Chega de morte de mulheres trabalhadoras: Descriminalizar e legalizar o aborto já!

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Érika Andreassy, da Secretaria Nacional de Mulheres

No dia 28 de setembro é celebrado o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. É uma data para lembrar a tragédia que representa para milhares de mulheres, uma legislação machista e conservadora, que criminaliza o aborto. No Brasil, o aborto inseguro é a quinta causa de morte materna. Portanto, se trata de um problema de saúde pública!

Em nosso país, a interrupção da gravidez só é permitida em caso de estupro, risco para a mulher ou anencefalia, do contrário, o aborto é considerado crime e a mulher pode ser condenada de um a três anos de prisão. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma sentença, cujo entendimento é que o aborto realizado voluntariamente até o terceiro mês de gestação não pode ser considerado crime, pois viola vários direitos fundamentais das mulheres.  Entretanto, por se tratar de um caso específico, não obriga outros magistrados a seguir a decisão.

Mas se hoje a restrição ao aborto já é enorme, a situação pode piorar. Mais um ataque ao direito das mulheres está sendo articulado no Congresso. Num adendo à PEC 181/2015, que foi aprovada no Senado e inicialmente visava ampliar o período de licença maternidade em casos de parto prematuro, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) propôs uma alteração na Constituição visando proibir o aborto mesmo nos poucos casos em que ele é hoje permitido. Se aprovada, essa PEC vai representar um gravíssimo retrocesso, acabando com os poucos avanços que se teve no último período.

A criminalização não serve para reduzir o número de abortos, mas apenas para sentenciar à morte milhares de mulheres trabalhadoras, na maioria negras e pobres que, diante de uma gravidez indesejada e sem condições econômicas para realizar o procedimento de forma segura, se veem obrigadas a recorrer a clínicas clandestinas ou a medicamentos abortivos e outras práticas que acabam de forma trágica.

O Brasil registra hoje uma média de quatro mortes por dia, de mulheres que buscam socorro nos hospitais, por complicações do aborto.  Uma tragédia perfeitamente evitável, já que a interrupção da gravidez, quando feita com a assistência adequada, em raríssimos casos leva à morte. Segundo especialistas, as taxas de morte quando o aborto é realizado de forma segura, são menores, por exemplo, do que as do parto normal.

As mulheres burguesas, que tem dinheiro para pagar por clínicas de alto padrão, longe da mira da polícia, apesar do constrangimento por ter de recorrer a uma prática ilegal, têm sua saúde e vida asseguradas. Portanto, estamos falando da vida das mulheres trabalhadoras, já que a maioria das mulheres que recorrem ao aborto clandestino o fazem por necessidade. Não são criminosas, muitas inclusive são casadas e mães de família, frequentam a igreja, algumas sofrem com a violência doméstica e sexual. São vítimas do sistema que, ao se depararem com uma gravidez inesperada e indesejada, não tem outra opção que arriscar sua saúde e sua vida nas mãos de pessoas que se aproveita do sofrimento alheio para ganhar dinheiro, bem ao estilo da lógica capitalista.

O mesmo Estado que não permite às mulheres interromperem uma gravidez indesejada não constrói creches e escolas em tempo integral suficientes para que os filhos e filhas das trabalhadoras possam permanecer em segurança enquanto estas saem para trabalhar, não garante emprego e salário digno para que as mulheres vítimas da violência doméstica possam romper com um relacionamento abusivo e alimentar seus filhos sem depender economicamente de maridos ou companheiros agressores, não consegue livrar as mulheres grávidas e seus bebês das sequelas da infecção pelo Zika Vírus, ou seja, não oferece as condições necessárias para as trabalhadoras exercerem de forma decente a maternidade.

Descriminalizar e legalizar o aborto é garantir o direito das mulheres trabalhadoras à vida, por isso essa reivindicação deve ser tomada pelo conjunto dos trabalhadores. Não podemos admitir nem uma morte a mais porque setores conservadores e reacionários no poder se negam a conceder esse direito às mulheres.

Mas só a garantia legal ao aborto não resolve o problema se não se prover as condições para que as mulheres tenham acesso a ele, através da rede pública de saúde, e se não for acompanhado também de medidas para evitar uma gravidez indesejada, como educação sexual nas escolas e unidades de saúde, contraceptivos gratuitos, programas de planejamento familiar, etc. Por outro lado, enquanto não for garantido às mulheres, o direito de exercer a maternidade de forma digna, elas seguirão recorrendo ao aborto mesmo contra suas convicções ideológicas e religiosas e continuarão condenadas à morte porque o Estado burguês capitalista seguirá sendo incapaz de garantir uma saúde pública, gratuita e de qualidade para toda a população incluindo as mulheres trabalhadoras que quiserem recorrer ao aborto seguro, pois os ataques aos direitos sociais tem levado a total precarização do SUS.

A luta pela descriminalização e legalização do aborto é tarefa de todos os trabalhadores, homens e mulheres, e deve fazer parte da luta geral da classe contra o governo Temer e suas reformas e bem como esse Congresso de picaretas e reacionários. Nesse dia 28 de setembro, vamos lembrar as mutilações e mortes de mulheres que ocorrem todos os anos em decorrência de abortos clandestinos, para lutar para que o direito ao aborto seja garantido por lei e que nenhuma mulher mais seja punida por decidir abortar. Mas também para demonstrar hipocrisia do estado burguês capitalista que ao mesmo tempo que nega às mulheres o direito ao aborto, é incapaz de proporcionar às trabalhadoras o exercício da maternidade de forma digna.