No ano passado, muitos adeptos do chavismo defenderam de forma intransigente a reforma da constituição proposta pelo presidente venezuelano. Diziam que sua aprovação era necessária para que Chávez avançasse na sua “revolução” bolivariana e em direção ao “socialismo do século 21”. Alguns, como o intelectual norte-americano James Petras, chegaram acusar as organizações de esquerda que se opunham à constituição chavista de “agentes da CIA”.

Mas a derrota de Chávez sofrida no referendo mostrou o início de uma insatisfação social com a continuidade da miséria do povo e o enriquecimento corrupto da “boliburguesia” e da alta burocracia estatal.
A reforma pretendia instituir a reeleição indefinida. Uma medida que tem um conteúdo autoritário e visava utilizar o aparato estatal para que Chávez se perpetuasse no poder.

Mal começou 2008, e Chávez respondeu à derrota no referendo com um giro de seu governo à direita. Um caminho bem diferente daquele que seus defensores pregavam.
O presidente, agora, adota uma política de negociação com a oposição burguesa. Algo que está aprofundando a experiência do movimento de massas com o governo e causa perplexidade até mesmo entre militantes chavistas.
As negociações em curso com a oposição burguesa já levaram Chávez a realizar duas importantes concessões à burguesia: mudanças na política econômica e anistia aos golpistas de 2002.

Caso dos reféns
No terreno da política externa, Chávez também deseja aparecer como alguém mais confiável. Recentemente, o venezuelano mediou a libertação dos reféns dos guerrilheiros da Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Dessa forma, pretendia conquistar projeção como o “homem do diálogo”, necessário para a mediação política na região.

Ao longo do episódio, Chávez defendeu que “os atores da guerra na Colômbia se sentassem para falar de paz”. Mas de que paz Chávez está falando? Ele realmente acredita que é possível algum tipo de paz com o governo de Álvaro Uribe e o imperialismo?

Limites
Apesar da retórica chavista, a Venezuela não passa por nenhuma transformação socialista. Chávez é, na verdade, um tipo de governo nacionalista-burguês, como foram, no passado, os governos de Perón (Argentina) e Cárdenas (México). Todos eles governaram para a burguesia e mantiveram a exploração capitalista.

Mas a crescente insatisfação social na Venezuela mostra os limites do nacionalismo-burguês, que não rompe com o imperialismo e por isso não pode mudar realmente a vida dos trabalhadores.

No ano passado, os trabalhadores venezuelanos iniciaram um importante processo de experiência com o governo. Um exemplo foram as mobilizações operárias, como a luta da fábrica Sanitários Maracay, violentamente reprimida pela polícia, e os petroleiros que também enfrentaram a repressão. Também entraram em cena os estudantes, que iniciaram um processo de mobilização contra a Reforma Constitucional proposta por Chávez. Com o giro à direita a experiência do movimento de massas com o governo vai se aprofundar.

Plano econômico: concessão aos especuladores
Apesar da renda com o petróleo e dos altos preços do produto (U$ 100 o barril), a Venezuela passa por uma grave crise econômica, cuja origem se encontra nos altos níveis de importação de alimentos e artigos de consumo.
Ocorre que a enorme renda petroleira venezuelana não garantiu que o país conseguisse produzir alimentos para sua própria população. A falta de investimentos públicos na reforma agrária, por exemplo, torna o país muito dependente de importações.

Segundo as estatísticas oficiais, no ano passado as importações aumentaram 40% em relação a 2006. A crise provocou inflação e uma grande escassez de produtos e mercadorias nos mercados populares. Faltam gêneros de primeira necessidade como arroz, frango, leite etc. Diariamente, a população é obrigada a penar para conseguir alimentos, suportando longas filas e humilhações.
A inflação foi às alturas e atingiu 22,5%, em 2007, a taxa oficial mais elevada da América Latina. A inflação e a escassez proporcionam lucros altíssimos aos especuladores.

O governo estava adotando uma política de controle dos preços e Chávez até ameaçou punir os responsáveis pela especulação e escassez. Mas isso também não passou de mais um discurso do presidente.

No início do ano, o governo anunciou o fim do tabelamento de preços. Rodrigo Cabezas, ministro das Finanças, disse que o governo deixará de controlar os preços de 400 produtos, restringindo o tabelamento para apenas 20.

A decisão de liberar os preços é desastrosa para os trabalhadores e vai arruinar ainda mais os seus salários. Com ela Chávez faz o jogo dos empresários e especuladores, responsáveis pela crise de desabastecimento na Venezuela.
Por outro lado, a medida não vai solucionar a grave crise econômica do país. Pelo contrário. O cenário de recessão da economia norte-americana, somado a uma crise econômica mundial, vai aprofundar a crise no país.

Perdão aos golpistas
A medida de Chávez que tem gerado mais polemica é a Lei de Anistia aos golpistas de 2002, acusados de sabotagem e massacres. Nesse ano, a população saiu às ruas, quase sem armas, para enfrentar os bandos que tentaram derrubar o governo. Apesar da vitória, o saldo foi de vários mortos e feridos. De volta ao governo, Chávez quase nada fez para punir os responsáveis pelo golpe. Optou pela reconciliação, decidindo montar as chamadas “Mesas de Diálogos”. Algo que deu fôlego para oposição de direita para tentar novos golpes, como o “lockout” de 2003 e o Referendo Revogatório, aceito pelo governo. Os poucos golpistas que foram presos agora serão anistiados.

A disposição de Chávez em anistiar os golpistas evidencia uma clara tendência de seu governo em se reconciliar com a oposição de direita.

A anistia também revela a farsa sobre o discurso do fechamento da RCTV. A emissora foi fechada por Chávez no ano passado sob o argumento de ter realizado a defesa do golpe em 2002, o que de fato fez, juntamente com todas as demais emissoras, controladas por burgueses milionários. Muitos defensores do chavismo utilizavam deste argumento para apoiar a medida de Chávez. Mas este argumento agora é insustentável. Como explicar, agora, o fechamento da RCTV enquanto Chávez dá o perdão ao conjunto dos golpistas de 2002?

O fechamento da RCTV esteve longe de ser uma medida contra setores golpistas. Foi, na verdade, uma ação para endurecer o regime e aumentar o controle de Chávez sobre os distintos setores da sociedade, entre eles os meios de comunicação.
Mas, se por um lado Chávez procura se reconciliar com a oposição burguesa, ao conceder a anistia aos golpistas, ele também está criando uma crise com ativistas da esquerda venezuelana que, nos últimos anos, travaram heróicas lutas contra os golpes.

Chávez funda o PSUV
Contando com a participação de 1.700 delegados, no dia 13 de janeiro, foi fundado o PSUV ((Partido Socialista Único da Venezuela).

A criação do PSUV foi proposta por Chávez, cujo objetivo é integrar todas as organizações da esquerda num único partido. A decretação do PSUV como “partido único” foi acompanhada por ataques a outras correntes do movimento. Quem não aceitasse entrar neste partido era chamado de “contra-revolucionário”.
Mas o PSUV é, desde sua própria formação, um partido burguês, construído a partir do Estado burguês e com uma direção burguesa, mesmo que sua base seja operária e popular. Também é um partido ultracentralizado em torno de um “líder”, ou “alto comando”, com poderes totais. Trata-se, na verdade, de uma iniciativa para tentar disciplinar e controlar o movimento de massas “por cima”, como fizeram no passado governos populistas como Perón (Argentina).

Ingressar no PSUV é se submeter a sua política econômica (favorável aos capitalistas) e a um partido sem democracia interna desde sua fundação.
Mais grave: é renunciar construir uma opção política dos trabalhadores, independente do governo.

Como disse Orlando Chirino, coordenador nacional da UNT (União Nacional dos Trabalhadores): “o PSUV não é a opção política revolucionaria. Sua derrota em 2 de dezembro (referendo constitucional), seus vícios e, sobretudo, o controle que tem o governo, os burocratas e os corruptos sobre este partido, nos fazem dizer, com toda clareza, que estamos no melhor momento para construir nossa própria ferramenta política”.

Construir o campo dos trabalhadores
No momento em que o movimento de massas avança sua experiência com o go-verno Chávez, é necessário apresentar uma alternativa classista e independente para os trabalhadores.

Atualmente, existem dois campos políticos que se enfrentam na Venezuela. O primeiro, formado e dirigido pelo governo, congrega a “boliburguesia” e poderosos grupos econômicos que tentaram derrubar Chávez, mas que, hoje, estão ao seu lado.
O segundo grupo é formado por um setor da burguesia que, apesar de lucrar com o crescimento econômico, enfrenta Chávez e pretende voltar a governar. Este grupo, porém, não tem condições para desestabilizar o go-verno nem de dar um golpe militar, ao estilo de 2002.

Mas, com o avanço da experiência dos trabalhadores, um terceiro campo está se desenvolvendo, conformado pelos setores mais lutadores do movimento sindical e popular. Esta terceira força exige o fim da exploração capitalista, não aceita os acordos de Chávez com a direita e nem as tentativas do governo para aumentar o controle do Estado sobre a sociedade e o movimento de massas. Por isso se opôs à constituição chavista e se recusa a ingressar no PSUV.
A criação de um terceiro campo, contra a direita e o governo, vai representar um avanço dos trabalhadores caso seja articulada com a perspectiva da criação de um partido dos trabalhadores.

Por outro lado, a não cons-trução deste terceiro campo deixará aberta a via para que as massas sejam ganhas por um projeto “renovado” dos velhos partidos burgueses, que tentam capitalizar o desgaste do governo Chávez.

Neste sentido, a UST (Unidade Socialista dos Trabalhadores), seção da LIT na Venezuela, está chamando a construção deste terceiro campo dos trabalhadores, para avançar o processo de reorganização sindical e político do país.

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