Sobre suas declarações depois do referendo constitucional na VenezuelaProfessor Petras:

Tomamos conhecimento de suas declarações à Rádio Centenário CX36 do Uruguai, reproduzidas por meios de comunicações desse país em 4 de dezembro de 2007, em que você afirma que o PSTU do Brasil, partido do qual somos militantes e dirigentes, atua na Venezuela junto com “… os estudantes financiados pelo imperialismo…”. Depois você agregou: “… temos documentos da agência de ajuda internacional em que reconhecem repassar US$ 213 mil aos estudantes treinados nos Estados Unidos que voltam e promovem ações de rua, etc. Com esta gente trabalham os trotskistas, os setores trotskistas afiliados ao PSTU”. Em outras palavras, você está acusando nosso partido, o PSTU, de ser, em suas palavras, contra-revolucionário e financiado pelo imperialismo norte-americano.

Este tipo de acusação nos deixa indignados. É bastante comum que nós, trotskystas, sejamos acusados pelos stalinistas e seus aliados de “agentes da CIA” toda vez que atacamos algum governo burguês considerado “progressista” por vocês. De qualquer forma, consideramos importante confirmar a veracidade de suas declarações já que, na medida em que fizemos várias atividades em conjunto, você nos conhece muito bem e sabe melhor do que ninguém que somos uma corrente revolucionária. Por isso, antes de escrever esta carta, entramos em contato para confirmar essas declarações e você, rapidamente, as confirmou.

Seria sua obrigação apresentar, nos próximos dias, as provas da relação do PSTU com os “estudantes venezuelanos financiados pelo imperialismo norte-americano”. Isso é o mínimo que se poderia esperar de um professor socialista, já que, se não as apresentasse, muitos o considerariam, com toda razão, um vulgar charlatão caluniador.

Só que você não vai poder apresentá-las, pois sabe muito bem que elas não existem. Você é consciente de que está recorrendo ao arsenal de métodos stalinistas de calúnia e mentira para tentar destruir, por essa via, o adversário que não consegue derrotar com argumentos políticos.

Este fato já seria motivo suficiente para dar por terminada esta carta e, com ela, nossas relações. Mas não vamos fazer isso: vamos expor nossa posição política sobre cada um dos argumentos que você utiliza para analisar a derrota eleitoral de Chávez. Vamos responder a cada um dos seus argumentos políticos por respeito a muitos ativistas honestos que o consideram um intelectual sério.

O resultado do referendo
Em primeiro lugar, nos parece que sua atitude, como a de muitos outros chavistas, é resultado do desespero diante da derrota no referendo, a primeira nas numerosas eleições realizadas nestes nove anos. Desespero diante do fato de que, em muitas zonas em que se apoiava indiscutivelmente Chávez, o NÃO tenha triunfado. Uma atitude que, em vez de tentar entender as verdadeiras causas da derrota, procura encontrar “bodes expiatórios” culpados pela derrota.

Existe um fato inegável: três milhões de venezuelanos que votaram em Chávez nas eleições presidenciais de 2006, agora não fizeram o mesmo. Comecemos, então, analisando o que aconteceu no referendo, ou seja, por que triunfou o NÃO e qual é o significado deste resultado eleitoral. Esse é o debate central, necessário para esclarecer a muitos honestos lutadores que, na Venezuela e no mundo, ficaram bastante confundidos por esse resultado.

Essa confusão parte de um fato: tanto o governo Chávez quanto a maioria da esquerda mundial apresentaram o voto pelo SIM como um voto progressivo, socialista, e o NÃO, como um voto reacionário, capitalista. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação, muitos deles pró-imperialistas, faziam uma interpretação parecida.

Em nossa opinião, o significado do que aconteceu é exatamente o oposto. O SIM representava, em seu conteúdo, um voto reacionário, pois respaldava um projeto totalitário, embora estivesse camuflado de bandeiras vermelhas e alusões ao “socialismo”. O NÃO era, também em seu conteúdo, um voto progressivo, porque representava o rechaço de importantes setores do movimento de massas a este projeto e sua insatisfação com a política socioeconômica do governo Chávez.

Por que triunfou o NÃO
É evidente que, para você, o triunfo do NÃO significou a derrota de um “projeto socialista” muito progressivo pela ação da direita pró-imperialista. Para explicar essa derrota, nessa mesma entrevista, você diz que “a direita articulou tantas forças financeiras, a mídia, econômicas…”. Este fato, somado à atividade de setores da esquerda que se opuseram à reforma, incluindo alas que se distanciavam do próprio governo, teria conseguido “semear confusão e descontentamento nos setores populares, neutralizando o apoio de Chávez”.

O problema desta análise é que grande parte destes elementos já existiam antes. Por exemplo, na tentativa de golpe pró-imperialista, em 2002; no lockout patronal que paralisou a PDVSA por seis meses; no referendo revogatório de 2004 e nas eleições presidenciais de 2006. Mas Chávez ganhou todos estes enfrentamentos anteriores porque a grande maioria das massas o apoiou. Neste referendo, esse apoio diminuiu drasticamente. Assim, tão simples é o ponto de partida da explicação sobre por que foi derrotado o SIM. Esta é a análise que se deve aprofundar para entender o que ocorreu.

A famosa “campanha da mídia”
Analisemos um pouco a questão da “campanha da mídia”. O governo de Chávez hoje tem um poder de mídia, financeiro e político muito superior ao que tinha em 2002 ou 2004. Logo após o fechamento da RCTV e sua incorporação ao Estado, passou a possuir seis canais públicos, enquanto apenas 2 cadeias nacionais são privadas. Por que não foi possível para Chávez se contrapor a campanha da mídia pró-imperialista com os canais públicos?

Sua situação financeira é muito melhor que em 2002: o preço do petróleo está atingindo os US$ 100 por barril, enquanto naquele ano não superava os US$ 22,00, ou seja, a renda anual que Chávez dispõe se multiplicou muitas vezes. Ao mesmo tempo, em termos institucionais, ele controla totalmente a Assembléia Nacional e uma maioria esmagadora dos governos estaduais e prefeituras. Por que, então, ele não pôde evitar a derrota eleitoral?

Na verdade, todas estas justificativas não passam de uma “cortina de fumaça” lançada pelo governo Chávez e seus apoiadores incondicionais para esconder a questão central: sua perda de apoio no movimento de massas.

A insatisfação popular
Desfeitas as “cortinas de fumaça”, fica evidente que o resultado do referendo reflete um salto na insatisfação popular com o governo. Quais são as razões desta insatisfação? Você mesmo se vê obrigado a reconhecer algumas causas de caráter socioeconômico, como o desabastecimento de produtos básicos e a alta inflação (vai superar 21% em 2007 e quase 30% nos alimentos). Acrescentaríamos ainda os baixos salários, a não-negociação de convênios coletivos para os empregados públicos, a luta dos trabalhadores estatais e privados para eleger seus representantes para negociar essas convenções, etc.

Além disso, há uma evidente corrupção do aparato chavista na administração dos fundos públicos e a transformação descarada das principais figuras na nova “burguesia bolivariana”, que passeia com seus carros do ano, os Hummer Todoterreno importados. Seu máximo expoente é o governador de Miranda, Diosdado Cabello, que, em poucos anos, se transformou no dono de várias fábricas e empresas, como denunciou publicamente o historiador e velho lutador venezuelano Domingo Alberto Rangel.

Um setor minoritário, mas crescente, de trabalhadores começou a resistir a esse curso do governo através de lutas, greves e mobilizações, em sua grande maioria, fortemente reprimidas. Estes elementos são o pano de fundo do resultado eleitoral. Diga-se de passagem, desmentem de modo concreto o suposto caráter socialista do processo encabeçado por Chávez. Nesse quadro, agrega-se outro fator central.

O curso autoritário do governo
Por outro lado, existe uma crescente insatisfação com as ações políticas do governo. Especialmente, com seu curso cada vez mais autoritário e repressivo contra o movimento de massas. Por exemplo, em maio deste ano, o governo reprimiu violentamente os trabalhadores da fábrica Sanitários Maracay que ocuparam a empresa, depois que os patrões a abandonaram, e marcharam a Caracas, reivindicando sua estatização sob controle dos trabalhadores. Também foram reprimidos os trabalhadores petroleiros de Zulia e Puerto La Cruz que reivindicavam o direito de eleger seus representantes que negociariam com o governo. Ou os trabalhadores estatais, que depois de anos sem poder discutir sua convenção coletiva, foram desalojados do Ministério do Trabalho por grupos de choque do governo, camuflados atrás da organização Tupamaros.

Este curso autoritário do governo não se manifestou somente na repressão às reivindicações e lutas dos trabalhadores. Expressou-se em todos os aspectos da vida política do país. Por exemplo, no critério de integração compulsória ao PSUV de todas as forças que apoiavam o governo, nos ataques à autonomia sindical da União Nacional dos Trabalhadores (UNT), no próprio fechamento da RCTV e no fato de chamar de “contra-revolucionário” todos aqueles que ousassem discordar de algum aspecto dessa política, mesmo que tivessem toda uma trajetória de luta contra a direita e o imperialismo.

Reforma socialista ou burguesa bonapartista?
Isto nos leva a um dos pontos centrais do debate: o caráter político e de classe da reforma constitucional proposta pelo governo. Você, como muitos dos defensores do SIM, expressou que as reformas eram “um passo em direção ao socialismo”. Evidentemente, se isto fosse correto, a vitória do NÃO significaria que este avanço teria sido rechaçado pelo povo venezuelano. Como já dissemos, é uma análise similar à que é feita pelo imperialismo e pela direita.

Mas esta caracterização da nova constituição é totalmente falsa. As reformas propostas não tinham nada a ver com o socialismo nem constituíam um avanço em sua direção. Não queremos entrar numa longa análise legalista do seu texto. Mas não podemos deixar de assinalar que o novo texto mantinha o artigo 115, que garante a propriedade privada dos meios de produção; o artigo 112, que promove o apoio do Estado para ajudar a esta forma de propriedade; o artigo 98, que respeita a propriedade intelectual e as patentes internacionais (quase uma cópia de uma exigência da Alca e dos TLCs impulsionados pelos Estados Unidos); o artigo 301, que dá segurança aos investimentos estrangeiros; ou o artigo 113, que mantém e aprofunda a figura das “empresas mistas”, iniciada pelo governo pró-imperialista de Rafael Caldera, sob a qual as companhias estrangeiras já controlam mais de 40% da produção petrolífera do país.

Em outras palavras, tratava-se de uma reforma que mantinha e aprofundava o caráter capitalista que a Constituição aprovada em 1999 já possuía, com algum adorno referente ao “socialismo” ou à “produção social”. Também não introduzia nenhum avanço antiimperialista, como se demonstra pela crescente entrega de áreas petrolíferas ao imperialismo ou pelas concessões cada vez maiores às companhias automotivas internacionais (Toyota, Mitsubushi, GM, Ford, etc.), como a eliminação de impostos.

O verdadeiro objetivo
A partir deste caráter profundamente burguês, o verdadeiro objetivo das reformas era fortalecer o bonapartismo do governo, isto é, o poder centralizado de Chávez. Não só para debilitar a oposição, mas, essencialmente, para enfrentar a insatisfação das massas.

Por exemplo, introduzia a possibilidade de reeleição presidencial indefinida de Chávez, enquanto este direito era negado aos governadores e prefeitos. Também o direito presidencial de modificar, segundo sua vontade, a divisão político-administrativa do país, criando novos estados ou unindo outros. Um poder muito útil para eliminar governadores inconvenientes. De conjunto, apresentava critérios que se parecem muito aos do monarca absolutista francês Luís XIV: “O estado sou eu”.

Outro aspecto muito negativo da reforma é que avançava à tentativa de controle sobre o movimento operário, através dos chamados Conselhos Trabalhistas, que representavam um ataque explícito à organização sindical independente dos trabalhadores. Tal como denunciou o dirigente sindical Orlando Chirino numa declaração de oposição à reforma, estes Conselhos, “além de não serem organizações criadas de forma genuína pelos trabalhadores nem nascidos de sua luta diária, são organismos que nascem tutelados e controlados de forma absoluta pelo Executivo, ferindo a independência e a autonomia dos trabalhadores e de suas organizações. (…) Nota-se, então, o interesse do Governo Nacional em seguir promovendo a divisão nas fileiras dos trabalhadores, antepondo organismos que não são autônomos, e em manter a política anti-sindical desatada no presente ano, expressa no não-reconhecimento da União Nacional dos Trabalhadores (UNT), dos dirigentes legítimos dos sindicatos petroleiros e dos trabalhadores do setor público…”.

Também introduzia a criação de um novo setor das Forças Armadas, totalmente subordinado ao comando presidencial que poderia atuar para controlar e reprimir qualquer movimento que saísse dos limites impostos pelo governo. Algo que já aconteceu por ocasião do uso de paramilitares contra a ocupação do Ministério do Trabalho e nos ataques armados, na Universidade Central da Venezuela, contra os estudantes que se manifestaram pelo NÃO.

É preciso agregar que o próprio mecanismo do referendo para a aprovação da reforma constitucional era profundamente antidemocrático, já que impedia a realização de um amplo debate no movimento de massas sobre temas tão importantes, como as bases políticas, econômicas e sociais do país incluídas nos mais de 60 artigos modificados. Um fato que terminou voltando-se como um bumerangue contra o próprio governo no resultado da votação.

A intuição das massas
As reformas, tanto em seu conteúdo quanto em seu método de aprovação, tentavam dar um salto qualitativo no curso totalitário do governo. Um setor importante do movimento de massas compreendeu e intuiu desta forma. Viram que não existia nenhuma ameaça real de golpe de direita e que, pelo contrário, a verdadeira ameaça às liberdades democráticas e aos direitos dos trabalhadores provinha do próprio governo Chávez.

Por isso, diferente de 2002-2003, quando estiveram dispostas a dar a vida para defender Chávez, ou quando o apoiaram por ampla maioria em votações anteriores, já que sentiam que assim defenderiam seus direitos e liberdades contra a direita e o imperialismo, desta vez, rechaçaram as reformas, porque, sob um verniz socialista, eram profundamente reacionárias e seria necessário freá-las. Como diziam os trabalhadores na refinaria petroleira de Puerto LA Cruz: “é preciso dar um basta”. Esta “intuição” das massas venezuelanas foi totalmente correta.

Isto é o que explica o triunfo do NÃO e não a teoria da conspiração “midiática-financeira” do imperialismo e de seus “agentes esquerdistas pagos”. É o que explica, por exemplo, que na região de Petare, uma das regiões pobres de Caracas e vanguarda da luta contra o golpe em 2002, o NÃO tenha triunfado com 61% contra 38% do SIM. Esta combativa região de Caracas ficou repentinamente repleta de contra-revolucionários?

Nós consideramos que o resultado do referendo é um triunfo das massas diante de um projeto reacionário e não uma derrota do “projeto socialista”, explicação que, em última instância, culpa as massas por se deixarem confundir pelo inimigo. Um triunfo das massas que, ao derrotar no terreno eleitoral um projeto burguês reacionário, têm hoje melhores condições para avançar rumo à sua organização e mobilização autônomas, no caminho da luta pelo verdadeiro socialismo.

Parêntesis sobre o golpe
Um dos principais argumentos dos que chamaram a votar pelo SIM foi que um triunfo da oposição aceleraria as possibilidades de um golpe pró-imperialista, cuja preparação estava em curso. Em outras palavras, quem não votasse SIM estaria apoiando objetivamente os golpistas. Queremos deixar claro que, se o perigo de golpe fosse verdadeiro, não duvidaríamos nem um minuto em chamar a unidade de ação, inclusive com o governo, para enfrentar os golpistas, tal como o PSTU e a LIT-QI fizeram em 2002.

Porém, agora, a situação é totalmente distinta. As massas, em 2002, derrotaram o golpe e os golpistas e logo também quebraram o lockout da burguesia. Os golpistas de então se dividiram. O setor mais forte, como Cisneros e o grupo Polar-Mendoza, aliou-se com o governo e começou a fazer negócios com ele. Entretanto, a ala mais extrema dos chamados “escuálidos” foi ficando cada vez mais isolada e fragmentada.

O próprio imperialismo americano mudou sua política. A correspondente de um importante diário argentino nos EUA informava que “a vitória do NÃO representou para os EUA um enorme alívio. Não só porque representa um freio ao poder de Hugo Chávez, mas também porque confirma que a estratégia de não confrontação que o Departamento de Estado está instrumentando desde que Tom Shannon assumiu a Subsecretaria para Assuntos Hemisféricos começou a dar bons resultados” (Clarín, 4/12/07).

Em outras palavras: nada de golpe para derrubar Chávez (não-confrontação), mas apostar no desgaste de Chávez para recuperar o poder pela via eleitoral, aproveitando sua falta de respostas às necessidades socioeconômicas das massas e seus ataques às liberdades democráticas. Ao mesmo tempo, igual a Cisneros e Mendoza, o imperialismo continua fazendo muitos e excelentes negócios com esse mesmo governo.

Depois do referendo, este argumento de golpe desapareceu misteriosamente dos balanços dos chavistas, inclusive do seu, Petras. É que esse argumento chocava-se frontalmente com a posição dos líderes da oposição de direita que, depois do referendo, chamavam a um “diálogo construtivo com o governo para buscar a unidade nacional” ou sua afirmação da necessidade de respeitar estritamente os cinco anos que restam de mandato presidencial a Chávez.

Ainda que o argumento tenha desaparecido atualmente da cena, é bom recordar que a agitação permanente de uma ameaça de golpe inexistente foi uma tática recorrente do stalinismo para pressionar e justificar a formação de frentes de apoio a governos burgueses.

O movimento estudantil
Isto nos leva à caracterização do significado das massivas mobilizações estudantis que se opuseram à reforma constitucional. Em seus artigos, novamente fazendo eco às posições do governo de Chávez, você acusa os estudantes de serem manipulados pela CIA e financiados pelo governo norte-americano. Em outras palavras, de serem contra-revolucionários golpistas.

Já ficou evidente que a política estadunidense não é impulsionar um golpe. Porém é necessário aprofundar muito mais a análise do significado destas mobilizações. Para nós, o movimento estudantil venezuelano se levantou contra os ataques às liberdades democráticas que realizava o governo Chávez e, especialmente, contra o profundo significado reacionário e antidemocrático da reforma constitucional.

Assim se transformou no setor do movimento de massas que se colocou na vanguarda do NÃO. Todos os analistas indicam que sua entrada em cena foi decisiva para o triunfo do NÃO, já que estas grandes mobilizações tiveram grande impacto sobre outros setores sociais. É um processo genuíno e sumamente progressivo e não, como você diz, parte de uma conspiração conta-revolucionária.

Seguramente, na medida em que a maioria da esquerda apóia o governo de Chávez e seu curso totalitário, a direita pode colocar o pé nesse movimento, confundir setores e até ganhar dirigentes para assim influenciar em seu curso futuro. No entanto, até agora parece que teve bastante dificuldades para fazê-lo como demonstra a negativa em dar a palavra a Manuel Rosales (governador de Zulia e figura eleitoral da direita) nas mobilizações e o discurso de conteúdo bolivariano do dirigente estudantil que falou no ato de balanço do referendo.

Porém esta possível confusão, em todo o caso, é responsabilidade da maioria da esquerda que apóia o projeto totalitário de Chávez e, assim, permite que a direita apareça hipocritamente como paladino da justa defesa das liberdades democráticas. Esta política é tão equivocada que permitiu que esta direita golpista de 2002-2003, odiada pelas massas venezuelanas, possa agora tentar se reciclar e posar de “democrática”. Por isso, é imperativo que a esquerda, tomando distância do projeto burguês totalitário de Chávez, participe ativamente do movimento estudantil, levantando honestamente estas bandeiras democráticas, para disputá-lo com a direita. Fazer o contrário seria, agora sim, fazer o jogo do imperialismo.

Porém inclusive se o conjunto ou a maioria de seus dirigentes fossem de direita ou reacionários, isto não mudaria o caráter progressivo do movimento. Mais ainda, aumentaria a obrigação de intervir com uma política correta para disputar a direção. É o mesmo que fazemos, por exemplo, ao intervir numa greve justa que seja dirigida por uma burocracia sindical de esquerda.

Guardadas as devidas proporções, podemos comparar a situação do movimento estudantil venezuelano com o da Praça da Paz Celestial, em 1989, na China. Ali, os estudantes chineses enfrentaram o regime ditatorial do Partido Comunista que já havia restaurado o capitalismo no país, exigindo liberdades democráticas. Muitos deles marchavam levando como símbolo a Estátua da Liberdade e, inclusive, a ideologia de vários de seus dirigentes associava as liberdades democráticas a um apoio ao imperialismo estadunidense. Porém estes símbolos externos e a posição desses dirigentes (conseqüência, em última instância, de que enfrentavam uma feroz ditadura capitalista camuflada atrás das bandeiras vermelhas com a foice e o martelo), não podiam ocultar que o movimento, globalmente, era altamente progressivo.

O imperialismo e a direita não estão festejando também?
Você pode nos dizer que, além de todas as considerações que assinalamos, a direita venezuelana e o imperialismo também chamaram a votar NÃO. Portanto, eles também triunfaram no referendo. Seria uma nova “volta no parafuso” do raciocínio de que “quem não vota SIM é contra-revolucionário” (afirmação que também inclui os que chamaram a abstenção ou voto nulo).

Em primeiro lugar, é necessário assinalar que o próprio mecanismo do referendo, por sua antidemocrática limitação de alternativas, obriga a formular um posição que pode coincidir com a de setores com os quais estamos totalmente enfrentados por considerações de classe e objetivos estratégicos.

A direita e o imperialismo chamaram o voto no NÃO para manter o caráter capitalista semicolonial que possui hoje a Venezuela, mas com eles diretamente no governo ao invés de Chávez. Seu principal objetivo era capitalizar eleitoralmente o desgaste do governo. Por isso, festejam.

De nossa parte, num debate democrático, teríamos expressado, como o fizeram nossos camaradas da UST venezuelana em suas declarações, que éramos contra a reforma por seu caráter burguês e reacionário, que estamos a favor de impulsionar um processo de mobilização e organização autônomas dos trabalhadores para avançar no caminho do verdadeiro socialismo e que este seria o melhor modo de impulsionar a luta à morte contra a direita e o imperialismo. Que para isso, seria necessário construir um “terceiro campo” dos trabalhadores e das massas que permita romper a polarização que hoje existe entre as duas frações burguesas (o chavismo e a direita). Porém, no chamado ao voto, só podíamos dizer NÃO porque assim impunham as regras do referendo.

Por outro lado, a história faz com que, às vezes, os revolucionários coincidam, num fato totalmente limitado, com seu inimigo irreconciliável, o imperialismo, partindo de objetivos totalmente opostos. Por exemplo, em março de 1917, Lênin voltou à Rússia, junto com outros lutadores não-bolcheviques, como Julius Martov, num trem que atravessou a Alemanha com uma permissão especial do governo do Kaiser. Lênin voltava a seu país para disputar a direção da revolução, impulsionar os operários russos a tomar o poder e iniciar a construção do socialismo. O Kaiser tentava aproveitar a agitação dos leninistas contra a permanência da Rússia na Primeira Guerra Mundial e assim debilitar militarmente este país, contra o qual estava combatendo. É bom recordar que os inimigos russos de Lênin, na realidade os inimigos da revolução socialista, não deixaram de utilizar o episódio do “trem especial” para acusá-lo de “agente do Kaiser”.

Amálgamas e calúnias
Como expressamos no início desta carta, suas acusações contra o PSTU partem da velha lógica do stalinismo: quem não apóia minhas posições é um inimigo contra-revolucionário e, por isso, tudo é válido para combatê-lo. Um dos meios é o método das calúnias e amálgamas que questiona não só as posições políticas dos adversários, mas também sua integridade moral e sua honestidade como lutadores. Não basta derrotá-los politicamente, é preciso destruí-los. Por isso, Trotsky, Bukharin, Kamenev, Zinoviev e tantos outros dirigentes revolucionários foram acusados por Stálin de “agentes do imperialismo”, antes de serem fuzilados ou assassinados.

Segundo você, o PSTU passou a ser uma corrente que realiza acordos com quem foi “treinado e pago pela CIA”. Petras, você conhece nossa trajetória de revolucionários. Sabe que, no Brasil e em toda América Latina, nossos militantes pagaram com a prisão, a tortura e a morte sua luta contra as ditaduras militares pró-imperialistas e sua defesa das idéias do socialismo revolucionário. Sabe que estivemos na linha de frente da luta contra a Alca e o pagamento da dívida externa. Sabe que, no Brasil, ao contrário de grande parte da esquerda, não nos vendemos ao governo Lula e a seus cargos executivos ou parlamentares, mas lutamos intransigentemente contra ele e sua política pró-imperialista. Porque você nos conhece bem, tem plena consciência de que estas acusações são falsas.

Você tem todo o direito de defender o governo Chávez e de criticar-nos por não fazer o mesmo. Não nos assustam as diferenças, já que são parte do debate político. Em todo o caso, o tempo e a realidade dirão quem teve razão. O que nos parece uma aberração é que você utilize a metodologia stalinista da calúnia e das mentiras. Porque você não se limita a tentar manchar a honra do PSTU. Você faz eco aos ataques do governo Chávez que rotula dirigentes venezuelanos de reconhecida trajetória, como Orlando Chirino, de serem contra-revolucionários. Com estas acusações, esse governo prepara uma dura repressão contra estes lutadores. Suas mentiras e calúnias, professor Petras, ajudam a preparar o terreno, nos meios de comunicação internacionais, para justificar essa repressão e o fazem cúmplice dela. A que ponto você chegou.

Post author Eduardo Almeida Neto e José Maria de Almeida, pela direção do PSTU
Publication Date