Revolta nas barcas ontem e hoje, as duas primeiras imagens são do dia 8, acima, revolta em 1959

Revolta na estação das barcas e greve nos trens do Rio mostram resultado da entrega do serviço público a iniciativa privada. Superlotação, atrasos e acidentes são rotina de milhões de trabalhadores que dependem do transporte públicoNa quinta-feira, dia 8 de abril, cerca de duas mil pessoas presenciaram o colapso das barcas, na Praça XV, centro da cidade. Véspera do feriado da Semana Santa, longas filas se estendiam, fazendo com que milhares de passageiros tivessem que esperar por até uma hora para embarcar. “Era isso ou aguentar até três horas no engarrafamento da ponte, por causa do feriado”, diz Pedro Leite, 26, que acompanhou o sufoco no centro do Rio. Passageiros passaram mal e o inevitável tumulto tomou conta da estação.

As filas eram enormes, iam até o Paço, palco do histórico “Dia do Fico”. Só que, depois de um dia de trabalho, ninguém agüentava ficar mais ali em pé. “Pula, Pula”, começou o coro, perto das catracas. Quem estava do lado de dentro chamava o pessoal de fora a pular. A revolta começou. “Lá de fora, vi um banco de madeira sendo arrancado e voando pelo ar”, conta Pedro. O banco, assim como pedras e dezenas de objetos foram lançados contra o vidro que separa a área de embarque, e que só é aberto quando uma embarcação está preparada para sair.

As catracas foram bloqueadas e a população espremida invadiu o terminal. Em meio à fúria e revolta da população, vidros e lojas foram atacados. Uma barca que chegava com passageiros de Niterói simplesmente não atracou.

A Polícia Militar interveio com violência, jogando spray de pimenta, agredindo e lançando os cachorros sobre a população. Diante da repressão, os manifestantes protestaram: “a PM é a vergonha do Brasil”, gritavam.

Privatização no centro do problema
As barcas ligam o Rio a Niterói e a Ilha de Paquetá. Milhares de pessoas passam por ali diariamente. Administrada pela concessionária privada Barcas S/A, o serviço está cada vez mais precário.

A Barcas S/A é controlada por um conjunto de empresas, entre elas a que comanda a empresa rodoviária 1001. As vítimas desse sistema privatizado são, como sempre, os trabalhadores. Após um dia inteiro de trabalho, são obrigados a amargar horas na fila e a superlotação. Uma hora essa panela de pressão explode, como aconteceu nesse dia 8.

O tumulto e a reação popular ocorrem quase 50 anos após a grande revolta que praticamente destruiu a estação, em 1959. Indignados pelo aumento da passagem, cerca de trinta mil pessoas depredaram não só a estação, mas todas as lojas e escritórios da família Carreteiro, então responsável pela administração do serviço. Até mesmo a casa dos proprietários foi alvo da fúria da população. No final do dia, o povo desfilou com as roupas da família pelas ruas do Rio.

A revolta forçou o então presidente Juscelino Kubitschek a estatizar a frota e o serviço. No final dos anos 90, porém, a onda de privatizações chegou à Baía de Guanabara e a então Cia de Navegação do Rio de Janeiro (Conerj) passou ao controle do Consórcio Barcas S/A. O serviço piorou a partir de então. As filas, por sua vez, só aumentam, enquanto o número de barcas se mostra insuficiente para atender a demanda.

As promessas realizadas na época da privatização não foram cumpridas, como o projeto de barcas para São Gonçalo e Charitas. Apenas catamarãs foram instalados. A barca da madrugada foi interrompida por vários anos. Retornou com um intervalo maior e foi interrompida novamente, substituída pelos ônibus. No protesto espontâneo da quinta-feira, esse era uma reclamação recorrente.

O governo do Rio, por sua vez, realizou uma reunião na manhã desse dia 13 de abril para discutir o problema. A grande solução encontrada por Sérgio Cabral (PMDB) foi um empréstimo de R$ 8 milhões à concessionária Barcas S/A. Ou seja, além de não rever a privatização, o governo vai ainda premiar a empresa privada que coloca em risco a vida de passageiros em nome do lucro.

Caos nos trens
Como se não bastasse o problema com as barcas, o carioca enfrentou nesse dia 13 uma greve nos trens da cidade. Segundo a imprensa, 500 mil passageiros deixaram de utilizar o transporte por conta da paralisação. Para o sindicato, o protesto é para chamar a atenção à precariedade do transporte ferroviário. ” Trens estão sem freios, sinais têm problemas de manutenção e a culpa vai para o maquinista”,, denunciou à imprensa o presidente do Sindicato dos Ferroviários, Valmir Lemos. Segundo ele, acidentes freqüentes ocorrem sem que a empresa concessionária tome qualquer providência.

A SuperVia, concessionária que administra os trens desde 1998, além de não atender as reivindicações dos ferroviários, ainda demitiu nove maquinistas que participaram da assembléia que decidiu a greve. A paralisação de advertência que deveria durar um dia, pode seguir por tempo indeterminado por conta da intransigência da concessionária.

A privatização dos trens foi realizada através de uma massiva campanha que insuflava grandes expectativas com relação ás melhorias do serviço público. No entanto, fora o alardeado ar-condicionado, os problemas só aumentam. Além de freqüentes acidentes, superlotação e altas tarifas, os trabalhadores do sistema ferroviário convivem com o arrocho salarial e condições precárias e inseguras de trabalho.

Enquanto isso os trabalhadores são obrigados a se submeterem diariamente às precárias condições do transporte ao trabalho, como uma espécie de navio negreiro moderno. Até que a panela de pressão exploda novamente.

NO YOUTUBE, VÍDEOS FEITOS COM CELULAR MOSTRAM A REVOLTA NAS BARCAS