Proposta de cotas do governo não resolve problema da exclusão dos negros. Para`FotoAntes de falarmos sobre a proposta de cotas do governo, é preciso lembrar de algo fundamental: ela é parte do nefasto projeto de reforma Universitária. Ou seja, em uma manobra digna do populismo, Lula embutiu uma proposta aparentemente progressiva – e que, supostamente, atende às reivindicações do movimento negro – em um projeto que, na prática, pode destruir o ensino público superior e inviabilizar o acesso à universidade de qualquer um: seja de escola pública ou não, negro ou branco.

E mais: como tudo no governo Lula, as aparências enganam. O governo está propondo a reserva de 50% das vagas nas universidades federais para alunos de escolas públicas. Nestes 50%, negros e índios (que tenham estudado ao menos três anos do ensino médio na rede pública) teriam uma “cota” proporcional à indicada no censo de 2000.

Na prática, em São Paulo, por exemplo, das 1.889 vagas existentes nas federais, 944 seriam destinadas aos estudantes das públicas. Destas, 258 (27,4%) seriam para negros e negras, e o ridículo número de uma vaga ficaria para os indígenas! Ou seja, no estado de São Paulo, a proposta de cotas de Lula é, na verdade, de 13,7% das vagas para negros. No país, a proporção seria de 22,5%.

Também como parte do “pacote”, o governo criou o projeto “Universidade para todos”, que visa preencher as vagas ociosas das escolas privadas com estudantes carentes, negros, indígenas e professores da rede pública. O objetivo: colocar marginalizados, carentes e pobres em escolas de qualidade questionável, além de dar uma ajuda para os tubarões do ensino.

Contra a reforma, a favor de cotas!

Setores do movimento negro, particularmente aqueles dirigidos pelo PT e o PCdoB, não demoraram para aplaudir a proposta. Mesmo entre aqueles que esboçaram alguma crítica, é comum ouvir argumentos como: Afinal, para quem não tinha nada, já é alguma coisa! Achamos isto um tremendo erro. O que estes setores não querem perceber ou admitir é que a proposta se assemelha a uma pequena cereja num bolo envenenado.
Não há como aplicar políticas reparatórias seguindo a lógica do FMI e, muito menos, investindo na privatização do ensino, ao invés da aplicação de medidas como o fim do vestibular, a estatização das privadas, a ampliação das vagas e, inclusive, a mudança radical na lógica imposta às universidades, hoje, totalmente voltadas para os interesses privados e da elite.

Se aplicada, a política de Tarso Genro e companhia irá reduzir o número de vagas, e não aumentá-lo. Se vitoriosa, a proposta irá fazer com que as cotas, já distorcidas, sejam aplicadas a um número cada vez menor de vagas.

Para que isso não ocorra, só há um caminho: derrotar, de conjunto, a Reforma Universitária de Lula. Neste sentido, qualquer apoio à proposta, ao invés de significar uma real defesa das cotas, caminha no sentido inverso. Implica na defesa de um sistema de ensino excludente, elitizado e, conseqüentemente, racista.

Por isso mesmo, o movimento negro deve denunciar a manobra do governo, aliar-se ao movimento estudantil que está lutando contra a Reforma (participando, por exemplo, do Encontro, nos dia 29 e 30 de maio, e do ato, em Brasília, no dia 16 de junho) e, construir, juntamente com os estudantes e os trabalhadores em geral, um movimento que obrigue o governo a propor uma real política de cotas, que, no nosso entender, não só deve ser proporcional ao total das vagas, mas também, e principalmente, deve vir acompanhada de políticas de permanência (com aulas complementares, bolsas de alimentação, transporte, assistência estudantil etc).

Isto tudo, obviamente, implica em dinheiro. Algo que o governo Lula só tem reservado para os banqueiros e os tubarões do ensino.

Para que se comece a fazer justiça

Para além da polêmica com o governo, há ainda muita gente que é contra qualquer política de cotas. Também achamos que isto é um grave erro. Há aqueles que são contra porque defendem a manutenção do sistema elitista de ensino. Para estes só temos uma resposta: a luta.

Contudo, há também quem defenda que o caminho para a “inclusão” de negros e carentes na universidade é a mudança na estrutura do ensino, para beneficiar “a todos”, independentemente da raça. Algo que também consideramos um equívoco.
Temos certeza, que a universidade que queremos, só virá com profundas mudanças sociais e econômicas. Com uma revolução, para sermos exatos. Contudo, o que estes setores esquecem é o profundo abismo que o racismo criou entre negros e brancos na sociedade brasileira. Um abismo de classe e de raça.

Apenas para citarmos um dado, é preciso lembrar que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 2000, detectou que se considerarmos apenas o “Brasil Branco”, o país ocupava a 44ª posição entre as nações mais desenvolvidas; já o “Brasil Negro” estava na 105ª posição do ranking. Esta desproporção também é encontrada nos níveis de desemprego (45% maior entre negros), na diferença salarial (negros ganham em média 48% do que recebem os brancos), e por aí vai.

Aqueles que se opõem às cotas com um discurso, às vezes, “classista”, menosprezam o peso do racismo e a necessidade de traçarmos políticas específicas para os setores oprimidos (incluindo mulheres e homossexuais) para, com eles, lutarmos pelo fim da exploração e por uma sociedade que respeite as “diferenças”.

É por essas, e muitas outras, que a Secretaria de Negros e Negras do PSTU defende políticas reparatórias. Contudo, só acreditamos que elas possam ser efetivas se aplicadas contra a lógica do sistema. O que não tem nada a ver com a proposta de Lula, que deve ser derrotada.

Post author Wilson H. da Silva, da Secretaria Nacional de Negros e Negras do PSTU
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