Em sua última carta, Eduardo Almeida narra o encontro com os líderes estudantis haitianosEntro na universidade do Haiti. É a única universidade pública do país. Estou na Faculdade de Ciências Humanas, o centro mais importantes do movimento estudantil do país.

A faculdade está toda pichada contra a Minustah e o governo. Em um grande painel está escrito “Não nos pararão!” em creóle. Achei as letras estranhas e me aproximei para ver: eram feitas com as bombas de gás lacrimogênio lançadas contras eles na última mobilização.

Bumba é um dos ativistas. Inteligente e informado, um típico ativista do movimento estudantil, como os brasileiros. Ele me conta como o movimento vem desde o primeiro de maio desse ano. Eles integraram o “comitê por um outro primeiro de maio” junto com Batay Ouvriyé, uma Central Sindical do Funcionalismo Público e outras organizações. Foi essa mobilização que deflagrou a luta pelo reajuste do salário mínimo para 200 gourdes. Uma delegação da Conlutas esteve presente nesse primeiro de maio, que foi reprimido pela polícia.

Os estudantes seguiram em maio, junho e julho, com mobilizações de apoio aos 200 gourdes. Faziam mobilizações que saíam das faculdades para as ruas e logo eram reprimidos. A cada repressão, saía uma mobilização maior.

A polícia vinha primeiro, com a Minustah logo depois, como força maior se necessário. Dizem que essa é a nova tática. A Minustah recompôs a polícia que estava em pedaços, para ficar em um segundo plano da repressão. Mas muitas e muitas vezes, a Minustah teve de enfrentar os estudantes. Mas eles estiveram em todos os momentos da luta pelos 200 gourdes, junto com os operários até a greve de agosto.

Já existia um conflito desde abril com os estudantes de medicina. Eles se levantaram contra o currículo privatizante , sem nenhuma preocupação com a medicina preventiva e saúde pública. Depois de muitos enfrentamentos, ocuparam a faculdade, e permaneceram aí por meses e meses. Em uma operação de guerra, com tropas especiais, a polícia e a Minustah desocuparam o prédio da Faculdade perto da meia noite, aproveitando os poucos estudantes presentes. Desde então, tentam retomar as aulas, mas os estudantes seguem em greve. Desde abril até hoje, quase nove meses de greve, apesar da direção da universidade, do governo e da Minustah.

O dia 18 de novembro é uma data tradicional no Haiti. Foi a última grande batalha da independência. Os estudantes escolheram este dia para uma manifestação contra a presença da Minustah. Saíram da Faculdade de Direitos Humanos, a mesma em que estou agora. A polícia já os esperava com gás lacrimogêneo, mas não conseguiu impedir a passeata.

Eles se reagruparam e seguiram adiante. Passaram em frente à faculdade de medicina ocupada pela polícia, tentaram reocupar, mas não conseguiram pela repressão. Seguiram então pelas ruas, encontraram um carro da Minustah e o viraram de rodas para cima. Depredaram mais dois carros da Minustah e um outro do estado.

São destes enfrentamentos as bombas de gás que formam o painel na entrada da faculdade. Nas mobilizações pelos 200 gourdes, foram mortos um estudante e um operário pela polícia e a Minustah. Foram cerca de 40 presos, dos quais 20 estudantes. Houve novos presos com o ato de 18 de novembro. Os últimos foram soltos há pouco mais de uma semana.

Betil James me recebe na faculdade. É um dos coordenadores do movimento. Fala sempre de maneira bem articulada e segura. Me levam para uma sala, onde farei uma palestra. Saem para chamar os estudantes e voltam com umas 60 pessoas. Ali estava boa parte dos que estiveram a frente das mobilizações e alguns dos que foram presos.

O debate é muito interessante. Querem entender como Lula, que era dirigente sindical mudou tanto a ponto de mandar tropas para o Haiti. Explico que o governo brasileiro é das grandes empresas multinacionais, mas com a cara de um líder operário. E que é isso que o estado burguês faz, transformando burocratas em administradores do capitalismo. Que Lula engana os trabalhadores com seu plano econômico tanto como sobre a Minustah. Quando eu conto como o governo diz que a MInustah faz uma “ação humanitária” no Haiti, que ajuda a resolver os problemas de esgoto, saúde, etc., eles se riem.

Uma parte deles tem simpatias por Chavez e Castro, que não integram a Minustah. Mas eu lhes pergunto por que esses governos seguem apoiando Préval. Isso é um crime político, que indica o caráter desses governos. Um deles me pergunta se não era correto que Chavez apoiasse Préval com o petróleo que manda, que possibilita uma economia para o governo de 200 milhões de dólares ao ano. Eu lhe pergunto quanto dinheiro Chavez enviou para o movimento que luta contra Préval, e ele me reconhece que nenhum. Assim o governo haitiano pode economizar dinheiro para usá-lo na repressão e para conseguir mais apoio.

Eles me perguntam como fazer para estreitar as relações com o movimento estudantil e operário brasileiro. Eu lhes falo da Anel e da Conlutas. Saiu da reunião a proposta de uma grande campanha contra a presença da Minustah e um compromisso de defesa comum dos presos que ocorrerem.

Desço as escadas da faculdade ao lado de Betil, Bumba e de outros ativistas estudantis. Olho pela última vez para os muros da faculdade. Meu último dia no Haiti foi decorado com pichações, painéis e cartazes contra a Minustah.