Considerado estratégico pelo governo Federal, o etanol foi vendido como uma alternativa renovável aos combustíveis fósseis, derivados do petróleo, e também por oferecer ao país uma suposta “segurança energética” diante da volatilidade dos preços internacionais do petróleo.

Ao longo de décadas os usineiros do país tiveram seus negócios turbinados por diferentes políticas públicas, especialmente no que se refere a isenções fiscais e perdões de dívidas. Mas foi no governo Lula que o setor apresentou um forte crescimento. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (ÚNICA), entre 2000 a 2008, a produção de cana-de-açúcar cresceu 10,3% ao ano, puxada, sobretudo pelo forte crescimento das vendas de veículos flex. Lula destinou no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) um investimento total de R$ 34,4 bilhões a partir de 2010 para a produção de combustíveis renováveis no país.

Hoje o Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, com quase 33% do total, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2007, a produção do etanol no Brasil chamou a atenção do imperialismo norte-americano. O momento foi marcado pela visita do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush que então revelou os planos de redução do consumo de gasolina em seu país, a disposição de investir no o etanol brasileiro. No mesmo ano, o megaespeculador e financista George Soros também espalhava declarações de pretendia investir cerca de US$ 900 milhões na produção de álcool no Brasil

Muitos duvidaram das palavras e dos planos de Bush, afinal já eram bastante conhecidas as relações do então presidente – especialmente do vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney – com a indústria petroleira. Será que a compra do etanol não poderia afetar os interesses das petroleiras? Era a perguntava dos menos avisados. No entanto, era preciso compreender a real dimensão das palavras do presidente norte-americano. Bush anunciava que as multinacionais de seu país estavam entrando pesado na produção de etanol no Brasil.

Por isso, desde sua visita ao país vem se consolidando uma forte tendência a internacionalização da produção do etanol no Brasil. Se nas décadas de 1970, 1980 e 1990 a produção do etanol era realizada apenas por usinas brasileiras controladas por capital nacional, a realidade atual é bastante diferente. Hoje aproximadamente 25% das propriedades de usinas de etanol brasileiras pertencem a investidores estrangeiros.

Em um artigo para o jornal “O Estado de S.Paulo”, o empresário sucroalcooleiro, Maurilio Biagi Filho, relata que no final daquela década e início do século XXI investidores de head fundings e dos IPO’s (sigla em inglês de Oferta Pública Inicial de ações) começavam a investir no setor. No entanto, houve uma mudança qualitativa quando importantes tradings de origem agromercantil, como ADM, Bunge, Cargill e Luis Dreyfus, entre outras associaram-se a empresas brasileiras produtoras de açúcar e de álcool.

O crescimento do capital estrangeiro no setor sucroenergético deu um salto de qualidade após a crise financeira internacional, iniciada em 2008. Na ocasião muitas usinas foram afetadas pela crise mundial, ou porque amargaram prejuízos em investimentos no mercado financeiro, ou em razão de dificuldades financeiras para a conclusão dos seus projetos de etanol por conta da escassez de crédito no mercado internacional.

“A internacionalização parcial do setor ocorre simultaneamente a um movimento de concentração econômica, reflexo também da violenta descapitalização ocorrida a partir do segundo semestre de 2008. Hoje os 30 maiores grupos do setor controlam 91 usinas, processam quase 50% da cana e são responsáveis por 54% da oferta de álcool da região Centro-Sul”, escreve Biagi.

O empresário chama esse fenômeno de “internacionalização parcial” do etanol brasileiro. Todavia, trata-se de um fenômeno qualitativo, e não episódico, pois isso não representa uma “internacionalização parcial” do setor agroenergético, mas uma tendência sustentada pela demanda dos países centrais pelos chamados bicombustíveis. Atualmente a atividade sucroalcooleira ocupa apenas 1% da área agricultável brasileira, enquanto nos Estados Unidos há sinais de esgotamento das terras agricultáveis. Outra razão seria o fato das multinacionais do agronegócio preferem a cana ao invés do milho, pois o produto é mais eficiente do que o milho na produção de etanol hidratado, utilizado como combustível em veículo flex.

Por outro lado, cabe destacar que apesar da crise econômica mundial a produção de etanol e os investimentos no setor continuaram se acelerando, com forte destaque para o aumento do capital estrangeiro. Vejamos abaixo alguns exemplos.

Aquisições de usina pelo capital estrangeiro
Em 2006, ou seja, antes da crise financeira, a norte-americana Cargill Agrícola compra a CEVASA, mas em 2011 anuncia a aquisição de 50% das usinas do grupo Usina São João. Já em 2008 a Shell International se uniu com o grupo Cosan e formou a Raizen, tornando-se a maior produtora mundial de açúcar e de álcool; são 24 usinas que processam 62 milhões de toneladas de cana por ano e produz 2 bilhões de litros de etanol. Atualmente o grupo detém 9% do mercado de etanol do Brasil.

Logo após a crise, a Louis Dreyfus, grande trading francesa do agronegócio, comprou a Santelisa Vale, segunda maior produtora de etanol do Brasil. Atualmente a empresa processa 40 milhões de toneladas de cana por ano e produz 1,5 bilhão de litros de etanol.

O mesmo caminho foi realizado pela British Petroleum Biocombustíveis que comprou a Companhia Nacional de Açúcar e Álcool (CNAA), e já tinha adquirido anteriormente a Tropical Bioenergia. Tem capacidade produtiva de processar 15 milhões de toneladas de cana por ano e produz 1,4 bilhões de litros de etanol.

A norte-americana Bunge também comprou a maior parte das usinas do Grupo Moema, e hoje processa 21 milhões de toneladas de cana por ano e produz 1 bilhão de litros de etanol. Já o francês Grupo Tereos comprou a Açúcar Guarani, que processa 24,5 milhões de toneladas de cana por ano e produz 692 milhões de litros de etanol.

A Noble Group, grande trading de Hong Kong, comprou o grupo Cerradinho, e processa 17,5 milhões de toneladas de cana por ano e produz 600 milhões de litros de etanol (UDOP: 2010). A Indiana Renuka comprou a Vale do Ivaí e a EQUIPAV, e sua capacidade produtiva de processamento ultrapassa 13 milhões de toneladas de cana por ano. Finalmente, em 2010 a trading suíça Glencore comprou 100% das ações da Usina Rio Vermelho, que tem capacidade de processar 1,3 milhão de toneladas de cana por ano.

E apesar da crise financeira que atingiu os países imperialistas, o megaespeculador George Soros não desistiu de seus investimentos em etanol no Brasil. Sua empresa é a Adecoagro, que atualmente processa 1 milhão de toneladas de etanol por ano no país e projeta para 2015 processar 11 milhões de toneladas.

Muitas empresas do setor ainda são controladas por grupos nacionais, mas já existe uma forte presença do capital estrangeiro na sua composição acionária. É o caso da ETH Bioenergia (fusão da ETH com a Brenco), uma empresa do Grupo Odebrecht, que tem como sócios a trading japonesa Sojitz Corporation, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e os fundos de investimento Tarpon e Ashmone. A empresa tem capacidade de processar 9,2 milhões de toneladas de cana por ano e produz 3 bilhões de litros de etanol por ano.

Domínio territorial avança
O avanço do controle do capital estrangeiro tem graves consequências para a soberania territorial do país. A expansão do cultivo da cana-de-açúcar só pode ser sustentada em áreas com a disponibilidade dos recursos de terras férteis e, sobretudo, pela abundância de água, muito consumida pelas usinas.

Um estudo de Antonio Thomaz Júnior, Professor Doutor do Departamento de Geografia da UNESP/Presidente Prudente, identifica que a expansão do agronegócio avança territorialmente no que ele denomina Polígono do Agrohidronegócio (1). Essa área compreende o Oeste de São Paulo, Leste de Matogrosso do Sul, Noroeste do Paraná, Triângulo mineiro, Sul e sudoeste de Goiás.

É justamente no subsolo desse território que se encontra o terceiro maior acervo subterrâneo de água do mundo, o Aquifero Guarani, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados, dos quais 840 mil quilômetros quadrados se encontram em território brasileiro.

“É nesse acervo subterrâneo de água que capital envolvido nas diferentes atividades de agronegócio (cana – de – açúcar, soja e milho) está atento e disposto a conciliar os interesses de controlar melhores terras e o acesso a água”, escreve Thomaz Júnior.

O pesquisador também destaca que a expansão do cultivo da cana produz uma maior disputa entre os distintos setores da burguesia vinculada ao agronegócio, com a participação inclusive dos investidores estrangeiros, pelas melhores terras agricultáveis e de maior disponibilização de água de subsolo. Essa disputa territorial levou a maior valorização das terras do Polígono do Agrohidronegócio. “Isto é, com a expansão da cana de açúcar no Centro-Sul, em particular São Paulo, no Leste do Mato Grosso do Sul e no Triangulo Mineiro e a consequente valorização das terras, a pecuária dessas regiões está se deslocando para outras porções do país”.

Uma das frentes da expansão da pecuária direciona-se para a região Norte do país, o que explica o incrível salto de 35milhões para aproximadamente 80 milhões de cabeças na região, conforme aponta o Censo Agropecuário/ IBGE de 2006. Obviamente, isso também seria uma das principais causas do forte aumento da desmatamento da floresta amazônica, e da remoção das populações camponesas da região que se tornaram um empecilho para o capital.

Um exemplo atual é a enorme pressão que o agronegócio faz sobre a população quilombola no Maranhão, ou ainda o projeto lei que autoriza (discutido na Assembléia Legislativa do Maranhão) que autoriza a derrubada das últimas reservas de babaçu do Estado.

O mito da ‘soberania energética’
A crescente necessidade do mercado mundial pelos chamados bicombustíveis vai expandir a desnacionalização da produção do etanol no Brasil. Portanto, o que sempre foi apresentado para a sociedade como símbolo da “soberania energética” do país, corre o risco se transformar em uma verdadeira falácia. Pior ainda. Pode se converter em algo que submeta não apenas a produção nacional de etanol aos ditames das multinacionais, como também entregar a elas importantes recursos naturais, como as melhores terras agricultáveis, ou os reservatórios subterrâneo de águas.

Nesse contexto, destaca-se ainda a venda de enormes extensões de terras para as empresas e grupos estrangeiros que estão se lançando à atividade agroindustrial canavieira. De acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estrangeiros têm posse de 4,35 milhões de hectares de terras no Brasil. Essas terras estão distribuídas, sobretudo, nos estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo, onde a penetração do capital estrangeiro no setor agroenergético é mais contundente.

Atualmente já existe uma lei que regulamenta a compra de terras por estrangeiros, a Lei 5709/71. Mas o governo teme em aplicá-la, pois isso poderia representar uma queda no número de investimentos no Brasil, além do aumento do preço das commodities no mercado mundial.

(1) THOMAZ JUNIOR, Antonio. O agrohidronegócio no centro das disputas territoriais e de classe no Brasil do século XXI. Campo-Território: Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v.5, n.10, p.92-122, ago.2010. Disponível em: http://www.campoterritorio.ig.ufu.br//viewissue.php?id=11>. Acessado em: 12 de junho 2011.