Bispo de Barra fala em ato contra as mentiras do governo, em São Paulo
João Zinclar

No final de 2007, o bispo de Barra, na Bahia, D. Luiz Flávio Cappio, realizou uma greve de fome contra o projeto de transposição do Rio São Francisco do governo Lula. D. Cappio já havia feito uma greve de fome em 2005, na qual ficou 11 dias sem comer. O governo, após descumprir o acordo de discutir melhor o projeto com a sociedade, não se sensibilizou e prosseguiu com as obras.

O ato de D. Cappio, no entanto, serviu para denunciar o projeto e conferir projeção nacional à luta contra a transposição. Nesse 1º de abril, dia de luta contra as mentiras do governo, o bispo esteve em São Paulo no ato público organizado pela Conlutas, Intersindical, Andes, Pastoral Operária e outros movimentos sociais e populares. O Portal do PSTU entrevistou o homem sereno e de fala mansa que desafiou os interesses do governo, fazendeiros e multinacionais em defesa dos direitos das comunidades pobres do Nordeste.

Portal do PSTU – Existe uma incompreensão sobre o real sentido do projeto de transposição imposto pelo governo. Qual o objetivo do projeto e a quem ele serve?

D. Cappio – Hoje é justamente o Dia da Mentira e estamos aqui desmascarando as mentiras do governo e mostrando a verdade do povo. O governo alega que o objetivo desse projeto é a dessedentação humana e animal. Mas quem conhece o projeto sabe, e no debate no Senado, o próprio deputado Ciro Gomes e o ministro Geddel, deixaram bem claro que a prioridade do projeto é econômica. É a produção de frutas nobres, a siderurgia, enfim, a implementação do hidronegócio. Isso faz com que se mude o objetivo, que deixa de ser a dessedentação e passe a ser econômico. Isso é o que tem que ser desmascarado à população. Não é levar água a quem necessita, mas o uso econômico da água.

Existe a ilusão de que esse projeto vai de alguma forma beneficiar a população pobre e ribeirinha do rio. Como que se dá isso?

Exatamente. Eu moro na beira do rio São Francisco. Na beirinha. E se eu andar quinhentos metros lá de onde eu moro, já vou encontrar comunidades carentes de água. Quer dizer, a presença do rio não significa que o povo tenha água. Como também os açudes do Nordeste. A região tem a maior rede de açudes do mundo. Somente o açude do Castanhão no Ceará é três vezes maior que a baía de Guanabara. Então, água eles tem com abundância. O problema não é a água, é a distribuição, a democratização da água. Fazer com que essa água, seja do São Francisco, seja dos açudes, seja distribuída a quem não tem. O real problema é então a socialização do uso da água.

Qual é a alternativa ao projeto de transposição do governo?

Ah, o próprio governo traz. A Ana (Agência Nacional de Águas) elaborou o Atlas do Nordeste com mais de quinhentas alternativas de abastecimento hídrico de toda a região, atendendo 34 milhões de seres humanos. A Asa (Articulação do Semi-Árido paras as Comunidades Rurais), mais de 10 milhões. Quer dizer, tem alternativas excelentes do próprio governo. Se fossem implementados os projetos da Ana e da Asa seria resolvido o problema de abastecimento hídrico das comunidades. Só que, as alternativas visam o povo. O projeto visa os grandes grupos econômicos, por isso todo esse lobby em favor da transposição, em detrimento das necessidades populares.

Na primeira greve de fome, o governo se comprometeu a paralisar o projeto para realizar uma discussão mais ampla sobre a transposição. No entanto, Lula descumpriu esse acordo e começou as obras. Como se dá a luta contra a transposição no momento em que governo já está implementando as obras?

O governo não, o projeto está sendo implementado pelo próprio Exército, que é uma maneira totalmente irregular. As lutas continuam. Isso aqui é expressão disso, da indignação popular, a mobilização dos movimentos populares. Eu não acredito que o projeto seja levado adiante, pois são muitas irregularidades, de todas as ordens: econômico, social, ambiental, ética, jurídica. São muitas irregularidades.

Em que estágio do projeto está?

O Exército está fazendo buraco. Fazendo buraco e tirando todo o povo que está incomodando o trabalho deles. A região está completamente precarizada.

Qual a importância dos sindicatos e dos movimentos sociais nessa luta?

São fundamentais. Os movimentos sociais, as universidades, as organizações, associações, sindicatos, as comunidades tradicionais, índios, quilombolas. É o momento de todo mundo se mobilizar, é hora de nos darmos as mãos. Porque a luta é muito grande.