Neste momento dramático da situação na Palestina, veio-me à memória um ensinamento de um velho professor de filosofia (hoje um destacado comentarista de futebol) e que me dizia que os momentos de crise eram propícios para que se conhecesse a sociedade e os fenômenos sociais de forma mais profunda e pura.

A tragédia de Gaza permite, como em seu tempo as do Gueto de Varsóvia e de Guernica, ir fundo no debate sobre a natureza, a essência do que é o Estado de Israel, a autoproclamada “única democracia do Oriente Médio”. Como uma tragédia dessas proporções recebe mais de 80% de aprovação entre a população judaica do país? Como personagens supostamente pacifistas, como Shimon Peres declaram que “nós não perdemos tantas crianças como os palestinos porque sabemos cuidar de nossas crianças”? Ou o escritor Abraham Yehoshua que declarou que “as pessoas falam de David e Golias, mas é preciso dar-se conta que a capacidade de sofrimento dos palestinos é muito maior e isso os torna mais fortes. Por isso, nossa resposta tem de ser muito maior, porque é preciso que entendam que tem de parar com os foguetes. Uma resposta moderada não os impressionaria. Fechamos os postos fronteiriços, coramos a eletricidade e isso não os fez parar com os disparos” (Jornal EL País, 4/1/09). Esses são os pacifistas israelenses. Imaginem quem são os direitistas…

Felizmente, há alguns pequenos setores que já se posicionam contra. Houve uma manifestação de dez mil pessoas em Tel-Aviv, algumas dezenas de milhares de palestinos de Israel na Galiléia e alguns reservistas que se negam a servir ao exército para não atuarem no massacre e que, por isso, foram presos.

O Estado sionista tem origem na limpeza étnica a que foram submetidos os palestinos em 1948, quando 700 mil foram expulsos pelas tropas sionistas. A partir daí, foram décadas de despojamento de terras, a guerra de 1967, a anexação de Jerusalém Oriental, a colonização da Cisjordânia, onde já há 250 mil judeus, a construção de centenas de postos de controle e da suprema obra do colonizador, o Muro do Apartheid.

Dentro de Israel, os 20% de árabes são cidadãos de segunda classe. Agora mesmo, os partidos árabes foram banidos das eleições em Israel por se negarem a reconhecer um Estado judeu e democrático, o que não precisa de nenhum comentário adicional.

Com relação à situação atual é preciso ter claro que: Israel nunca desocupou Gaza (somente retirou suas tropas e colonos) e mantém o controle das fronteiras e da economia, bloqueia as atividades mais mínimas, como o fornecimento regular de alimentos, remédios, água e eletricidade; Israel é uma prisão a céu aberto, a maior do planeta; Israel foi quem rompeu a frágil trégua estabelecida com o Hamas, ao assassinar, em novembro, seis palestinos.

Não há guerra em Gaza. Um dos mais bem armados exércitos do planeta, equipados e apoiados pelos Estados Unidos, massacra a população e a resistência legítima dos palestinos contra 41 anos de ocupação. Os governos europeus e dos paises árabes são cúmplices, pois nada fizeram para evitar a continuidade do massacre. Particularmente, a ditadura de Mubarak no Egito é responsável por, no mínimo, negar-se a abrir a fronteira com Gaza e salvar milhares de vidas.

O fim da ocupação, a libertação dos mais de dez mil presos políticos palestinos, o direito de retorno aos refugiados, são passos iniciais e prévios para uma solução. Opor-se à barbárie sionista não equivale a apoiar politicamente o Hamas em sua proposta de estado islâmico na região. A única saída viável e justa é a de um estado laico no território da Palestina histórica, onde os direitos dos palestinos sejam plenamente restituídos e todos possam conviver.

Que podemos fazer agora?
Há um vasto movimento de solidariedade aos palestinos de Gaza em todo o mundo. Cada minuto perdido é precioso. É preciso começar a organizar, no país, o movimento de boicote aos produtos e serviços produzidos em Israel.

Assim como durante o apartheid sul-africano, Israel deve ser tratado como um pária entre as nações. Devemos exigir que o governo Lula também rompa relações com Israel, como foi feito na Bolívia e na Venezuela. É hora de agirmos sem perda de tempo.