por Frei impedirá a volta da direita?
Categoricamente afirmamos que não. A Concertácion em seus 16 anos de mandato, apenas governou de acordo com os interesses da burguesia e do imperialismo; não mudou a Constituição herdada da ditadura; contínua reprimindo a luta dos trabalhadores, como se viu na morte do colega Rodrigo Cistena (1); mantém o código trabalhista de Pinochet e nada tem feito para resolver o conflito dos mapuches (2), apenas militarizou Araucanía. Como se não bastasse, a educação contínua sendo privatizada no país. Por tudo isso, dizemos que a Concentácion não é de esquerda. Não por acaso, alguns a batizaram a coligação como a “direita democrática”, que tem defendido de forma constante a política de Pinochet, mas por meios “democráticos”. Não existe nenhuma diferença entre Frei e Piñera. Os dois representam os interesses da burguesia e vão continuar entregando o país nas mãos do imperialismo. Nenhum dos dois representa uma mudança a favor dos trabalhadores.

Piñera é uma alternativa de mudança?
A direita obteve 44% dos votos no primeiro turno. Muitos militantes de esquerda estão pensando que a direita está se fortalecendo, por isso reafirmam sua postura de que vivemos em uma situação reacionária. Para nós, o que demonstra essa quantidade de votos é que a classe trabalhadora chilena está cansada da Concertácion, e que ao não ver uma alternativa real para suas demandas e inquietudes se deixou levar pela campanha bonita e milionária de Piñera, que não titubeou em realizar espetáculos com os grupos musicais da moda.

Além disso, para muitos trabalhadores ele não é visto como um continuador de Pinochet, apesar de ter se enriquecido com seu governo. Para muitos Piñera foi o empresário que votou contra Pinochet, ou seja, é um empresário democrático (nisto ajudou muito a esquerda reformista e tradicional que costuma falar dos “empresários bons e democráticos” e dos empresários maus e pinochetistas). Dizemos que Piñera é como todo empresário: um explorador que não hesitará em usar a força e a repressão contra os trabalhadores e estudantes. De democrático não tem nada, pois como outros empresários, Piñera também apoiou a Pinochet até quando a ditadura lhe foi útil. Seu voto pelo NÃO, simplesmente foi oportunismo político, que seus próprios aliados da UDI ainda não lhe perdoam.

O que aconteceu com o fenômeno Ominami?
Bem como a votação Piñera, o fenômeno Marco Enriquez Ominami, demonstrou simplesmente a crise interna que vive a Concertácion que não tem novos dirigentes (provavelmente, Marco fosse o único na sua idade para ser candidato). Mas o programa que defendeu não toca a fundo os problemas que os chilenos enfrentam durante o dia a dia. Marco também disse que ia continuar aplicando a política de privatizações e de desmantelamento do Estado. Marco Enriquez é um candidato claramente liberal. Sua irrupção mediática faz parte das múltiplas rupturas de diferentes setores da coalizão que estão no governo. O candidato tratou de aglutinar dentro de sua candidatura personagens das mais variadas orientações políticas. Isto levou a sustentar um discurso extremamente ambíguo. Marco reuniu tanto ex –pinochetistas e ex- guerrilheiros. Hoje, na realidade, são todos são iguais, todos são empresários.

A imprensa tem falado que Marco é uma opção “integradora, renovadora, enérgica e juvenil”. Isto tem iludido muitas pessoas, especialmente os jovens. Mas seu discurso pluriclassista não é nada novo, é um velho recurso utilizado para enganar os trabalhadores cansados dos políticos que estão no poder. Marco Enriquez é igual a direita e a Concertácion, só que mais confuso e com menos programa.

De todas suas propostas, o que fica claro é que ele é um defensor do mercado, portanto é um defensor dos baixos salários, do trabalho precário, do lucro na educação e da saúde privatizada. Todo seu carisma juvenil e seu talento mediático lhe permitiram atingir 20,13% dos votos. Para muitos um triunfo. Por outro lado, porém, Marco também sofreu uma grande derrota já que devido ao sistema eleitoral binominal (para a eleição de deputados e senadores), não conseguiu eleger nenhum parlamentar de sua coligação eleitoral. Como não poderá fazer pressão desde o Congresso, não lhe resta outra opção do que a de negociar. Ainda que diga que seus votos não são transferíveis, está claro que Marco quer sobreviver na política. Por isso, deveremos estar atentos as suas negociações com o candidato Eduardo Frei.

Acabou a exclusão?
O PC têm deixado faz um longo tempo de ser uma possível expressão dos interesses da classe trabalhadora, pois optaram por um pacto com a coalizão de governo participando em listas eleitorais unidas em vários distritos. O outrora Pacto por Omisión converteu-se em um Pacto eleitoral aberto que lhes permitiu obter três deputados. Segundo o PC, houve uma ruptura com a exclusão (o que formalmente é verdade), mas o que não dizem é que o pacto PE na verdade por “submissão”, pois terminam entregando os votos “já negociados” ao candidato burguês do Pacto dirigente, Eduardo Frei. Assim, rebaixam seu programa, suas bandeiras para fazer parte do Regime. Para eles “o fim justifica os meios”; de marxistas e leninistas já não lhe resta nada. Por isso, é que essa candidatura era a mais perigosa para a classe trabalhadora, pois levando à classe pelo caminho de mal menor, terminam votando pela Concertácion.

A votação de 6,21% do eleitorado reflete a votação historicamente ruim que tem obtido o PC nas últimas eleições. A percentagem permitiu o partido obter deputados. A negociação e o chamado do Comitê Central do PC para apoiar Eduardo Frei no segundo turno é algo que deve ser denunciado como outra traição do PC.

Como no primeiro turno, chamamos o voto nulo
Afirmamos que votar por Piñera é aceitar a volta da direita tradicional, que está aproveitando o desgaste da Concertácion. Votar em Frei, por sua vez, significa a continuação dos últimos anos, e já está claro que ele serve aos interesses dos banqueiros, empresários e patrões. Nesta conjuntura, como no primeiro turno, a FR-IC chama os trabalhadores a votarem nulo e defender nas ruas um programa realmente classista que exija melhores condições de vida para os trabalhadores chilenos. Desde já dizemos que qualquer um dos candidatos não são uma alternativa para a classe trabalhadora. Ante o chamado que faz o Partido Comunista de “parar a Direita”, nós devemos dizer que não vamos se deixar enganar, pois Frei e Piñera são candidatos dos patrões. A partir dos sindicatos, das organizações populares e sociais, dos centros de alunos e das juntas de vizinhos, devemos nos preparar, nos organizar e lutar por nossas legítimas reivindicações. Chamamos os trabalhadores a não depositar nenhuma confiança naqueles que negociam as esperanças da classe trabalhadora e seus aliados o povo pobre de nosso país. Devemos denunciar que estas negociações realizadas em nome da classe são mentiras baratas, pois só se negocia uma miserável presença no Parlamento.

Chamamos a todos aqueles que estão pelo voto nulo, a defender um programa mínimo, cujas bases a seguir apresentamos:

1. Ante a crise econômica que golpeia nosso país, é preciso nacionalizar e estatizar toda empresa ou banco que feche suas portas, sem nenhum tipo de indenização. Este plano deve contemplar créditos a juros baixos e devem ser controlados pelos trabalhadores. Nenhum trabalhador deve ser despedido sob o atual código do trabalho, redução da jornada de trabalho para que estas sejam distribuídas entre os trabalhadores. Aumento geral de salários e salários de acordo à variação do IPC. Pela renacionalização do Cobre e de todas nossas riquezas básicas do subsolo e marítimas, sob o controle dos trabalhadores. Renacionalização de todas as empresas privatizadas sob a ditadura e os governos da Concentácion.

2. Por um plano estatal de obras públicas, controlado pelo trabalhadores, que contemple a construção de escolas, hospitais, habitações, centros esportivos, estradas e pontes, que servirá para absorver a mão de obra desempregada e pôr fim à má qualidade na construção.

3. Educação pública, laica, estatal e gratuita em todos seus níveis: para terminar com a desigualdade de oportunidades, a violência e a delinqüência, recuperar à juventude das garras dos traficantes, é o Estado que deve garantir a educação. Esta deve ser de qualidade com um único programa de educação, curriculum trabalhista e acadêmico; para isso é necessário tomar medidas como, por exemplo, a redução de alunos por curso (máximo 25), aprimoramento dos professores e o aumento de seus salários.

4. Respeito da saúde, contratação imediata de profissionais da saúde por concurso público; mais dinheiro para a saúde pública; criação de hospitais nas regiões; sistema de saúde pública integrada, desde a atenção preventiva até o hospitalar; maior ênfase na promoção e prevenção da saúde.

5. Transporte público: fim do monopólio das empresas privadas, criação de uma empresa pública de transportes que garanta um preço de custo aos bilhetes por todo Chile. Passe livre para todos os estudantes, terceira idade e gestantes, todo os dias do ano.

6. Contra a Lei que criminaliza o Protesto Social e que permite levar preso qualquer pessoa que participe de uma marcha. Liberdade aos presos políticos! Contra a perseguição aos dirigentes sindicais, estudantes e povos que saem às ruas pra lutar.

7. Não à opressão contra as mulheres, homossexuais, imigrantes e povos originários. Em defesa aos direitos de todos os oprimidos e explorados, pelo fim das discriminações. Pela legalização do aborto com atenção médica no sistema público de saúde, pela união civil de casais do mesmo sexo com os mesmos direitos e benefícios dos casais heterossexuais.

8. Pela Autodeterminação do Povo Mapuche. Basta de Repressão e desmilitarização da Araucanía.

9. Combater a destruição ambiental. Contra os produtos e sementes transgênicas! Incentivar a utilização de novas formas de produção de energia alternativas aos produtos derivados do petróleo e queima de madeira.

10. Fim imediato de todos os compromissos com o FMI, o Banco Mundial e a OMC, que a crise seja paga pelos ricos e não nossas famílias. Não ao pagamento da dívida externa, estes recursos devem ser destinados à saúde, educação, moradias, salários e pensões.

Contra a corrupção da Direita e da Concertácion. Por um Governo dos Trabalhadores.
Um Chile socialista é possível, sem burocratas nem patrões.
Votar nulo no segundo turno.

Força Revolucionária – Esquerda Comunista. Seção da LIT-QI

NOTAS

1 – Rodrigo Cisterna, trabalhador florestal assassinado no dia 3 de maio de 2007 durante uma greve do sector.

2 – Os mapuches são o maior grupo indígena do país e estão concentrados principalmente nas regiões centro-sul do Chile, como na região da Araucanía. Ao longo dos últimos anos travam uma heróica luta pela recuperação de territórios ocupados pela empresa Forestal Mininco – um dos maiores grupos econômicos do país que controla mais de um milhão de hectares com plantações de eucalipto e pinheiros para a produção de celulose. Dentre suas reivindicações estão a devolução de terras e autonomia para os seus territórios.

O governo chileno, por sua vez, trata o povo mapuche com terror e repressão. Sob os governos da Concentación foram processados centenas de indígenas pela Lei Antiterrorista e pela Lei de Segurança Interior.