Cansados de quê?
São Paulo, 4 de agosto. Sábado de muito sol na avenida Paulista. Um dia típico na capital, não fosse uma cena incomum que assustou boa parte dos desavisados que passavam pela região. Uma barulhenta passeata reunia, em frente à sede da Fiesp (Federação da Indústria de São Paulo), distintos senhores, inúmeras socialites e garotos bem nutridos de cabelos devidamente engomados. E, claro, várias senhoras com seus cachorros. Muitos cachorros. Os curiosos olhavam incrédulos.

Tratava-se de uma passeata pelo “Fora Lula”, convocado de forma anônima em algumas capitais do país. Em São Paulo, a manifestação aglutinou cerca de duas mil pessoas. Nos outros locais, reuniu não mais que algumas dezenas. A convocatória anônima pretendeu dar ao movimento um tom espontâneo e atrair setores que nunca iriam a um evento da direita. Mas o ato paulista mostrou quão espontânea é a manifestação. Um imenso trio elétrico não aparece do nada, nem a Fiesp é símbolo de “decência” ou “responsabilidade” para os manifestantes elegerem sua sede como ponto de encontro.

O ato chamou atenção não só pela cena esdrúxula das socialites com seus cachorros a tiracolo. Expressou também o oportunismo de um setor troglodita da direita que se aproveitou da ocasião para alardear bandeiras como a redução da maioridade penal e a pena de morte.

Cansei!
Na verdade, a série de mobilizações foi articulada pelos mesmos setores que lançaram o movimento “Cansei”. Oficialmente intitulado “Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros”, o “Cansei” logo se tornou piada nacional. Pegando carona na insatisfação crescente com o governo Lula, o movimento criado pela elite paulistana quer expressar uma “indignação coletiva” nas palavras do próprio empresário João Dória Jr., espécie de porta-voz da iniciativa.

As entidades que compõem o tal movimento dão idéia do seu caráter. Além da OAB, também estão “cansados” os Jovens Empreendedores da Fiesp, a ultra-reacionária Associação Comercial de São Paulo e a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).

Apesar de se auto-intitular “apartidário”, o movimento criado por um setor da burguesia sediada em São Paulo não passa de uma tentativa de capitalizar eleitoralmente o desgaste do governo Lula. Para isso, utiliza de forma oportunista a tragédia em Congonhas, mas não cita, por exemplo, o desastre do Metrô no início do ano, cuja responsabilidade maior foi do governo tucano de José Serra. Isso porque são justamente PSDB e DEM que articulam o movimento, apontando para as eleições de 2008 e 2010.

Apesar das falas de Lula e dos ideólogos de plantão do governo, o “Cansei” nada tem de golpista. Nem poderia. “Nunca na história deste país”, como gosta de dizer o presidente, os lucros dos bancos, por exemplo, foram tão grandes e a população de alta renda se beneficiou tanto.

Lula sabe bem disso. Mas o governo e o PT, assim como a CUT, viram logo a oportunidade de taxar a iniciativa de “golpista” para vincular a ela as vaias que Lula ouve do povo em qualquer lugar que vá, como no Nordeste. O governo também sabe que o movimento conta com o apoio de apenas uma parcela da burguesia. Tanto que o próprio Planalto articula um movimento “pró-Lula” entre os empresários, a partir do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. A maioria dos banqueiros, empresários e latifundiários está com Lula. Se esses senhores estão cansados de alguma coisa, é de tanto aplaudir a política econômica do governo do PT.

CUT cansada
A fim de fazer um contraponto ao “Cansei” e defender o governo, o presidente da CUT, Arthur Henrique, lançou o movimento “Cansamos”. A central, assim como a alta burguesia paulistana, deve estar cansada de tantos privilégios do governo.

Denúncia recente revela que uma ONG ligada à CUT recebeu R$ 8 milhões do Ministério da Educação para ministrar aulas que nunca foram dadas. Inúmeros outros convênios com o governo despejam recursos públicos nos cofres da central. Tanto dinheiro realmente cansa. Isso sem contar os cargos ocupados pela central, a começar pelo próprio ex-presidente da CUT Luiz Marinho, ex-ministro do Trabalho que ocupa agora a pasta da Previdência.

Enquanto a elite engomadinha tem seus chiliques e a burocracia da CUT se cansa de tanta bondade, no andar de baixo o povo é quem realmente está cansado. Como afirmou Lula durante discurso fechado de lançamento do PAC em Cuiabá (MT), “a parte pobre é que deveria estar mais zangada”. Como o próprio presidente reconhece, em seu governo os ricos foram beneficiados. Durante os anos de governo Lula, os 10% dos mais ricos tiveram ganhos 20 vezes maiores do que os 40% mais pobres.

Mas a parte pobre está se zangando. E de verdade. Após as vaias na abertura do Pan no Rio e dos protestos no Nordeste, Lula cancelou viagens a 12 estados. Os poucos eventos de que o presidente tem participado são fechados ao público. A experiência com o governo do PT feita pela vanguarda dos movimentos sociais, dando início ao processo de reorganização, está chegando às massas.
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