No dia 31 de outubro, movimentos sociais de toda América realizaram uma grande manifestação em Quito, no Equador, contra a ALCA. Era a voz das ruas, dos explorados e oprimidos, contra a reunião dos ministros da economia e comércio dos 34 países que se reuniam em mais uma rodada de negociações para a construção desse acordo neocolonial. Os manifestantes foram recebidos com uma forte repressão, enquanto exigiam a suspensão das negociações.

Fato novo, pouco noticiado no Brasil, do outro lado da barricada – acompanhando a equipe de FHC – estava o deputado Paulo Delgado (PT-MG).
A partir de janeiro teremos um fato inusitado, o Brasil estará na co-presidência da ALCA junto com os EUA. O governo Lula junto com o governo Bush estará presidindo as negociações e cumprindo o cronograma para instalação definitiva da ALCA a partir de 2005.
A campanha contra a ALCA no Brasil realizou um Plebiscito em outubro, do qual participaram mais de 10 milhões de pessoas que disseram não à ALCA e em mais de 90% se posicionaram pela ruptura imediata das negociações. O PT – já naquela ocasião – se retirou do Plebiscito e o desautorizou.
Ocorre, que a direção do PT defende em relação à ALCA a mesma política de FHC, ou dos setores fundamentais da classe dominante brasileira. Diz ser possível uma negociação soberana. Alguns setores da esquerda petista, por sua vez, acham que o movimento deve “subsidiar” as negociações do governo Lula e pressionar – nos marcos das negociações – para que a ALCA possa ser inviabilizada por dentro, alentando ilusões de que o governo Lula estaria pela inviabilização da ALCA, apenas teria uma “tática” diferente para barrá-la.
A ALCA, entretanto, só poderá ser barrada por mobilizações de massas e pelo movimento operário e popular. Pois, a burguesia brasileira vai à ALCA.
Mesmo os tais setores “produtivos”, de quem Lula diz ser aliado preferencial, querem a ALCA no atacado, com ressalvas no varejo. Com a palavra Horácio Lafer Piva, Presidente da Fiesp: “A ALCA é inexorável” (Folha on Line 28/10/2002). Nada diferente disso diz o próprio vice de Lula, José Alencar “(…) às vezes as pessoas se posicionam contra a ALCA sem saber o que ela significa. Livre comércio significa o fim das fronteiras econômicas, para ser exato. Significa que os países estarão vivendo numa economia rigorosamente aberta. Isso é bom para o Brasil? Eu penso que sim” (Folha de São Paulo 26/10).

A BURGUESIA NÃO QUER SOBERANIA

Se governos de aliança com a burguesia sempre governam contra os trabalhadores, porque “conciliar capital e trabalho” dá como resultado aumento da exploração, hoje em dia aliança com a burguesia dá como resultado também rendição completa ao imperialismo.
Não é casual que não tenham existido nestes anos de profundo avanço de um processo de recolonização dos países, setores nacionalistas burgueses importantes. Os governos e a burguesia do continente, incluindo a brasileira, não ofereceram qualquer resistência a esse processo.
O Brasil se desnacionalizou profundamente e houve uma mudança no perfil da burguesia brasileira, que se já era sócia menor do imperialismo, virou menor ainda, uma parte virou rentista, outra testa de ferro de grupos estrangeiros e outra quase gerente colonial de empresas antes nacionais, hoje sob controle imperialista.
Somando-se às privatizações, das empresas que viveram processos de fusões ou aquisições nos últimos 5 anos – até 2001 – 70% passaram para mãos de grupos estrangeiros. Além de setores tradicionalmente sob controle das multis, como automobilístico (95%), farmacêutico (79%), setores tradicionalmente nacionais foram engolidos: alimentos (57%); higiene e limpeza (87%) . Auto-peças, eletrodomésticos, supermercados e, inclusive, o sistema financeiro foram profundamente desnacionalizados. Até mesmo a agricultura, tem hoje mais de 50% de sua comercialização controlada por grupos multinacionais. É emblemático o lobby das empresas de comunicação – Globo à frente – exigindo abertura para entrada de capital imperialista na mídia.

Delfim Neto – defensor dos exportadores, que apoiou o PT – e, segundo petistas como Mercadante e outros, fez um movimento natural porque “tem sido crítico do modelo”, aponta como modelo para o Brasil o México do Nafta .
Rubens Ricúpero – ex- ministro de Itamar Franco, hoje membro da Unctad (órgão da ONU) e cogitado pela imprensa como um dos não petistas possíveis de integrar o novo governo – é outro que diz ser vantajosa a negociação da ALCA, porque acredita ser possível o Brasil conseguir derrubar ou diminuir o protecionismo americano nas áreas que “lhe interessa”: agrícola, de aço, calçados e alguns outros produtos.
Acontece que, mesmo que seja possível exportar mais nestes setores que quer a burguesia ( no Equador, por exemplo, em acordo bilateral os EUA contemplaram pedidos dessa natureza da burguesia colonizada do país), a ALCA não deixará de ser um milímetro menos que um pacto colonial em função disso. Em troca de suco de laranja, a burguesia estará aceitando entregar o que resta de serviços, compras governamentais e estará colocando o país sob controle de um Tribunal Internacional controlado pelos Estados Unidos.
Nenhum setor burguês latino-americano – menos ainda a burguesia brasileira – vai impedir a ALCA. A burguesia não quer soberania, a burguesia quer a ALCA.
O governo Lula, aliado profundamente a essa burguesia, estará, junto com Bush, coordenando as negociações que levarão à implantação da ALCA.

A DEFESA DA SOBERANIA NAS MÃOS DO PROLETARIADO

Quem pode impedir a ALCA são os explorados da cidade e do campo com muita mobilização. Em Quito, os movimentos sociais exigiram a suspensão das negociações e realização de plebiscitos nos países.
No Brasil, a campanha contra a ALCA defende a ruptura imediata das negociações, porque não apenas não é possível nenhuma negociação soberana, mas também porque cada nova rodada de negociação significa avanço na implementação do acordo. Como disse o líder do MST – João Pedro Stédile – na última reunião da Coordenação da ALCA, as negociações podem ser comparadas a uma gravidez indesejada: ou se aborta no início ou aos 9 meses a criança terá nascido. Daí a enorme importância da continuidade da campanha brasileira e continental contra a ALCA.
É preciso ter claro que se Lula segue aliado com a burguesia e mantém as negociações, o movimento estará numa trincheira e o governo Lula em outra, como ocorreu em Quito.
Post author Mariucha Fontana, da redação
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