Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

A próxima edição da revista `Marxismo Vivo` trará artigos especiais sobre a vida e a luta de Che Guevara, morto em 9 de outubro de 1967. Aqui, oferecemos aos nossos leitores um roteiro sobre a presença e o impacto do revolucionário argentino no mundo das Falar de Ernesto Che Guevara é, acima de tudo, falar da luta incansável pelo socialismo em escala internacional. Independentemente de toda e qualquer divergência com suas posições políticas e seus métodos, é impossível não vê-lo como símbolo da luta revolucionária, da rebeldia e do inconformismo. E é exatamente neste campo, o da simbologia, que sua presença é marcante no mundo das artes.

Desde seu assassinato nas florestas bolivianas, há quase quatro décadas, a figura de Che tem inspirado artistas (na música, no teatro, no cinema e nas artes plásticas), mantendo seu legado vivo e servindo para gerações de jovens como forma de expressão de sua própria rebeldia e insatisfação com o sistema.

São muitos aqueles que dizem que a reprodução indiscriminada da imagem de Che em camisetas, pôsteres e outros “produtos” não passa de uma apropriação indébita, por parte do próprio sistema, da figura do revolucionário. Uma apropriação, paradoxalmente, utilizada contra tudo aquilo que o líder da Revolução Cubana lutou: a mercantilização e a transformação em produtos de consumo de tudo e qualquer coisa, por parte do sistema capitalista; a banalização dos sentidos e propósitos da luta revolucionária e a massificação da própria arte.

Em primeiro lugar, como sempre dizemos, essa é uma característica inerente ao próprio sistema capitalista: tentar se apropriar, distorcer e esvaziar o sentido de tudo aquilo que lembre a luta revolucionária. Segundo, se é verdade que é “estranho” e incoerente ver artistas e jovens completamente descompromissados com a luta revolucionária produzindo ou desfilando imagens de Che em seus quadros e camisetas, também seria uma estupidez não reconhecer que, para a grande maioria, resgatar sua imagem é, em algum nível e de alguma forma, homenagear alguém que dedicou toda sua vida à luta e ao combate ao capitalismo.

As muitas visões sobre Che
Na raiz da transformação da imagem de Che em um ícone da cultura popular está a foto do cubano Alberto Korda, realizada em 1960 para o jornal Revolucíon. Após a morte de Che, Korda abriu mão dos direitos autorais da foto e liberou seu uso afirmando: “Como apoiador dos ideais pelos quais Che morreu, eu não me oponho à reprodução da foto por aqueles que desejam propagar sua memória e a luta pela justiça social mundo afora”.

Como se sabe (e é possível ver nas imagens que ilustram esta página), o desejo de Korda não foi inteiramente cumprido. Sua imagem ganhou releituras e reinterpretações nas mãos de gente tão distinta, do ponto de vista ideológico, como o norte-americano Andy Warhol, artistas comprometidos com a revolução e uma infinidade de anônimos que a utilizam todos os dias em pichações e grafites nas paredes de todo o mundo.

Como também era inevitável, nos últimos anos o cinema também retratou Che em vários filmes, a maioria deles, infelizmente, não disponíveis no Brasil. O mais conhecido até o momento é “Diários de Motocicleta”, produção latino-americana de Walter Salles. Um tanto conservador em termos cinematográficos, o filme é, contudo, digno e belo na representação da viagem do jovem de classe média argentino pelos países da América Latina. Uma “travessia” usada como metáfora para a conscientização política de Che.

Também disponível nas locadoras, há o excelente documentário “Soy Cuba, o Mamute Siberiano”. A história do filme é digna da vida do próprio Che. Filmado originalmente em 1964 pelo russo Mikhail Kalatozov, o filme retrata quatro histórias dramatizando o processo que culminou na Revolução Cubana, mostrando as diversas facetas dos envolvidos, desde a população rural até os estudantes universitários.

“Perdido” durante décadas, o filme foi recuperado por Ferraz, que, no documentário, discute não só o próprio processo de filmagem do original mas, fundamentalmente, o porquê de seu “desaparecimento”. Algo que, em grande medida, só pode ser explicado pelos descaminhos da própria Revolução Cubana, já que o filme original de Kalatozov era, acima de tudo, um poético e veemente manifesto contra o capitalismo e o imperialismo.

Menos conhecido, mas também lançado no Brasil, há o documentário “Ernesto ‘Che’ Guevara: homem, companheiro, amigo…”, dirigido em 1996 pelo italiano Roberto Massari. Apesar de apresentar uma visão um tanto “oficialesca” da vida de Che (principalmente por ter sido co-produzido pelo governo cubano), o filme traça um retrato bastante completo sobre sua vida.

Com a aproximação do aniversário do assassinato de Che, há pelo menos uma “grande produção” já pronta e que deve ser lançada no início de 2007. Trata-se de “Guerrilha”, uma cinebiografia realizada com ares de superprodução hollywoodiana. Dirigida por Steven Soderbergh, conhecido por seus filmes independentes e, geralmente, questionadores (como “Traffic”), a produção traz o ator mexicano Benicio Del Toro (“Sin City”) no papel de Che. É o típico caso de esperar para ver o que foi feito.

Para além das telas
Na literatura, há uma infinidade de romances, poemas e biografias dedicados a Guevara. Praticamente toda a obra de Eduardo Galeano (como “Veias abertas da América Latina” e “Dias de amor e de guerra“) é pontuada por citações e reflexões sobre Che. Mais recentemente, o mexicano Jorge Castañeda também lançou uma ampla biografia intitulada “Che Guevara, a Vida em Vermelho”.

No teatro, uma referência fundamental é “El dia que me quieras”, do dramaturgo venezuelano José Ignácio Cabrujas. Escrito em 1979, a peça tem sido montada (em São Paulo) pela companhia Folias d’Arte, que tem forte tradição de encenações preocupadas com a reflexão crítica sobre realidade e fazer artístico. Nesta peça em particular, Che surge como personagem numa representação que, baseada na dialética de Brecht, opõe a perspectiva socialista do velho militante à indústria cultural, personificada pela figura mítica de Carlos Gardel, que, na peça, simboliza o abandono da marginalidade do tango do princípio de carreira.