Redação

Há 30 anos, um golpe afogava em sangue a “via pacífica para o socialismo”`Foto
Salvador Allende chega ao poder em setembro de 1970, à frente da Unidade Popular (UP), que reunia o Partido Socialista (PS), o Partido Comunista (PC), pequenas organizações de esquerda e um setor minoritário da burguesia chilena. Anuncia ao mundo a “via pacífica para o socialismo”, através das eleições e do diálogo com a burguesia e propõe-se a “libertar o Chile da subordinação ao capital estrangeiro”.
O governo da UP estatiza bancos e grandes empresas, mediante indenização aos proprietários, entre elas as minas de cobre – principal riqueza do país – e as comunicações, de propriedade norte-americana. No primeiro ano de governo, os salários são valorizados, o desemprego é reduzido pela metade e são construídas 100 mil habitações populares.

Mas, no ano seguinte, a queda do preço internacional do cobre, o boicote dos Estados Unidos em resposta à estatização de suas empresas e o esgotamento das reservas de dólares do país, consumidas no pagamento das indenizações e da dívida externa, trazem de volta a crise econômica. A burguesia boicota a produção e a distribuição de produtos básicos, gerando desabastecimento e mercado paralelo.

Cordões Industriais: o poder operário
As lutas dos trabalhadores e camponeses vinham em ascenso desde a greve geral de 1967 e ganham enorme impulso com a vitória da frente popular.

As ocupações de terras pelos camponeses indígenas (mapuches) obrigam Allende a desapropriar 2.500 latifúndios. As ocupações de fábricas forçam a estatização de 123 empresas. Os operários começam a controlar a produção e exercer um poder paralelo ao dos patrões dentro das fábricas.

Nestas lutas surgem os Cordões Industriais, que reúnem todas as fábricas de uma região, com suas direções eleitas pela base, para organizar as lutas, usando métodos radicalizados como ocupações de fábricas e fechamento de ruas.

A burocracia sindical e o PC transformam a Central Única dos Trabalhadores numa correia de transmissão da política do governo e boicotam os cordões, acusando-os de fazer paralelismo à CUT.

Revolução e contra-revolução
A burguesia contava com a ajuda da frente popular para frear e derrotar o poderoso ascenso das massas chilenas. Exige de Allende o compromisso de defesa do regime democrático-burguês e das Forças Armadas, no que é prontamente atendida.
Mas, apesar dos esforços da frente popular para desviar as lutas das massas para os trilhos da “via pacífica eleitoral”, a revolução não se detém. Isto obriga a burguesia a preparar o golpe para impor a “ordem” no país, alinhando-se à política dos EUA.

A escalada da contra-revolução burguesa e imperialista tem início em outubro de 1972 com a paralisação nacional dos transportes, bancos e comércio. Em junho de 1973, a oficialidade fascista das Forças Armadas tenta um primeiro golpe contra o governo, o “Tancazo”.

Estes ataques são derrotados pela mobilização dos trabalhadores, que respondem com a ocupação de mais fábricas e passam a controlar diretamente a distribuição de produtos básicos à população. À frente da luta estão os Cordões Industriais em aliança com as organizações camponesas e populares. A vanguarda operária começa a se armar nas fábricas para enfrentar os atentados fascistas e os militares.

Pinochet entra pela porta aberta por Allende
Ao invés de apoiar-se na mobilização dos trabalhadores para enfrentar o caos econômico e a burguesia golpista, Allende inicia um diálogo com a “burguesia democrática” e integra no governo a cúpula das Forças Armadas. A UP pede aos trabalhadores para confiar nos “generais democratas”, entre eles Pinochet, que dois meses depois iria comandar um novo e definitivo golpe. Através da Lei de Controle de Armas, elaborada pelo governo, os militares passam a invadir as fábricas em busca de armas, mapeando e reprimindo a vanguarda operária.

A armação de um novo golpe é denunciada pelos marinheiros de Valparaíso, que se colocam à disposição do governo para enfrentá-lo, mas são abandonados por Allende e por toda a esquerda. São presos e torturados pelos oficiais fascistas.

Em 4 de setembro, 750 mil trabalhadores marcham em Santiago no terceiro aniversário da vitória da UP. O PC se limita a passar um abaixo-assinado contra a guerra civil!
No dia 11, o golpe é desencadeado. Os trabalhadores, traídos por seus dirigentes, não têm nenhuma resistência organizada e são massacrados. Em 15 anos, o saldo macabro da ditadura de Pinochet acumulou 5.405 assassinatos, 2.206 desaparecidos, 164 mil exilados e 155 mil presos.

Faltou uma direção revolucionária
O que levou a esta derrota histórica dos trabalhadores? Era possível um outro resultado?

Para os reformistas, a exemplo do conselheiro diplomático do governo Lula e dirigente do PT, Marco Aurélio Garcia, ex-militante do MIR, Movimento de Esquerda Revolucionário, o “erro” da esquerda chilena foi analisar a situação sob a ótica da Revolução Russa de 1917, e, também não ter buscado, desde o início, uma aliança mais à direita com a burguesia democrática para ter maioria para governar.

Conseqüentes com este balanço, o PT e o Partido Socialista chileno, hoje no poder com Lula, no Brasil, e Ricardo Lagos, no Chile, governam com a direita, aplicando os planos burgueses e imperialistas contra os trabalhadores. A “via pacífica ao socialismo” foi substituída pela “3ª via neoliberal”.

O balanço da esquerda revolucionária é completamente oposto. Faltou uma direção revolucionária aos heróicos trabalhadores chilenos, que os ajudasse a romper com a ilusória “via pacífica” reformista e tomar o rumo da revolução socialista: centralizar o poder dos cordões industriais e organismos revolucionários das massas para a tomada do poder, organizar as milícias armadas dos trabalhadores e apoiar as reivindicações dos soldados para ganhar seu apoio contra a oficialidade golpista.
O maior obstáculo no caminho da revolução foi o governo burguês e contra-revolucionário da UP. Ao considerá-lo como o seu governo e esperar que Allende, o PS e o PC os dirigissem na luta contra a burguesia e o imperialismo, os trabalhadores e a vanguarda revolucionária ficaram desarmados e foram derrotados.
A esquerda socialista, que tinha na esquerda do PS e no MIR as principais organizações, manteve-se todo o tempo no apoio crítico a Allende, atuando como roda esquerda da frente popular e, por isso, não foi capaz de se construir como alternativa de direção revolucionária.

O balanço correto da tragédia chilena deve preparar a vitória dos próximos combates revolucionários.

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