Crise do setor e abertura ao capital estrangeiro escancaram as relações entre grande imprensa, governo e especuladoresHá dois anos, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que alterava o artigo 222 da Constituição era aprovado no Congresso. A principal alteração que o projeto trazia era a possibilidade de pessoas jurídicas serem proprietárias de veículos de mídia e, principalmente, a permissão para que até 30% do capital e do controle acionário de empresas de comunicação no país fossem vendidos ao capital estrangeiro. Agora, podemos perceber os efeitos dessa medida.

Inicialmente defendido pelo deputado Laprovita Vieira (PP), o projeto original previa somente que pessoa jurídica também pudesse ser dona de meios de comunicação. Laprovita tentava beneficiar a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Macedo, da qual era representante. A Universal possuía diversos veículos, sendo o principal deles a Rede Record de TV, porém, pela lei, era obrigada a registrá-los nos nomes de bispos e pastores.

O deputado paulista do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira, retomou então o projeto de Laprovita e incluiu o ponto sobre capital estrangeiro. Em pleno ano eleitoral, em 2002, a PEC 222 teve ágil tramitação e contou com amplo apoio do PT, temeroso de se indispor com a grande mídia. Em troca da aprovação, o então governo FHC oficializou um inodoro Conselho de Comunicação Social com figuras “notáveis”, como representantes de donos de jornais.

Com a eleição de Lula, ficou evidente a nova relação que a Rede Globo travava com o PT, bem distinta de 89. Cada vez mais ávida por recursos públicos para sanar suas dívidas, a mega-rede de TV que se impulsionou devido às benesses da ditadura, agora elege Lula como tábua de salvação. E o governo retribui. O BNDES negocia com a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Associação Nacional de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ), a concessão de uma linha de crédito no valor de R$ 5 bilhões. O programa, que ficou conhecido como Proer da mídia, foi temporariamente suspenso, mas ainda não totalmente descartado. Só a Rede Globo acumula uma dívida de cerca de R$ 6 bilhões.

Capital estrangeiro aprofunda crise e causa desemprego

Essas dívidas foram acumuladas ao longo dos anos 90, quando a falsa estabilidade cambial fez com que as empresas se endividassem em dólar. Com a crise do real, tais empresas foram pegas com as calças nas mãos. Endividadas, as empresas passaram a executar um processo de demissão em massa. Essa situação culminou na aprovação da PEC 222, na esperança de que o capital estrangeiro salvasse a mídia com polpudos aportes de investimentos.

No entanto, as recentes demissões deflagradas pelo grupo Folha mostram em que termos se dará esse processo. No final de julho, a Folha de S.Paulo demitiu cerca de 200 funcionários, sendo 60 jornalistas. Só na redação da Folha, 35 jornalistas foram mandados embora, a sucursal de São Luís (MA) foi fechada, junto com o caderno regional de Campinas. No agressivo corte, nem mesmo os editores foram poupados, sendo demitidos profissionais com 20 anos de casa. A hipótese mais provável para esse festival de demissões é um ajuste draconiano levado a cabo pela direção da Folha para tornar a empresa mais rentável e atrair sócios estrangeiros. A maior lucratividade se daria acentuando a precarização das condições de trabalho e com salários rebaixados.

A PEC 222, aprovada com entusiasmo com a ajuda do PT, já beneficia os barões da mídia no país. A família Civita, proprietária do Grupo Abril, anunciou em julho a venda de 13,8% de seu capital ao Capital International Inc, do Capital Group, o terceiro maior administrador de fundos dos EUA. Além do império de revistas, dentro das quais a Veja, o Grupo Abril também tem forte participação no mercado de livros didáticos, sendo acionista das editoras Ática e Scipione. Além disso, o Grupo Abril também estuda a completa abertura de seu capital na Bolsa de Valores.
Post author Diego Cruz, da redação
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