Hugo Chávez ocupa hoje a maior parte do espaço antiimperialista na América Latina. O venezuelano vem defendendo a implantação do “socialismo do século 21” em seu país. Em meio às comemorações dos 90 anos da Revolução Russa, é preciso perguntar: o que é esse socialismo? O chavismo tem algo a ver com o bolchevismo?

Em discursos logo após sua reeleição, Chávez disse que seu governo vai iniciar a “fase de construção do socialismo” na Venezuela. Em seguida, anunciou a nacionalização de uma empresa telefônica e de outra de energia elétrica que estavam nas mãos do capital estrangeiro. Recentemente, seu governo apresentou à Assembléia Nacional (o Congresso venezuelano) um projeto de reforma constituinte taxada pelo próprio Chávez de mais um passo rumo ao “socialismo do século 21”.

O conjunto dessas medidas aumentou ainda mais o apoio de um setor da esquerda latino-americana decepcionada com Lula que acredita que o chavismo pode encabeçar um processo revolucionário socialista na Venezuela, como aconteceu na Rússia em 1917. Isso é possível?

Muitas diferenças
Diversos argumentos podem ser levantados para defender o governo Chávez, mas compará-lo aos bolcheviques extrapola os limites do bom senso. Longe de marchar rumo ao socialismo ou de tornar a Venezuela independente do imperialismo, Chávez continua ditando medidas que reforçam a propriedade capitalista no país e a ação das multinacionais.

Quando tomaram o poder, os bolcheviques implementaram um conjunto de medidas transitórias para o socialismo. No terreno da economia, expropriaram os latifundiários, nacionalizaram as terras e distribuíram-nas aos camponeses pobres, estabeleceram o controle operário da produção e da distribuição de mercadorias por meio dos sovietes, romperam acordos com o imperialismo, além de instituírem o monopólio estatal do comércio exterior. Todas essas ações visavam a eliminação da propriedade privada e a implementação de uma economia socializada e planificada pelo novo Estado operário. Algo bem diferente do que se passa na Venezuela de Chávez.

Nas mãos dos capitalistas
As medidas levadas a cabo por Chávez não representam nem sombra de ruptura com o sistema capitalista-imperialista. O governo de Chávez tornou-se um dos melhores pagadores da dívida externa, destinando bilhões da riqueza venezuelana para os bolsos dos banqueiros internacionais. Aliás, Chávez foi um dos pioneiros em pagar antecipadamente a dívida. De 1998 até 2006, seu governo pagou um total de US$ 24,8 bilhões. Em 2006, foram destinados US$ 6,5 bilhões, valor superior ao orçamento da saúde e da educação. Mesmo assim, a dívida venezuelana cresceu US$ 7,7 bilhões, totalizando hoje US$ 31 bilhões.

Por outro lado, a principal riqueza da Venezuela, o petróleo, continua dando lucro às multinacionais. Chávez aprofundou a entrega do petróleo ao capital estrangeiro por meio das chamadas “empresas mistas”, entregando áreas de exploração petrolífera para companhias estrangeiras que controlam hoje 40% da produção, cujo lucro é estimado em mais de US$ 4 bilhões anuais.

Na Revolução Russa, as medidas econômicas de transição possibilitaram uma elevação das condições de vida dos trabalhadores. Do país mais atrasado da Europa, a Rússia transformou-se numa potência mundial, apesar das travas da burocracia stalinista. Na Venezuela, a manutenção do capitalismo e das multinacionais deixa os trabalhadores na mais completa exploração. O salário mínimo pago à maioria dos venezuelanos é de US$ 250, enquanto a cesta básica custa US$ 650. As condições de trabalho continuam ruins e estima-se que 50% da população economicamente ativa continuam na informalidade.

Migalhas socialistas?
Os defensores do chavismo alegam que houve um avanço da socialização da riqueza do Estado com a proliferação de programas sociais como as Missões. Com esse programa, os setores mais pobres do país obtiveram, pela primeira vez, acesso a atendimento médico e alfabetização, mas achar que isso representa um “passo ao socialismo” é mais do que distorcer a realidade.

Nos anos 1990, com as privatizações, destruição de empregos, aumento da miséria, etc., instituições como o Banco Mundial passaram a defender esse tipo de política para “compensar” a pobreza produzida pelo neoliberalismo, ou seja, são programas que atenuam as chagas do capitalismo, adotados, inclusive, por governos de direita. Basta lembrar que no Brasil foi FHC quem inaugurou esses programas.
As Missões, portanto, são similares ao Bolsa Família de Lula. Nem por isso alguém em sã consciência é capaz de dizer que, no Brasil, reina o socialismo.

Estado burguês prevalece
Ao tomarem o poder, os bolcheviques “quebraram” o aparato de Estado burguês e o substituíram pelo Estado operário baseado nos sovietes. Entendiam que o caminho para o socialismo pressupõe o poder para os trabalhadores, que devem decidir os rumos da economia e da sociedade. Eles elegem seus representantes, que podem ser destituídos a qualquer momento. Esta é a ditadura do proletariado, mil vezes mais democrática que qualquer democracia burguesa.

Chávez nunca se propôs destruir o Estado burguês. Sua proposta era – e continua sendo – reformar a democracia burguesa para controlar melhor o poder político. Utilizou, para isso, a reforma na constituinte e o controle sobre a Assembléia Nacional. Além disso, tenta criar seu partido (PSUV) para controlar o movimento de massas do país.

Estas reformas agregaram uma característica cada vez mais autoritária e bonapartista à democracia burguesa venezuelana.

Forças Armadas
A Revolução Russa, ou qualquer outra revolução socialista do século passado, destroçou o pilar fundamental do Estado burguês: as Forças Armadas (FFAA). Historicamente, o caminho para o avanço “rumo ao socialismo” pressupõe a destruição da hierarquia e da estrutura das FFAA. Será que o coronel Chávez está disposto a destruir as FFAA?

Chávez não só as preserva, mantendo-as intactas e organizadas dentro de um molde burguês, no qual os trabalhadores não têm nenhum controle sobre as armas, como, ao longo dos últimos anos, vem fortalecendo-as. Hoje, as FFAA são o principal ponto de apoio do governo Chávez.

Por um lado, o venezuelano concedeu perdão aos oficiais golpistas e municiou as FFAA. Por outro, não concedeu direitos políticos e sindicais aos soldados e suboficiais, nem a eleição democrática para oficiais.

Apesar de toda sua retórica, Chávez não promove nenhuma transformação socialista em seu país. É, na verdade, um tipo de governo nacionalista-burguês como foram, no passado, os governos de Perón (Argentina), Cárdenas (México) e Getulio Vargas (Brasil). Todos eles governaram para a burguesia e estiveram bem longe do socialismo. Chávez não é uma exceção histórica.

Post author Bruno Sanches, de São Paulo (SP)
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