Suborno, fraudes em licitação, financiamento ilegal de campanhas. Na origem, a mesma história: uma empreiteira ou um bicheiro paga a campanha nas eleições, e depois apresenta a faturaO mar de lama envolvendo o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e grandes políticos está prestes a virar um tsunami. Em um primeiro momento, vieram à tona o envolvimento do bicheiro com conhecidas figuras da oposição de direita, através de pagamentos de propinas, tráfico de influência, etc. O caso mais notório foram as gravações envolvendo o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Várias gravações da Polícia Federal mostram Cachoeira falando em pagamento de propina a Demóstenes.

As denúncias também jorraram sobre o PSDB de Goiás. Gravações mostram o bicheiro mandando entregar propina “embrulhada em jornal” ao deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO). Em outra gravação, Cachoeira e um ex-auxiliar do governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo, discutem a partilha da verba publicitária do Detran. Na gravação, o bicheiro fala: “Quem lutou e pôs o Marconi lá fomos nós”. Trechos de outras gravações falam em entrega de dinheiro para “o palácio”.

gráfico mostra evolução do faturamento da Delta

Cachoeira lembra uma regra fundamental da democracia dos ricos. São as grandes empresas que financiaram a campanha dos grandes partidos, muitas vezes com o dinheiro da corrupção. Depois das eleições, cobram a fatura, impondo o que querem e abocanhando lucrativos contratos com o Estado. Eis a fonte dos atuais escândalos de corrupção que assistimos. Esse é jogo de cartas marcadas dos ricos e poderosos. A maior prova deste toma-lá-dá-cá é uma das gravações das conversas de Fernando Cavendish, então presidente da Delta Construtora, onde explica como sua empresa é convidada para as obras: “se eu botar 30 milhões na mão de político, eu sou convidado pra coisa pra c.”.

Respingando no PT e seus aliados
Nas últimas semanas, porém, pouco a pouco os escândalos se aproximaram do governo do PT e de seus aliados. Gravações da PF mostram a ligação entre Cachoeira e executivos da construtora Delta. O bicheiro utilizaria seus contatos para que a construtora pudesse abocanhar licitações e contratos fraudulentos em troca de financiamento das campanhas eleitorais. No entanto, o envolvimento da construtora pode revelar muitos outros casos de corrupção.

A Delta é a sexta maior empreiteira do Brasil e tem contratos importantes com obras do PAC, da Copa e das Olimpíadas. A Delta tem uma presença maciça no Rio de Janeiro. Segundo o jornal O Globo, possui mais de R$ 1 bilhão em contratos com o município e a mesma quantia em contratos somados com o estado do Rio desde 2007.

A empreiteira fazia parte do consórcio Transcarioca BRT, responsável pelo corredor Transcarioca, que vai ligar a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, na Ilha do Governador. Também estava presente no consórcio responsável pela obra do Maracanã, orçada em R$ 859 milhões, além da obras do Comperj, em Itaboraí, cujos operários estão em greve.

Fernando Cavendish, que deixou a presidência da Delta em função dos escândalos, é velho amigo do governador Sérgio Cabral (PMDB). A viagem de Cabral para um resort no sul da Bahia, em junho de 2011, para a comemoração do aniversário de Cavendish, revelou a intimidade entre os dois. Na ocasião, a queda de um helicóptero matou sete pessoas do grupo de amigos e Cabral tentou abafar a divulgação de sua presença.

Outras imagens, divulgadas pelo deputado Garotinho (PR-RJ), mostram Cabral e seu secretariado em jantares em Paris, acompanhados de Cavendish. Resta perguntar: a cachoeira de lama vai chegar em Cabral e em Eduardo Paes, aliados do governo federal?

Financiamentos de campanha
A construtora Delta também é uma das maiores financiadoras de campanhas políticas no país. Sua trajetória começou em 2002, quando doou cerca de R$ 40 mil em campanhas eleitorais do extinto PL, partido do ex-vice presidente José Alencar. Naquele ano a Delta gastou pouco mais de R$ 60 mil em campanhas eleitorais. No entanto, oito depois a empreiteira gastaria mais de R$ 2,3 milhões “doados” aos grandes partidos. Só para o PT, em 2010, a empreiteira repassou R$ 1,15 milhão.

Obviamente que os contratos com o Estado também explodiram e a Delta se tornou a maior empreiteira do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com levantamento do jornal Folha de S. Paulo, entre 2003 e 2011, os recursos federais recebidos pela empresa cresceram mais de 2.000%.

Outros R$ 1,15 milhões foram doados ao PMDB, segundo a prestação de contas oficiais. Mas a Polícia Federal investiga se a construtora não chegou a repassar muito mais, por meio de empresas fantasmas e laranjas.

Governo tenta controlar CPI
As denúncias forçaram o Congresso a criar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e empresas. No entanto, esta é uma CPI para dar em nada, montada para manter as aparências e evitar que as denúncias fujam do controle. Por isso, na composição da CPI, ao menos 75% dos titulares são aliados do governo.

Tanto o governo quanto a oposição de direita não tem interesse em que a CPI aponte culpados. A situação é tão absurda que a comissão terá, entre seus membros, figuras do folclore da corrupção, como o senador Fernando Collor (PTB-AL), o que teria provocado risos do próprio Cachoeira.

Suborno, fraudes em licitação, financiamento ilegal de campanhas. A lista de crimes a serem investigados é interminável. Na origem, a mesma história: uma empreiteira ou um bicheiro pagam a campanha nas eleições e depois apresentam a fatura. Agora, governo e a oposição querem controlar as investigações e impedir que o tsunami de denúncias venha à tona.

O Congresso Nacional não tem moral para investigar e julgar as denúncias de corrupção. A imensa maioria dos deputados e senadores tem o rabo preso com a corrupção. Como a história recente do país já mostrou, só a mobilização permanente da juventude e dos trabalhadores pode combater a impunidade. Só nas ruas é possível conquistar a prisão de Demóstenes e de corruptos e corruptores, além do confisco de seus bens.