foto Corpo de Bombeiros/divulgação
PSTU Mariana

Yuri Gomes e Bruno Teixeira, de Mariana MG

Um dos dias mais tristes dos 300 anos de nosso estado de Minas Gerais ocorreu há dois anos. Uma catástrofe, um assassinato, um massacre ao nosso povo trabalhador: o crime cometido pela Vale S/A em Brumadinho.

E é um crime que se renova, dia após dia, através da impunidade e da ausência de uma justa reparação social. Fruto de um modelo de mineração que devora vidas e a natureza, em que o bolso dos acionistas estrangeiros vale tudo, mas Natália de Oliveira, que procura sua irmã Lecilda, operária da Vale S/A que está entre os 11 corpos não encontrados dos 271 mortos, não vale nada. [1]

Esses são dias para todos nós trabalhadores nos enlutarmos pelas milhares de vítimas diretas e indiretas desse crime, mas também para refletirmos sobre a relação de trabalho capitalista e o domínio espúrio das grandes empresas, como a Vale S/A, com o Estado.

Homenagem da Vale: pagar menos da metade de seus danos e fim do auxílio emergencial da empresa no meio da pandemia

Tentando liquidar quatro processos de uma só vez, a Vale S/A apresentou em juízo uma minuta de proposta de acordo, em que oferece R$ 21 bilhões ao Estado, reduzindo em mais de R$ 30 bilhões o que é pleiteado pela força-tarefa formada pelo governo do estado, Ministério Público do Estado e Federal, Defensoria Pública do Estado e da União e a Advocacia Geral da União.

O valor original da causa é de R$ 54 bilhões pleiteado, dos quais R$ 26 bilhões seriam pela compensação das perdas econômicas pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão e, os outros R$ 28 bilhões para o pagamento de indenizações às famílias dos mortos e demais atingidos, calculados pela Fundação João Pinheiro (órgão oficial de pesquisas e estatísticas do governo mineiro).

Na proposta de acordo, “as obrigações ora assumidas não implicam em reconhecimento de responsabilidade administrativa ou penal da Vale ou de seus colaboradores em qualquer espécie, grau, especialidade ou função desempenhada na companhia.” Deste modo, a Vale executa o que faz de melhor: paga uma mixaria para se livrar dos problemas que ela mesmo, irresponsavelmente, criou.

Outro termo que devemos observar é que “fica expressamente proibida a destinação de recursos provenientes deste Acordo para qualquer finalidade diversa da prevista neste instrumento”. Desta forma, a empresa engessa o poder de organização, e garante que serão executadas obras do seu interesse, e não do interesse do Estado, e muito menos das famílias atingidas por seus crimes.

Dos termos propostos pela empresa ao governo, ainda existe a safadeza de considerar todos os processos futuros, se existirem, conexos com estes encerrados pelo acordo, impedindo a distribuição de novas ações. Neste caso, qualquer prejuízo futuro aos cofres públicos que possa acontecer em função do crime da empresa, não poderia mais ser reclamado na justiça.

A população de Brumadinho, além de chorar os seus mortos, tem que passar pela apreensão do fim do auxílio emergencial conquistado após o rompimento da barragem, sendo que o auxílio já foi reduzido pela metade para a maioria da população, já que quem estabelece os critérios sobre o pagamento é a própria empresa. Imagine alguém matar a sua família e ela ter que decidir como proceder com a sua reparação. É isso que está acontecendo, e esse é o motivo do povo trabalhador de Brumadinho se levantar frequentemente para garantir a manutenção dessa reparação mínima e básica.

Vale considerar os lucros bilionários que a mineração vem tendo nesse último período. A tonelada de minério de ferro ultrapassa os 170 dólares, próximo do teto de 190 dólares dos anos 2008, mas com a diferença de um dólar valendo mais que o dobro da época, e mantendo uma alta produção. A mineração brasileira dentro de um longo cenário de primarização da economia está voando, enquanto mitiga reparações e direitos aos seus trabalhadores. Com a vigência da Lei Kandir, que isenta empresas mineradoras do pagamento do ICMS, maior se torna o rombo fiscal nesse momento de ampliação das exportações e também nesse momento em que tais tributos poderiam ser decisivos em investimentos como saúde, por exemplo.

Nesses dois anos, apenas uma barragem a montante (modelo de Brumadinho) foi totalmente descomissionada, e o próprio processo de descomissionamento também é utilizado pela empresa para domínio de territórios, como vem acontecendo na comunidade de Antônio Pereira em Ouro Preto, que a população do distrito tem que conviver com a destruição de nascentes, prejuízos ambientais diversos e a poeira da construção de uma estrada.

Zema e Bolsonaro estão do lado do modelo minerador assassino

Zema (Novo) recusou a primeira proposta da Vale, e ocorrerá mais uma etapa de negociação nos próximos dias. Inclusive se reuniu com o Procurador-Geral da República, e leal escudeiro de Bolsonaro, Augusto Aras, para debater como proceder com esse imbróglio [2]. Sendo que se ventila um acordo em entorno de 50% do valor definido pela Fundação João Pinheiro. Vamos lembrar que em 2019 o governador de Minas Gerais chamou o crime de “incidente” e disse que a Vale “reconheceu o erro”. [3]

Sobre a negociação, a questão central não é apenas aceitar ou recusar a proposta, mas quem são os sujeitos ativos dessa negociação. O fundamental era fazer com que o poder de decisão estivesse nas mãos de representações eleitas entre os próprios atingidos de Brumadinho e dos movimentos sociais comprometidos com a luta dos trabalhadores da mineração e seus territórios. Não podemos deixar que os recursos frutos da reparação pelo assassinato de nosso povo sejam definidos tanto pelos grandes acionistas com as mãos sujas de sangue, ou de governantes dos ricos com seus planos antioperários e eleitoralistas. Quem tem que gerir os recursos da reparação são os próprios atingidos e trabalhadores.

Zema e Bolsonaro já demonstraram que não querem contrariar o poder das mineradoras. Nenhuma ação no sentido de punição dos responsáveis pelos crimes da mineração: são seus bandidos de estimação, os bandidos milionários. Além disso, mantiveram a produção normalmente durante a pandemia, mesmo sendo evidente que as aglomerações operárias resultavam e continuam resultando na proliferação do vírus. Soma-se todo o descaso pelas políticas ambientais por ambos os governos, principalmente pelo ministério chefiado por Ricardo Salles, passando a “boiada” na natureza e fazendo avançar a mineração em áreas de preservação.

Essa é a realidade de um país que caminha pouco a pouco, mas de maneira cada vez mais acelerada, para se tornar uma colônia mundial agrícola e mineradora, enquanto indústrias que saem minimamente do setor primário, como a montadora Ford, abandonam o país.

A luta por reparação e justiça tem que estar ligada com a luta por uma outra mineração

Precisamos lutar não só por justiça e reparação do que aconteceu, mas também do que continua acontecendo. São massacres dentro de massacres, levando em conta a pandemia e o descaso dos governos com a vida de nossa classe. Transformar a dor em ímpeto de transformação! Esse é o lema! Mas uma luta que consiga parar essa roda que passa sobre povos e a natureza em diversos pontos do país. Parar essa mineração capitalista que se alimenta da exploração e da morte.

A luta por territórios e direitos passa necessariamente por retirar do caminho todos aqueles que são empecilhos para nossa vitória. Da mesma maneira que precisamos triturar os matacos, as grandes pedras nos trituradores da mineração, precisamos destruir esses governos que são matacos para o desenvolvimento do nosso combate por tudo aquilo que merecemos.

Precisamos colocar para fora Bolsonaro e Zema, exigir prisão dos administradores da Vale S/A e da Samarco que estiveram envolvidos com esses crimes e eleger uma nova administração, uma administração operária, dos trabalhadores dessas empresas e das cidades atingidas, garantindo que a mineração seja colocada para o interesse e a segurança de nosso povo trabalhador. Além disso, é preciso conquistar a nacionalização das grandes mineradoras de maneira a garantir soberania quanto a essa produção fundamental do país, gerando desenvolvimento social.

Só assim, combinando desde a luta para a manutenção do auxílio emergência da Vale até o controle o operário, que teremos uma saída real. É na construção de uma verdadeira revolução que dê o controle da política e da economia para os trabalhadores que podemos parar essa roda mortífera que é a mineração capitalista.

Referências:

[1] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/01/nos-estamos-a-procura-como-no-dia-que-a-barragem-rompeu-diz-irma-de-vitima-em-brumadinho.shtml

[2] https://www.otempo.com.br/economia/augusto-aras-se-reune-com-zema-e-vale-para-discutir-acordo-de-reparacao-de-danos-1.2437760

[3] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/02/12/zema-chama-brumadinho-de-incidente-e-diz-que-vale-reconheceu-o-erro.htm